quarta-feira, 11 de abril de 2012

jose casimiro da silva, bernardino machado, afonso costa, entre outros, em famalicão: memórias


Tudo leva a crer ( e qualquer informação en contrário agradecia) que os textos que aparecem publicados no jornal famalicense "Estrela da Manhã" (finais de 1962 e princípios de 1963) com o título "À Esquina do Caetano" e "À Esquina do Mesquita", o primeiro assinado com o pseudónimo Nihil e o segundo com Ego Sum, seja da mesma personalidade famalicense que se chamou José Casimiro da Silva (1901-1983), retratando a sociedade famalicense em várias fases da sua história. Publicista e jornalista, foi director, proprietário e editor do focado jornal, e, para além de vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão na época do Estado Novo, Casimiro da Silva esteve na origem de algumas instituições famalicenses sociais famalicenses, passando pelos seus respectivos corpos dirigentes. Foi o fundador e o criador do Centro Gráfico de Famalicão; e em 1980 um grupo de amigos prestaram-lhe uma homenagem, a qual se realizou na Fundação Cupertino de Miranda, atribuindo-lhe então a Câmara Municipal de Famalicão a Medalha de Ouro de Reconhecimento. Da sua multiplicidade de títulos, salienta-se o "Elucidário Turístico do Concelho de Vila Nova de Famalicão e Roteiro do Minho" ou "O Orfeão Famalicense ao Longo de Três Gerações", focando neste último texto a República no seu início em Famalicão, não só num contexto político, como igualmente cultural. O texto que aqui reproduzo, para além de ser um texto de memórias, é um texto interessante, na medida em que salienta a problemática de Riba de Ave a Concelho (1914), entretanto resolvida, e, por outro lado, da visita a Famalicão, ao seu centro nevrálgico, por Bernardino Machado, para além de outras curiosidades. Indiscutivemente que dedico ao Dr. Manuel Sá Marques, com o meu abraço fraterno de amizade, estas linhas memoriais famalicenses, tendo como pano de fundo o seu avô Bernardino Machado. E, como eu, gostava das «paciências»!  A visita mencionada refere-se a 1916. Reproduzo igualmente a notícia que então foi publicada no jornal famalicense "Estrela do Minho".

 


Ego Sum [José Casimiro da Silva] - "À Esquina do Mesquita". In Estrela da Manhã. V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 105 (8 Abr. 1962), pp. 1, 5.


"Conheci o Dr. Bernardino Machado, era eu ainda menino de calção, quando aquele que viria a ser o supremo magistrado da Nação, como herdeiro universal de seu «mano» - o 2.º Barão de Joane - se veio instalar na Quinta de Rorigo, onde eu já era certo ao fim das tardes, logo que a Sr.ª D. Madalena Feio, no rés-do-chão da casa da D. Ermelinda, dava a aula por terminada. / Sobrinho da «governanta» e beneficiando da simpatia do Barão de Joane que me escondia sob a sua capa negra forrada a veludo de seda, era ali que eu fazia o meu recreio a brincar com os três enorme alãos e a conversar com a arara e o papagaio."


José Casimiro da Silva


"Pois numa tarde, chegou a Rorigo com sua esposa - a gentilíssima senhora D. Elzira Dantas Machado - as filhas e os filhos Domingos, Inácio, Narciso e Bento, os três últimos dos quais viriam a ser os meus grandes companheiros, o Dr. Bernardino Machado Luís Machado Guimarães. / A sua testa alta, os seus olhos vivíssimos e sempre sorridentes, o lábio superior coberto por aquele bigode farto e retorcido que se juntava depois à pera que se lhe cobria a parte inferior do queixo e que tanta distinção dava à sua figura insinuante; falibilidade do seu trato, onde as palavras pareciam ter a doçura do mel; o modo delicado como repreendia as nossas «irreverências» infantis; a paciência com que nos aturava e esclarecia e o ambiente de harmonia e de tranquilidade, onde as palavras tinham todas o mesmo delicado grau de intensidade, tudo isto me surgiu à memória..."




A Rua Adriano Pinto Basto, focada no texto que se transcreve, e podemos imaginar Bernardino Machado a passear por ela, com Afonso Costa, Urbano Rodrigues e Sousa Fernandes


"Foi durante o exílio [2.º 1927-1940] que mais privei com o Dr. Bernardino Machado e tive ensejo de admirar o seu espantoso poder de memória, o seu afecto pela família e o seu entranhado amor à Pátria! / Manuel Pinto de Sousa e eu, eramos os seus procuradores na região. / Visitei-o algumas vezes em La Guardia, no Hotel del Tecla, e em Vigo, no Hotel Central. / De uma dessas vezes uma dezena de casais famalicenses foi cumprimentá-lo, aproveitando o ensejo de uma excursão a Vigo: António Carvalho de Faria, Alcino Freitas, Costa Matos, Manuel José da Costa Moreira, Silvino Lima, Rogério Lemos, José Casimiro da Silva, Bráulio Freitas e Francisco da Silva Melo e individualmente João Valongo, Joaquim Mesquita e suas irmãs. / Recebeu com enorme alegria aqueles casais famalicenses que fizeram votos pelo seu próximo regresso. / Falou saudosamente da Pátria e terminou assim: / «Só o povo tem força para me arrancar deste exílio. Só ele é soberano, só ele manda. Quando ele quiser - quando vós quiserdes - eu regressarei à Pátria que de cada vez e à medida que estes longos dias decorrem, estremeço mais!...» / E estremecia!"



Casa de Rorigo, Calendário, Vila Nova de Famalicão

"Acompanhado por Afonso Costa a quem cicerenou pelas ruas desta vila, coadjuvado por Sousa Fernandes, Bernardino Machado, descendo a Rua Adriano, onde quer estava parado, quer para retribuir um cumprimento gentil, quer para ele próprio se dirigir às pessoas que conhecia, com aquela sua cortesia característica e «bomardeá-las» com perguntas de que elas próprias se espantavam: «Olha como o Senhor Presidente se recorda de meu pai!» / «Olha como ele não se rebaixa a falar p`ra gente!» / Afonso Costa, em frente ao muro do falecido Daniel Santos, que no ângulo da antiga Rua Municipal estava parado a fixar determinado objecto e ria com Sousa Fernandes e com o jornalista Urbano Rodrigues, director de O Mundo, quando o Dr. Bernardino Machado, terminados os cumprimentos, se aproximou, para esclarecer: / «Essa bota monumental é o ex-líbris de uma família inteiramente devotada ao trabalho, que tem por chefe o meu bom amigo Augusto Pinto." / E como se aparecesse à porta do estabelecimento ali recebeu os cumprimentos dessas duas eminentes figuras da República e uma palmada nas costas da parte de Sousa Fernandes que não desanimava de ver Augusto Pinto a engrossar as fileiras democráticas famalicenses, então em grande crescimento por causa de um triunfo famalicense no Senado da República, a célebre questão da integridade do nosso Concelho, ameaçado de desmembramento!"




A placa colocada na Casa de Rorigo no âmbito do Centenário das Comemorações da Implantação da República, em Vila Nova de Famalicão

"Nesta visita do Dr. Afonso Costa a Famalicão, o Dr. Bernardino Machado levou o seu hóspede e comitiva à Confeitaria Cardoso onde todos apreciaram o fabrico de pão-de-ló e das «paciências» daquele doceiro, que as não havia melhores - dizia o Dr. Bernardino Machado - em parte alguma! / A casa do Eduardo Cardoso, já pelo fabrico das suas saborosas «paciências», já pela amizade e apreço que tinha pelos donos, era ponto de passagem obrigatória para o Dr. Bernardino Machado."




Sousa Fernandes, o republicano famalicense histórico, senador e deputado às constituintes de 1911, o 1.º Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, a qual tomnou posse em 8 de Outubro de 1910, que acompanhou Bernardino Machado e Afonso Costa, entre outros, no célebre passeio famalicense de 1916

·         “Presidente da República”. In Estrela do Minho. Ano 22, n.º 1093 (17 Set. 1916), p. 1.
Famalicão recebeu terça-feira, às 15 e meia horas, a honrosa e agradável surpresa da visita do ilustre Chefe do Estado, que vinha acompanhado pelo grande estadista sr. dr. Afonso Costa, presidente interino do ministério e ministro das Finanças, e do sr. dr. Augusto Soares, que tão brilhantemente tem desempenhado as funções de ministro dos Estrangeiros, do sr. dr. Germano Martins, ilustre deputado e director-geral do ministério da justiça, secretário-geral da presidência e dr. Tudela, secretário do sr. ministro das Finanças. / O Excelentíssimo presidente da República dispensando todas as horas inerentes ao seu alto cargo, veio inesperadamente visitar sua esposa, que está a descansar algum tempo na sua casa de Rorigo. / No dia da sua chegada, o chefe do Estado, conterrâneo ilustríssimo de que Famalicão muito se orgulha, depois de chegar a Rorigo, deu um passeio pela vila, com os seus companheiros de viagem, recolhendo pouco depois à sua residência, onde fez servir uma ligeira refeição aos seus hóspedes, para o que convidou mais algumas pessoas daqui, entre as quais estavam os srs. Álvaro de Castelões, Veiga e Cunha e quem estas linhas escreve. / Em seguida retiraram em comboio especial os srs. ministros das Finanças e Estrangeiros, acompanhados dos seus secretários e do sr. dr. Germano Martins. / Durante o resto do dia recebeu o Sr. Dr. Bernardino Machado várias visitas de pessoas da nossa terra e de Braga. / Quarta-Feira partiu o ilustre Senhor Presidente para Paredes de Coura, de onde regressou no dia seguinte, indo a Azurara visitar uma velha senhora, que é tia de sua Esposa. / Sexta-feira foi de manhã cedo ao Gerêz, de automóvel, onde foi visitar o sr. dr. António José de Almeida, presidente do governo, regressando a Rorigo, cerca das doze horas. / Às dezasseis horas dirigiu-se sua Excelência para a estação do caminho-de-ferro, acompanhado pelo sr. ministro da Marinha, Azevedo Coutinho, que tinha chegado algumas horas antes a fim de acompanhá-lo em nome do governo até Lisboa. / Na gare da estação era o Senhor Presidente da República aguardado por grande número de pessoas gradas da nossa terra, representantes das autoridades, corporações locais e por um piquete de bombeiros municipais, com a sua bandeira. / Quiseram assim os famalicenses cumprir o grato dever de prestar a sua homenagem ao conterrâneo eminente que é também o primeiro magistrado da nação portuguesa. / À partida do comboio, após os cumprimentos do estilo, foram dados muitos vivas à República, ao senhor presidente da República, ao exército e à Marinha com um viva a Famalicão. / E assim terminou a visita do Senhor Dr. Bernardino Machado à nossa terra, a qual só gratas e honrosas recordações nos deixou.

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