segunda-feira, 29 de abril de 2013

Bernardino Machado e a Imprensa Famalicense

 
Directório do Partido Republicano Português (1906-1909): António Luís Gomes, Bernardino Machado, Celestino de Almeida, António José de Almeida e Afonso Costa (Foto: Museu Bernardino Machado).
 
Este será um trabalho que irá ser publicado brevemente no futuro "Roteiro Republicano de V. N. de Famalicão". O trabalho, que terá o título "Bernardino Machado e a Imprensa Famalicense" abarcará as datas de 1906 até 1926, terminando com um texto de Bernardino Machado publicado no jornal portuense "O Primeiro de Janeiro", e transcrito no jornal famalicense "Estrela do Minho", a propósito da revolta militar, aclarando ainda a sua esperança para a normalidade constitucional. Fica aqui apenas um aperitivo, o ano de 1906,  para o Dr. Manuel Sá Marques, com o meu abraço fraternal de amizade já saudosa, mas sempre presente. Haverá mais surpresas.
 
·         “Dr. Bernardino Machado”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 12, n.º 581 (30 Set. 1906), p. 2.
Na eleição de deputados obteve em Lourenço Marques cerca de 200 votos de maioria, o sr. dr. Bernardino Machado. / Se não fosse a votação preta de fora da cidade, teríamos o facto novo de ir ao parlamento, pelas colónias, um deputado republicano, o que vem demonstrar-nos que o desgosto e o protesto pelos erros da governação pública sente-se mais fundo do que aos nossos dirigentes se afigura.
·         “Os Homens da Republica”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 3, n.º 138 (8 Nov. 1906), p. 6.
No empenho de mais vulgarizar entre o povo o conhecimento dos nossos correligionários em evidência por seus méritos e serviços, servir-nos-emos da gravura para dar em cada número deste jornal um retrato desses nossos homens ilustres. / Começamos hoje pelo Dr. Bernardino Machado, a quem em um jornal republicano de Famalicão, cabe por justos títulos o primeiro lugar. A seguir daremos o retrato dos outros membros do directório, e depois aparecerão gradualmente os outros vultos do nosso partido.
·         “Comicios Republicanos”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 3, n.º 143 (13 Dez. 1906), p. 2.
Além do comício que Domingo se deverá efectuar em Lisboa, acaba de resolver o Directório que nesse mesmo dia, com carácter distrital, se celebrem idênticas assembleias populares em todas as capitais de distrito do continente. Ao comício de Braga presidirá o sr. dr. Bernardino Machado ou o sr. dr. Eduardo de Abreu.
 
 
 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Repensar a História e Abril por Famalicão


No âmbito das comemorações do 39.º Aniversário do 25 de Abril de 1974, decorreu no auditório do Centro de Estudos Camilianos, em S. Miguel de Seide, mais uma actividade das mesmas comemorações que estão a decorrer um pouco por todo o concelho de V. N. de Famalicão. Perante a exibição do documentário "Abril na Boca do Povo" (organizado pelo município famalicense) e a mesa-redonda com as intervenções de Paulo Cunha, Artur Sá da Costa, Joaquim Loureiro e Lopes Cordeiro, a mensagem que ficou, e salientada pelo Vereador da Cultura do Município famalicense, é que dos dois "D" de Abril, "desenvolvimento" e "Democracia", tais "D" estão nas nossas mãos para serem construídos todos os dias. De facto, uma construção diária para não abrirmos mão a um risco, e perante algumas sugestões, mais assustador ainda da geração mais nova, em alguns testemunhos do documentário referido, de que algo estranho se está a passar na sociedade portuguesa, que pode alterar o rumo da Democracia, e isto não pode acontecer (fazendo-me lembrar um pouco a I República, com uma nova geração que abriu caminho ao Estado Novo) Construamos, pois, Abril todos os dias para uma sociedade mais justa, humana e solidária. Como não podia deixar de ser, ainda antes de ir até Seide, ainda passei pela Bertrand e comprei o livro "Para Que Serve a História", de Diogo Ramada Curto e logo na introdução lemos o seguinte: "Este pequeno livro foi escrito contra os que pensam que a utilidade da história está nas lições que podem ser retiradas do passado. É que nem o passado pode dar lições, nem este existe dissociado das questões que lhe colocamos situados no nosso próprio tempo." Fica aqui o aperitivo, para a história nos libertar do passado e para repensar os caminhos da história.


Artur Sá da Costa (Coordenador da Rede Municipal de Museus), Paulo Cunha (Vereador da Cultura e Vice-Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão), Joaquim Loureiro (Advogado) e José Manuel Lopes Cordeiro (Coordenador Científico do Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave)


As "Contratadeiras", com o grupo "Glauco", que cantaram José Afonso nos jardins do Centro de Estudos Camilianos


Abril Sempre



Abril de Abril
 
Era um Abril de amigo  Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Manuel Alegre

terça-feira, 23 de abril de 2013

República em V. N. de Famalicão

 
 
Entre finais de 1924, na organização de mais uma Comissão Municipal do Partido Democrático, ano em que se assiste a um desencanto das hostes democrático-republicanas de V. N. de Famalicão, o ano de 1912 (a fase da hegemonia), os anos de 1905 a 1907 (um tempo de reorganização partidária) e os anos de 1895 a 1897 (de intensa propaganda), um longo caminho percorreram os republicanos famalicenses até à sua consolidação, entre cisões e conflitos, esperanças e desalentos.

 
Se, num primeiro momento, com o jornal “A Egualdade” (1885), uma aventura republicana, transitando os seus fundadores para o Partido Progressista e para o Partido Regenerador, a “Nova Alvorada” (1891-1903), encarnando o espírito comemorativo dos republicanos nacionais, “O Porvir” (1895-1897, 1906-1907 e 1910-1913), ambos os periódicos fundados por Sousa Fernandes, o último o órgão da comissão municipal dos republicanos famalicenses, as homenagens africanistas a Mouzinho de Albuquerque em 1896 e em 1898, a propósito da sua viagem a Braga, e a homenagem a José Falcão (1896), a qual partiu de Gonçalves Cerejeira, publicando sob uma subscrição pública “A Cartilha do Povo”, a participação no Centro Republicano de Estudos Sociais (1896), o apoio a Álvaro de Castelões em 1897 (candidato a deputado pelo Partido Progressista), a reorganização entre 1905 a 1907, a inauguração do Centro Republicano Dr. Bernardino Machado (1909), e, num segundo momento, agora no poder, quais missionários porque crentes para a regeneração da sociedade portuguesa no antes e no após a implantação da República em Portugal em 1910, o ano de 1912 marca precisamente, até 1917, a fase hegemónica dos republicanos-democratas famalicenses, com a assembleia-geral realizada no Hotel do Carmo, apesar das tentativas couceiristas e, mais tarde, monarquistas, as primeiras cisões do Partido Republicano em 1911 com incidência em V. N. de Famalicão, existindo a tentativa de organização da União Nacional Republicana, da Comissão Municipal do Partido Republicano Evolucionista (1912) e do Partido Unionista (1913), os democráticos perdem as eleições em 1917, frente a uma “Lista Conservadora, Lista de Competências”, com conservadores, monárquicos e evolucionistas, organizando-se os monárquicos em 1915 o Centro Monárquico de Famalicão, os quais tinham voz teórica em jornais como “Novidades de Famalicão”, “O Famelicense”, a “Desafronta” e “A Paz”, são percursos identitários na construção da comunidade.
 


Por seu turno, e na fase pós-sidonista e da Monarquia do Norte, surge um novo folgo em 1920 com a criação do Centro Republicano do Calendário, fomentando não só conferências como acções de solidariedade social, agrupando agora à sua volta as comemorações não só do 5 de Outubro, como igualmente as do 13 de Fevereiro, num apelo constante à união republicana. V. N. de Famalicão acompanha, uma vez mais, as cisões e as sub-cisões nacionais dos partidos, surgindo a organização das mais variadas comissões municipais pós-sidonistas, a saber, Partido Republicano Conservador (1919), a tentativa da organização da Frente Nacional Patriótica (1920), Partido Republicano Liberal (1920), Partido Republicano Nacionalista (1923) e o Partido Republicano Radical (organização municipal não sem conflitos), são outros momentos do Partido Democrático em V. N. de Famalicão tem de enfrentar.


domingo, 21 de abril de 2013

Ana de Castro Osório: uma mulher paradoxal


O próprio percurso de Ana de Castro Osório é um percurso que levanta algumas questões, algumas dúvidas e, portanto, as pessoas que são mais republicanas não gostam do final, as que são menos republicanas não gostam do princípio, as que são um tanto ou quanto feministas não gostam do papel dela como feminista e tudo isto é uma enorme mescla.
João Esteves
RESUMO
Se o percurso de Ana de Castro Osório levanta algumas questões e muitas dúvidas, entre o republicanismo e o nacionalismo, ela ficará na história como republicana (basta estar representada no quadro de Roque Gameiro, de estar associada à Lei do Divórcio ou à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas), como nacionalista (daí ter o seu busto na Liga dos Combatentes) e, finalmente, ficará na história como escritora de literatura infantil.


O Prof. Norberto Cunha na apresentação do conferencista convidado, o Prof. João Esteves
 
É um prazer estar no Museu Bernardino Machado por duas razões essenciais: por um lado, este Museu tem conseguido funcionar como um polo divulgador dos estudos à volta da I República, sendo esta muito mal conhecida, sabemos muito da I República; e o facto de haver um Museu focado em Bernardino Machado é importante porque apanha a parte da Monarquia, apanha a parte da República, apanha a parte da ditadura militar e apanha a parte do salazarismo. Por outro lado, obrigou-me a repensar Ana de Castro Osório, a qual não é uma mulher fácil, porque complexa, , tão complexa que aparentemente não há nenhum estudo completo sobre ela. Ana de Castro Osório foi uma mulher conhecida e reconhecida na sua época. Não houve mais nenhuma mulher que tivesse tido a projecção que ela teve durante quarenta anos.
Nasce em Mangualde, vai para Setúbal em 1895 e até 1905, vai ser sempre conhecida e vai marcar de forma diferente quatro regimes: a monarquia, a república, a ditadura militar e o salazarismo; e teve sempre uma grande preocupação: deixar marcas para o futuro. Ou seja, ela impôs-se, e impôs-se de uma forma espantosa, sendo talvez a mulher portuguesa que se correspondeu com políticos, militares, diplomatas, intelectuais e escritores; e algumas cartas-chave de Ana de Castro Osório estão aqui, neste Museu. A correspondência desta mulher é uma correspondência avassaladora, com figuras totalmente diferentes, com figuras que vêm de vários quadrantes políticos e ideológicos e escrevia constantemente: nos jornais diários, locais, regionais, escreveu em jornais de edição nacional e assinou artigos, muitos artigos de primeira página, essencialmente políticos, com imensos artigos e editoriais em jornais como “A Vanguarda” ou a “República”, em que transmite as suas opiniões, quer no tempo da monarquia, quer no tempo da república, quer depois no salazarismo. Quando Ana de Castro Osório morreu em 1935 ela não é propriamente uma figura em que se tenha grande empatia; e o que é espantoso, no funeral dela, quem estava lá, nomeadamente Aquilino Ribeiro, Bernardino Machado, filho, Hernâni Cidade, Joaquim Manso, João de Baroos, António Sérgio, José Rodrigues Miguéis, Manuel Mendes, Fernando Pessoa, ou seja, só para dizer, para além de um conjunto de mulheres, que são personalidades marcantes nos anos 30, e depois estão no funeral os militares e estão os homens da ditadura militar, e os homens da governação salazarista. Isto é, esta mulher conhecida pelo seu republicanismo, efectuando depois um percurso que é algo complicado, consegue juntar no mesmo espaço, o seu funeral, monárquicos, republicanos, salazaristas e, claramente, os defensores da ditadura militar, o que não deixa de ser muito curioso, provando até que ponto ela soube estabelecer relações com tanta gente diferente. O que convém estarmos atentos é ao percurso de Ana de Castro Osório, que qual queria e pretendia ser reconhecida e fez tudo para isso: achava que tinha talento para ser reconhecida.


O Prof. João Esteves num dos seus momentos da conferência sobre Ana de Castro Osório
Em Setúbal começa por se dedicar à literatura, onde tem um salão literário, convivendo com monárquicas, e torna-se conhecida por promover a homenagem nacional a Almeida Garrett, tendo sido ela a principal responsável, juntamente com o marido, pela trasladação dos restos mortais de Garrett para o Panteão; depois, passa para a literatura infantil e depois da literatura infantil passa para o feminismo e onde numa carta a Bernardino Machado de 1904 manifesta a intenção de formar ou de fundar um partido feminista; depois torna-se maçónica, é iniciada na maçonaria, e foi sempre anti-pacifista, nunca se dando com as pacifistas, como é o caso com Alice Pestana, esta convidando-a para umc argo da direcção da Liga Portuguesa da Paz, que recusou; depois torna-se, ainda antes da República, numa republicana tão conceituada que é escolhida por Bernardino Machado, António José de Almeida e Magalhães Lima para fundar a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908) e vai falar no Congresso de Setúbal (1909), tendo sido a primeira mulher a ir a um congresso republicano e, finalmente, vai participar na reunião do directório em 30 de Janeiro de 1910, a qual é uma reunião conspirativa. Na República, participando na feitura da Lei do Divórcio com Afonso Costa, é uma figura que tem acesso a todos os governantes republicanos. Só que entretanto, nos anos dez, muita coisa muda. Torna-se numa defensora de Portugal na guerra e tem o grande sonho de organizar uma grande organização de mulheres de apoio à entrada de Portugal na Guerra, que é a Cruzada das Mulheres Portuguesas; mas ela, como não é uma figura consensual, só o pôde fazer através da mulher de Bernardino Machado, Elzira Dantas Machado, e depois o que é espantoso é que acabada a guerra, é proposta para ser condecorada pela República e, contudo, recusa, porque já está de costas voltadas para a mesma República que a pretende condecorar; e nos anos 20 vai tornar-se numa acérrima defensora do nacionalismo, de um nacionalismo autoritário (os filhos serão presos em 1922 por se terem revoltado contra a I República e ela própria é defensora deles), defendendo ela própria uma República autoritária, sem parlamento e baseada no presidencialismo, dedicando-se, depois, a partir da década de vinte, à produção literária, tentando reconstruir uma imagem, pretendendo deixar cair a parte política, ficando mais pela literária, que é claramente a parte mais fraca dela, tentando, desesperadamente, uma aliança com o Brasil, já que nele sonhava ser reconhecida, um sonho que nunca conseguiu, em Portugal e no Brasil, sendo o projecto luso-brasileiro no campo literário editorial mútuo.
Ana de Castro Osório era ou não republicana? Era e não era, ou seja, ela era claramente republicana ma medida em que quando faz “Aguarelas” (1911), livro que retrata as figuras republicanas, estão lá 160 homens e está lá ela própria retratada. É um quadro emblemático da República,e stão lá as figuras e todos os dirigentes conhecidos republicanos e uma mulher: ela tinha peso suficiente para aparecer no quadro; e ela era republicana porque achava que a República dava, ou daria, melhores condições às mulheres e achava que a República a reconhecia mais do que a Monarquia, esperando que a República lhe atribuísse algum papel dominante, havendo, depois, um afastamento; e foi avisando, ainda antes da República, que esta poderia fazer a mesma coisa que a Revolução Francesa: que apoiasse as mulheres. Muitas delas, incluindo Ana de Castro Osório, tinham presença em jornais com artigos de carácter político, não de contos, histórias ou de artigos moralistas; e esta mulher, que tem um papel importante até 5 de Outubro, depois o seu republicanismo vai transformando-se em nacionalismo, é uma mulher nacionalista, pretendendo transmitir ou incutir nas crianças três valores: o nacionalismo, a pátria e as mulheres enquanto educadoras dos futuros cidadãos republicanos. A certa altura vai desviando-se da República, apesar de ter participado na Cruzada das Mulheres Portuguesas, valorizando a sua dimensão nacional, sendo ela não a sua principal figura, situação que ela pretendia (entra para a Cruzada em 1916 e na qual vai ficar até 1933), sendo, contudo, o único sítio que tem o seu busto é a Liga dos Combatentes; e ao desligar-se do republicanismo, desliga-se do feminismo, fica apenas ligada à Cruzada, que tem uma conotação de apoio à I Guerra Mundial, aos militares, e fica lá até ao fim, quando a Liga dos Combatentes era suportada por homens militares da ditadura militar do salazarismo. É muito curioso que a grande obra que ela nunca deixa, que é a Cruzada, e sendo a mulher de Bernardino Machado perseguida com o sidonismo e a Cruzada muito perseguida, de certa forma Ana de Castro Osório saiu ilesa, mesmo quando muitas outras saíram, ela fica. Aliás, Ana de Castro Osório sempre teve um sonho, o sonho de dirigir uma associação que fosse nacional, controlada por ela e reconhecida pela governação e pelos governantes. Não deixa de ser acusada, em 1922, de estar contra o parlamento, de defender o regime presidencialista, de estar afecta ao movimento nacionalista, e de facto, isto é que é estranho, de voltar-se contra a República. Nos anos 20 não aparece em nada a favor da República, das feministas, dedicando-se apenas à literatura; e depois, o que é inglório, esta mulher que recusa ser condecorada pelos serviços prestados à Patria em 1919, vai aceitar ser condecorada pela ditadura militar com a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial, pelos esforços desenvolvidos em prol da silvicultura e das indústrias caseiras genuinamente nacionais, nas rendas e nas tapeçarias! Isto não deixa de ser uma humilhação que, ela, aliás, recebeu com muito gosto!; mas, se repararmos, uma mulher que fez tanta coisa, que conspirou com os republicanos, é uma das batalhadoras pela Lei do Divórcio e depois é condecorada de forma ridícula!


Ana de Castro Osório tem a parte pedagógica que é extremamente importante, assentando em dois pilares: na literatura para crianças e nos manuais escolares, os quais são mais livros de leitura para a 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª classe. Sendo profundamente narcisista na correspondência, achava que o que escrevia era de qualidade e achava que as crianças do ensino primário deviam ter acesso aos livros dela, porque são aqueles que melhor formam os futuros cidadãos., já que faziam a defesa da história pátria e de valores, na altura, republicanos; e na literatura infantil, não deixa de ser espantoso, ela é considerada a principal responsável e divulgadora da literatura infantil, lançando em 1897 a “Colecção para as Crianças”, a qual teve um enorme sucesso, indo buscar vas suas história ao património oral português, alguns originais seus, fez traduções dos principais autores estrangeiros e foi buscar um conjunto de vários de ilustradores, nomeadamente Leal da Câmara, conseguindo criar uma rede única em torno dela (nem mesmo Maria Lamas conseguiu criar uma rede como Ana de Castro Osório criou!) São livros acessíveis, com uma linguagem muito simples, com muitos diálogos, valores de natureza e da Pátria, com uma enorme preocupação do aspecto gráfico e com um conteúdo altamente moral. Cria paralelamente o “Jornal dos Pequeninos”, no qual realiza a publicidade dos seus livros. Esta parte pedagógica é essencial. E depois o que é que ela tenta? Que as escolas do ensino primário adquiram os seus livros; e os seus livros de leitura tenta que a Monarquia os adopte nas escolas, não os aceitando: segundo o conselho pedagógico da época eram livros maus traduzidos, denotando-se que ela era fortemente influenciada pela literatura estrangeira, tornando-se então republicana pelo facto da Monarquia não lhe ter aberto as portas às suas publicações. Fazia não só as suas versões para Portugal, como igualmente para o Brasil. Aliás, o facto de ela ser extremamente ambiciosa, não é propriamente um facto negativo. O Brasil, aliás, nunca lhe abriu as portas, apesar de lá ter ido algumas vezes, e fazendo conferências. E depois tinha uma enorme preocupação para estes livros: formar as crianças em valores diferentes: natureza, cidadania e morais (defendendo claramente o laicismo, não se afectando com a religião, e defendendo até 1903 a razão, a ciência, defendendo a escola laica).


Contudo, a República não lhe dá nada: Ana de Castro Osório que tinha lutado no plano político e no plano das ideias, construiu manuais em defesa da história Pátria, a República não lhe deu saída. Em 1916 foi sub-isnpectora do trabalho, fiscalizando o trabalho feminino, só que o mundo de Ana de Castro Osório não tinha nada a ver com o mundo operário; e as feministas achavam que ela era uma burguesa, que não tinha nada que ver com os problemas das operárias. Não foi reconhecida pela Monarquia como escritora, a República não lhe deu a saída que ela esperava, embora os livros para crianças tivessem sido vendidos dezenas de milhares de exemplares, tendo sido a escritora mais divulgada, vai-se tornando numa mulher claramente diferente, dedicando-se à literatura; e o que é espantoso aqui é que ela vai fazer livros contra o divórcio! Uma mulher como Ana de Castro Osório que defendeu a independência económica da mulher através do trabalho, que esteve na feitura da Lei do Divórcio, agora já diz, nos anos vinte, que a mulher burguesa deve fazer um bom casamento e só as outras, as operárias, é que devem trabalhar para ajudar na casa; a mulher burguesa deve aguentar o casamento, apoiar o marido e ter filhos, e fazer destes bons cidadãos, educa-los nos valores pátrios, e deve, igualmente, contribuir para a pureza da raça, não podendo a mulher burguesa casar com qualquer um! Quando está a escrever estes livros, não se deu conta, ou se calhar até deu, que defendia algo que tinha combatido e, contudo, o facto é que acabou por pensá-lo, tendo tudo isto a ver com a questão do seu reconhecimento. Defensora do divórcio, agora acha que a mulher, mesmo tendo dúvidas, não se deve divorciar, mesmo que o marido tenha outras!
Mas são estas contrariedades que dão a Ana de Castro Osório uma certa riqueza: é daquelas personagens que não se consegue colocar aqui ou acolá, ficando sempre na história como republicana (basta estar no quadro de Roque Gameiro, basta estar associada à Lei do Divórcio ou à Liga Republicana) mas também fica na história como uma nacionalista (daí ter o seu busto na Liga dos Combatentes), e fica também, apesar de não se lhe dar grande importância, como escritora de literatura infantil.

sábado, 13 de abril de 2013

Da Gulbenkian aos Bibliomóveis: a Gulbenkian em Famalicão

 
Para o camarada Hilário
 
No âmbito das Comemorações do Centenário da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, no próximo dia 24 de Abril, esta mesma instituição, quase, quase, quase centenária, vai promover o "Encontro das Bibliotecas Itinerantes" e a Conferência "Da Gulbenkian aos Bibliomóveis". Para mais informação http://www.bibliotecacamilocastelobranco.org/
 
Antiga sede dos Bombeiros Voluntários de Famalicão, na Rua Adriano Pinto Basto, mesmo em frente ao Museu Bernardino Machado, propriedade da Câmara Municipal desde os finais dos anos 50, na qual se inaugurou em 1966 a 114.ª Biblioteca-Fixa da Gulbenkian
BIBLIOTECA MÓVEL DA GULBENKIAN – Papel relevante para os bibliotecários irmãos António e Raúl Sampaio, os quais abriram nos anos 60 e 70 a Biblioteca a todos aqueles que procuravam informar-se e instruir-se. Muitos dos livros do “índex” da censura ali (na então Vila e nas freguesias do Concelho) se podiam obter, graças ao seu empenho e sensibilidade. Foi a seu modo uma verdadeira escola para várias gerações. Era ao antigo Campo da Feira, hoje Praça D. Maria II, que muitos de nós ocorria, quinzenalmente, para aí se abastecer, neste caso, de livros, muitos dos quais, nem na Biblioteca Municipal, nem nas próprias livrarias, conseguíamos obter. Refira-se que só em 1966 se instalou em Famalicão a Biblioteca Fixa da Gulbenkian. (itálico meu).
                                                          Artur Sá da Costa
BIBLIOTECA ITINERANTE n.º 8
Desta Biblioteca Itinerante n.º 8 sabemos que foi inaugurada no início de 1959, cessando a sua actividade em 1983. O abastecimento dos fundos bibliográficos era realizado a partir da sede, dos serviços de leitura da Fundação Calouste Gulbenkian, que centralizava as aquisições para todas as unidades da sua rede. Aliás, não só sabemos quem era o seu responsável, como igualmente se conhece o seu percurso pelo concelho e o seu respectivo horário, vindo a solucionar o problema da leitura domiciliária que a BMCCB não conseguia resolver durante décadas seguidas:
Deu-nos há dias o prazer da sua visita-gentileza que muito nos sensibilizou e agradecemos, o sr. Mário Norton, director da Biblioteca itinerante n.º, da Fundação Gulbenkian, que vem criando muito simpaticamente, o gosto pela leitura, cedendo livros da sua escolhida biblioteca. / Segundo nos informa o sr. Mário Norton, a Fundação Gulbenkian escolheu a nossa terra para aqui fixar a sede daquela biblioteca. / Coube esta honra à nossa terra pelo grande número de leitores, o que prova o gosto pela leitura. / Realmente, Famalicão carecia duma biblioteca digna desse nome, e a iniciativa da Fundação Gulbenkian solucionando este problema, só merece, da nossa parte, todos os louvores. Oxalá, pois, que os famalicenses saibam continuar a corresponder[1].
Ao mesmo tempo, por uma outra notícia, sabemos que esta Biblioteca Itinerante n.º 8 “tem sido bem acolhida com grande simpatia pelo público leitor.[2]” Se esta Biblioteca teve o seu sucesso, permanecendo em V. N. de Famalicão mais de vinte anos, a par da inauguração da Fixa, em 1966, esta durando até 1990, outro tanto não sucedeu com a denominada “Biblioteca Ambulante da Cultura Popular” do Estado Novo, a qual esteve em Famalicão em 1946[3]. Qual a justificação para o sucesso das Bibliotecas Itinerantes, e mais tarde das Fixas, da Fundação Calouste Gulbenkian? Deste serviço, dirigido por Branquinho da Fonseca desde a sua criação (1957-1974), e nomeadamente do seu projecto de leitura, cito Daniel Melo:
O projecto bibliotecário proposto incorporava os princípios básicos da leitura pública moderna (o serviço gratuito para todos, o empréstimo domiciliário e o livre acesso às estantes) e aditava a definir no essencial o serviço bibliotecário do SBI: a tripla finalidade educativa, cultural e recreativa (embora esta última como cedência face à filosofia de um serviço formativo e reflexivo); a aposta numa biblioteca generalista, ou de «cultura geral» (embora atenta a eventuais necessidades particulares mais instantes de cada comunidade, sobretudo escolares); a prescrição de um único depósito e centralizado (apesar das hesitações patentes nas referências a «depósitos regionais»); a ênfase na procura do leitor, donde a generalização da oferta (daí a atenção à itinerância); a preocupação com a satisfação do leitor, exigindo um conhecimento e um atendimento mais cuidadoso (note-se o contraste com a atitude tradicional do bibliotecário português); a salvaguarda da pluralidade da oferta, segundo três segmentos etários distintos (infância, adolescência e maturidade) e prevendo um núcleo básico disciplinar variado, assente na combinação de conteúdos humanistas, artísticos e aplicados (secções de História, Literatura, Belas-Artes, Educação, Biografias, Ciências, Agricultura, Artes e Ofícios); a selecção livresca por um grupo definido vagamente («pessoas cultas e de perfeita idoneidade moral»); a prescrição de uma secção de livros denominada «Biblioteca do Estudante» (para empréstimo de «livros complementares de estudo»); a defesa implícita de uma via de colaboração com o poder municipal na dinamização das bibliotecas itinerantes da FCG e a existência de um serviço de inspecção centralizado. Quanto à modalidade itinerante em concreto, refira-se ainda o período relativamente dilatado de empréstimo livreiro, regularidade e predeterminação do horário e local das visitas e a possibilidade de solicitar livros não presentes no acervo.  
Neste âmbito, vejamos o itinerário, assim como o seu respectivo horário, da Biblioteca Itinerante nº8 pelo concelho de V. N. de Famalicão (que Daniel Melo não assinala, assim como a Biblioteca Fixa, a qual foi instalada num edifício da Câmara Municipal), segundo o “Estrela do Minho” de 12 de Abril de 1959, abrangendo Santo Tirso e Trofa, assim como algumas freguesias do concelho de Guimarães, limítrofes a V. N. de Famalicão.
Horário das visitas e itinerários durante os meses de Abril, Maio e Junho
Famalicão – Todas as Quinta-Feiras cerca das 16 horas.
Santo Tirso – Todas as Sextas-Feiras cerca das 16 horas.
Trofa – Visitas quinzenais a 7 e 21 de Abril, 5 e 19 de maio e 3, 10 e 30 de Junho cerca das 17h30.
Ribeirão – Visitas quinzenais a 15 e 29 de Abril, 5 e 19 de Maio e 3, 10 e 30 de Junho cerca das 17h30.
Riba d`Ave – Visita mensal a 6 de Maio cerca das 16 horas.
Lemenhe e Louro – Visitas mensais a 11 de Abril, 9 de Maio e 6 de Junho cerca das 17 horas em Lemenhe e 18 horas no Louro.
Avidos e Landim – Visitas mensais a 18 de Abril, 16 de Maio e 13 de Junho cerca das 16 horas em Avidos e 17 horas em Landim.
Seide e Lousado – Visitas mensais a 25 de Abril, 23 de Maio e 20 de Junho cerca das 14 horas em Seide e 16 horas em Lousado.
S. Tiago da Cruz, Arnoso e Celeirós – Visitas mensais a 29 de Junho e 26 de Maio e 23 de Junho cerca das 15 horas em Arnoso, 16 horas em Celeirós e 17 horas em S. Tiago da Cruz.
Vermoim, Mogege e Requião – Visitas mensais a 22 de Abril, 20 de Maio e 24 de Junho cerca das 15h30 em Vermoim, 16 em Mogege e 17h30 em Requião.
Bairro, Caniços, Vila das Aves e Rebordões – Visitas mensais a 30 de Maio e 27 de Junho cerca das 13 horas em Bairro, 14 em Caniços, 14h30 em Vila das Aves e 16 em Rebordões.
Aos Domingos
A 12 de Abril, 10 de Maio e 7 de Junho:
Carreira – Cerca das 9 horas.
Delães – 10 horas.
Pevidém – 11 horas.
Campelos – 12 horas.
Pousada de Saramagos – 13 horas.
S. Martinho do Vale – 15 horas.
Vale de S. Cosme – 16 horas.
A 19 de Abril, 24 de Maio e 21 de Junho.
Vairão – Cerca das 9h30.
Malta – 10 horas.
Árvore – 11 horas.
Vilarinho – 12 horas.
Azurara – 15 horas.
Retorta – 15h30.
A 26 de Abril, 24 de Maio e 21 de Junho.
Fornelo – Cerca das 9h30.
Guilhabreu – 10h30.
Mindelo – 11 horas.
Modivas – 12h30.
Vila Chã – 14 horas.
Vilar – 15 horas.
Mosteirô – 17 horas.
A 31 de Maio e a 28 de Junho
Telhado – Cerca das 9 horas.
Santa Maria de Airão – 10 horas.
Airão, Santa Maria – 10h30.
Ronfe – 17 horas.
Brito – 12 horas.
Caldas das Taipas – 14h30.
Mais de um ano depois, podemos ler e apreciar, assim como calcular o movimento dos leitores desta Biblioteca Itinerante, através do seguinte aviso, o qual diz respeito aos livros em atraso:
Porque se encontra já largamente excedido o prazo de empréstimo de livros feito a grande número de leitores pr intermédio da sua Biblioteca Itinerante n.º 8, com sede em Vila Nova de Famalicão, o Serviço de Bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian solicita a devolução com a possível urgência, dos exemplares referidos, dado que a observância, por parte daqueles leitores, dos prazos mencionados, redonda afinal em seu próprio benefício e é condição fundamental para o bom funcionamento da Biblioteca e consequente finalidade da elevada missão que a informa[4].



[1] “Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian”. In Jornal de Famalicão. V. N. de Famalicão, Ano 10, n.º 511 (10 Jan. 1959), p. 2.
[2] “Biblioteca «Fundação Calouste Gulbenkian»”. In Notícias de Famalicão.  V. N. de Famalicão, Ano 4, n.º 201 (2 jan. 1959), p. 2.
[3] “Chegou a Famalicão a Biblioteca Ambulante de Cultura Popular que permanecerá ali oito dias”. In Correio do Minho. Braga, Ano 21, n.º 6275 (29 Dez. 1946), p. 1.
Secretariado nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo. A Biblioteca estaciona no Campo Mouzinho, junto à esquina, estando aberta todos os dias das 10 às 13 horas e das 14 às 17 horas, permanecendo nesta Vila até ao dia 5 de Janeiro e partindo depois para Esposende. / Os requisitantes que não possuem Bilhete de Identidade devem apresentar pessoa idónea, uma firma comercial, por exemplo, que os identifique, responsabilizando.se pelo levantamento da obra.
[4] “Biblioteca Itinerante n.º 8. Vila Nova de Famalicão. Empréstimo”. In Estrela da Manhã. V. N. de Famalicão, Ano 1, n.º 47 (26 fev. 1961), p. 2.
 
 
A 114.ª Biblioteca-Fixa da Gulbenkian na Rua Direita, Casa da Cultura, tendo sido inaugurada neste espaço em 1985, estando antes no Parque 1.º de Maio
 


 


 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ana de Castro Osório: política, pedagogia e literatura


A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e o Museu Bernardino Machado convidaram o Professor João Esteves para realizar a conferência “O Ideário Político Pedagógico e Literário de Ana de Castro Osório”, integrada no Ciclo “Pedagogos e Pedagogia em Portugal”. A conferência do Prof. João Esteves encontra-se marcada para o dia 19 de Abril do corrente ano, com início às 21h30, no referido Museu, aguardando as conferências do respectivo Ciclo a acreditação do Centro de Formação Científica para os professores da Disciplina de História, Filosofia e Sociologia.
Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1983) e Mestre em História dos Séculos XIX e XX pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o prof. João Esteves investiga o associativismo político republicano, maçónico e feminista das mulheres portuguesas das primeiras três décadas do século XX, sendo autor de vários livros, artigos, biografias, comunicações e conferências. Publicou em 2008 “A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas: uma organização política e feminista (1909-1919) e “Mulheres e Republicanismo: 1908-1928” e em 1998 “As Origens do Sufragismo Português”. Recebeu por duas vezes o Prémio Mulher Investigação Carolina Michaelis Vasconcelos, respectivamente em 1992 e em 1998. Foi Comissário Científico de duas exposições, nomeadamente “Carolina Beatriz Ângelo – Intersecções dos Sentidos/Palavras, Actos e Imagens”, organizada pelo Museu da Guarda, e da exposição “Percursos, Conquistas e Derrotas das Mulheres na I República” (2010). Prepara um estudo sobre Ana de Castro Osório. No seu blog http://silenciosememorias.blogspot.com, partilha muito da sua investigação histórica do mundo feminino republicano. Recorde-se que esta é a segunda vez que o Prof. João Esteves estará presente no Museu Bernardino Machado, já que em 2011 proferiu a conferência “Cidadãs na I República” e integrada no Ciclo “As Mulheres e a I República”. A entrada é livre e os participantes terão certificado de presença.
Da conferência do Prof. João Esteves em 2011 no Museu Bernardino Machado ver http://culturafamalicão.blogspot.com