quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Faria de Vasconcelos - "Pioneiro da Educação do Futuro"


FARIA DE VASCONCELOS
(1880-1939)

“Pioneiro da Educação do Futuro”

 

“A infância não é conhecida; com as ideias falsas que sobre ela se têm, quanto mais se caminho, descaminho maior. […] Eis o estudo a que mais me apliquei, a fim de que, ainda quando o meu método fosse tão quimérico, todo ele falsidade, se pudesse sem embargo tirar proveito daquilo que eu pude observar na infância. Vi talvez muito mal o que se deve fazer, mas julgo ter visto suficientemente bem o próprio sujeito sobre que cumpre operar. Começai, pois, por estudar melhor os vossos alunos, já que é certíssimo que os não conheceis.”
Rousseau

“Senhores alunos: para ensinar e, sobretudo, para educar […] não basta conhecer bem o que se deve ensinar; é, além disso, de absoluta necessidade, conhecer o sujeito a quem se deve ensinar […]. O ensino não é somente função da matéria a ensinar, é também função indispensável do aluno.”
Faria de Vasconcelos

O título de “Pioneiro da Educação do Futuro” foi atribuído ao distinto pedagogista Faria de Vasconcelos em Julho de 1915 por um dos maiores, senão o maior, dos mentores da Educação Nova, também chamada Educação Activa, e um dos seus militantes, de nome Adolphe Ferrière, amigo de Vasconcelos. Este título glorioso aparece como fecho de abóbada de um texto, que pode ser considerado a síntese das sínteses do quadro das características da Escola Nova. Referimo-nos ao prefácio de “Une École Nouvelle en Bélgique” (1915) em que o director das escolas novas compendia as trinta proposições da Escola Nova ideal. Vejamos a primeira: “Para ser uma Escola Nova, ela tem que ser o laboratório de pedagogia prática.”
Para Adolphe Ferrière a fórmula educação do futuro é sinónimo de educação nova. Apesar de não sabermos o que poderá ser a educação do futuro, não teremos dúvidas de que a educação do futuro tem que ser nova, isto é, tem que ser pensada e processada sobre a categoria do novo. O educador, o pedagogista, o cientista da educação, assemelhar-se-ia, digamos, à sentinela, aquela sentinela de que somos todos, a questionar o que se passa sobre o que há de novo, que novas traz a madrugada do tempo novo e de que modo traz para acolher essa novidade. O debate, aliás, que se poderia trazer para aqui será o de saber se as nossas escolas, o ambiente das nossas escolas terá condições para proceder a uma reflexão para escutar os sinais, para ver esses mesmos sinais, e antecipa-los, do que urge, do que é necessário fazer. A Escola Nova, neste sentido, dedica-se a uma espécie de incubadora pedagógica, um centro de criação para desenvolvimento de projectos inovadores. As escolas novas não são assim para os seus membros modelos para a escola do futuro, pois os modelos são estáticos, mas antes o seu laboratório. As escolas novas eram uma tentativa de descoberta, de emergência do novo, devendo ser esses lugares onde a criatividade e a novidade fosse de facto uma preocupação fundamental.
Mas qual é a identidade da Escola Nova? Antes de pegar no nosso pedagogo e na sua pedagogia, julgamos oportuno apreender o significado dessa ideia da Educação Nova. Para esclarecer este conceito, não vislumbramos melhor caminho do que perguntar a Copérnico ou a Newton ou a Jean Jacques Rousseau  ou a Ferrière. Embora os pedagogos da Educação Nova não tivessem sentido, em geral, a necessidade de encontrar percursores, Claparède, no entanto, na sua obra “L`Éducation Fonctionelle” (1931) reconheceu Rousseau como o patriarca ou o Copérnico da Educação Nova. Também John Dewey considerou Rousseau como o profeta da Educação Nova; também Roger Cousinet, em “L`Invitation Nouvelle” (1960) diz que a Educação Nova remonta a Rouseaau; e tanto partidários como adversários, reconheceram, pois, Rousseau como o pai da Pedagogia Nova.
Duas razões principais se nos afiguram determinantes no reconhecimento de Rousseau como o Copérnico ou como o Newton da Educação Nova. Uma, foi a descoberta roussouniana da autonomia ontológica da criança e do imperativo do seu conhecimento científico. Rousseau descobriu um novo continente: foi a autonomia da criança, isto é, de que a criança não é um homem adulto, na medida em que a criança é um ser original, singular, não confundível com o homem, é uma realidade distinta do adulto; e, portanto, esta descoberta refutava a velha teoria de que a criança era um adulto, um homem em ponto pequeno. O texto de referência para todos os teóricos é o “Emílio”. Ao dizer-nos Rousseau que “a infância não é reconhecida”, a recomendação é a seguinte: pais, professores, educadores, começai por estudar melhor os vossos alunos, os vossos filhos, os vossos educandos, na medida em que “é certíssimo que ois não conheceis”. Ora, esta advertência parece-me, de facto, uma advertência muito importante. A segunda razão para que Rousseau seja considerado o Copérnico da Educação é a descoberta do paradigma perdido, isto é, da natureza da criança. Rousseau tem, assim, deslumbrado esse pensamento novo sobre a criança, como realidade ontológica autónoma, reagindo contra o esquecimento ou o recalcamento da sua natureza, rejeitando tanto o empirismo, como o racionalismo tradicionalmente verificado na sua consideração. A atenção à natureza da criança como ideia reveladora de toda a acção educativa e a observação do seu ritmo natural de desenvolvimento, trouxe a identificação dos estádios de desenvolvimento que a educação nova assumiu como lei fundamental.

II
 
O nosso Faria de Vasconcelos reconhecia o autor do “Emílio” como uma das suas primaciais ou principais fontes de inspiração. Na sua obra “Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental” tem na página de rosto uma referência a Rousseau. A Pedologia associa-se à Educação Nova, significando a ciência natural da criança. Para verificar a influência da actividade pedagógica de Rousseau em Faria de Vasconcelos basta atender à advertência na oração de sapiência inaugural das ciências da educação que Vasconcelos fez aos seus amigos: “Para ensinarmos, sobretudo para educar, não basta conhecer bem o que se deve ensinar. E, além disso, de absoluta necessidade, de ser o sujeito a que se deve ensinar-se.” Para entender o aluno é necessário atender à instância física, sito é, a educação física era a educação fundamental no projecto, do ideário da Educação Nova. Para Faria de Vasconcelos ninguém pode ser pedagogo, se não foi biólogo. O que ele quer dizer com isto é que ninguém será um bom pedagogo se não conhecer a realidade física do aluno.
A trilogia pedagógica da Educação Nova em Faria de Vasconcelos, e é esta trilogia que ele trata na sua “Une École Nouvelle en Bélgique” (1915), sintetiza o que foi a vida e o ensino e a educação nessa sua escola nova na Bélgica (Escola Nova de Bierges-les-Wavre, 1912-1914). Foca também as três instâncias, a saber, educação física, intelectual e moral, numa outra obra que ele escreveu antes de dar início à sua escola nova, em 1912, para anunciar aos belgas o projecto e o ideário dessa mesma escola, num opúsculo com o título “L `École Nouvelle à la Campagne”, resumindo nestas duas obras o sentido da educação integrada. O que aqui existe de interessante é que as três instâncias não são estanques (evidencio aqui Karl Popper e a sua teoria dos três mundos, em que considera que a instância física não é fechada relativamente à instância psíquica e esta relativamente à instância espiritual. O físico actua sobre o psíquico, o psíquico actua sobre o espiritual ou cultural e depois há uma causação ascendente deste com o físico). Faria de Vasconcelos criticava a escola tradicional, fazendo uma avaliação muito negativa, considerando que esta sobrecarregava a mente da criança com conteúdos sem relação com a vida. Verificava que o que a criança aprendia na escola ou esquecia ou aprendia mal.
A instrução era concebida como essencialmente educativa. A escola é para instruir ou para educar? Na Escola Nova, a instrução era concebida como essencialmente educativa. Os pedagogos da Educação Nova não mutilavam, mas formavam o espírito da criança para ensinar a ver, a observar e a julgar criteriosamente e claramente. Faria de Vasconcelos afirmava, relativamente à metodologia da sua Escola Nova, que “pretendemos ensinar o menos possível e fazer encontrar o mais possível”, adaptando o ensino e a educação à evolução natural da criança, actuar com o número reduzido de alunos por escola e por turma, construir classes móveis, classes de acordo com o nível de aprendizagem e não de acordo com a idade, organizar as não formidades pelas capacidades, flexibilizar o tempo atribuído a cada matéria em função das capacidades individuais (caso do número de horas das lições segundo os alunos), adoptar o método activo, prático e naturais capazes de fracturar, de preparar o aluno não apenas para os exames, mas, sobretudo, para a vida, visando assegurar às crianças as melhores e as mais sãs condições de vida para o seu desenvolvimento.
Sobre a prática das classes móveis, a individualização do ensino e da aprendizagem, diz Faria de Vasconcelos que “procuramos, pois, individualizar o mais possível o ensino, de modo que cada aluno tenha o seu programa, o seu horário próprio adaptado às suas aptidões e às suas necessidades intelectuais ou orgânicas.” Relativamente à educação moral na Escola Nova, à heteronomia, à passividade, à matriz transcendente da moralidade, ao seu carácter abstracto e impessoal, a Escola Nova contrapunha o princípio da experiência pessoal e natural da criança, respeitando a sua espontaneidade e individualidade e o seu envolvimento físico e intelectual. Isto também recorda-nos Popper, visto que a ética, a construção ética e moral do indivíduo radica na experiência, radica na experiência do erro, radica na correcção contínua do erro e das faltas, sendo que, corrigindo progressivamente os erros, as faltas, se estrutura a identidade moral do indivíduo.

III

Para avaliarmos a vida, a obra e o pensamento de Faria de Vasconcelos, cidadão do mundo educativo, que os estrangeiros conheceram e exaltaram e cuja herança pedagógica deixou espalhada pela Europa e pela América, sobretudo América do Sul, a vida, a obra e o pensamento daquele que foi um dos maiores, senão a maior das figuras da história das ideias pedagógicas em Portugal, vamos acolher a proposta de Câmara Reys, apresentada na revista “Seara Nova” (n.º 628, de 26 de Agosto de 1939), em que considerou o curriculum vitae, o itinerário existencial, profissional e pedagógico do grande pedagogo, divisível em cinco fases, ordenada segundo a sequência crescente de realização pessoal.
Em primeiro lugar, a sua formação em direito, por tradição intrínseca familiar (os seus pais e avós eram magistrados e juristas). Ainda antes da conclusão da licenciatura em direito, publicou o seu primeiro opúsculo intitulado “O Materialismo Histórico e a Reforma Religiosa do Século XVI” (1900). Nesta obra revela o pensamento de Marx, o pensamento do socialismo científico e conhecia muitíssimo bem a 11.ª tese de Marx sobre Feuerbach: os pensadores, os filósofos, têm-se limitado a interpretar e a explicar o mundo de modo diferente, mas a questão é, porém, transformá-lo. E é curioso que, se a transformação do mundo seria pela política e pela revolução, a via de Faria de Vasconcelos seria a da educação. A educação era uma arma de transformação social, sendo esta também a convicção dos pedagogos da Escola Nova, sendo a educação o factor determinante de transformação da sociedade.
Concluída a formação académica em direito, seria lógtico que seguisse a carreira jurídica. Tornou-se, porém, evidente que a sua formação académica não conduzia com a sua vocação pedagógica. Só o reconhecimento ou a convicção de que o segredo está na educação, pode explicar a decisão de ir buscar competências e especialização desta área, matriculando-se, em 1902, no mais avançado e prestigiado centro de investigação e de aplicação neste domínio, a Universidade Nova de Bruxelas, obtendo em 9 de Janeiro de 1903 nas disciplinas sociológicas que frequentou a “distinção não atribuída” dos último dez anos a qualquer candidato nacional ou estrangeiro. Durante o curso que realiza, publica em 1902 o opúsculo “O Pessimismo: semiologia e terapêutica”. Sem discordar dos benefícios da ciência e da técnica para a terapia do fenómeno pessimista, Faria de Vasconcelos julga que a solução é essencialmente de ordem moral: “Eduquem-se e instruam-se as multidões”, diz-nos nessa obra. O próximo discurso e o seu primeiro texto pedagógico, propriamente dito, chama-se “O Ensino Ético-Social das Multidões” (1902), em que o autor começa por afirmar: “O problema da educação e da instrução popular está na ordem do dia em todos os países.” No quarto dos seus ensaios, apresentado em 1903 no Laboratóriod e Sociologia na Universidade Nova de Bruxelas, intitulado “La Psicologie des Foules Infantiles”, rejeitando liminarmente a teoria do atavismo físico de Lombroso, do atavismo moral de Colajannie, defendeu que a criança não é esse criminoso nato, esse louco moral, esse selvagem, prolongamento atávico da barbárie primitiva, mas, pelo contrário, “um ser normal em via de desenvolvimento, devendo as manifestações patológicas ser atribuídas não a uma necessidade fisiológica, mas fundamentalmente à inadequação do meio em que a criança se desenvolve.” A educação infantil, mesmo na criança anormal é, para Faria de Vasconcelos, uma axioma pedagógico e antropológico evidente e primordial, devendo o investimento máximo ser feito no meio e no modo de desenvolvimento, reconhecendo a escola como esse grande meio de preservação da criança.
A formação académica do nosso psicopedagogista fica completa com a defesa da tese “Esquisse d`une Théorie de la Sensibilité Sociale” (1904), na Universidade Nova de Bruxelas, conferindo-lhe o grau de doutor em ciências sociais. Depois da defesa desta tese, é-lhe conferida a docência da cadeira de pedagogia e psicologia na Universidade Nova de Bruxelas e no Instituto de Altos Estudos de Bruxelas, magistério que exercerá durante a década de 1904 a 1914. A expressão eloquente e do interesse do resultado da investigação e da actividade docente deste período são as “Lições de Pedologia e de Pedagogia Experimental”, cuja doutrina vai ter na sua Escola Nova, que vai fundar nos arredores de Bruxelas, decidindo, assim, passar da teoria à prática. É evidente que a sua escola não é uma criação a partir do nada porque o movimento das escolas novas já estava em curso. Contudo, Claparède considerou a escola de Faria de Vasconcelos como um modelo exemplar. A Escola Nova de Faria de Vasconcelos foi efémera, tendo sido reduzida a escombros nesse trágico Agosto de 1914 pela brutalidade da invasão alemã na Bélgica. Conta-nos Faria de Vasconcelos:

“Vivia eu contente na Bélgica, entregue aos meus trabalhos universitários e aos da minha Escola Nova de Berges, quando aí por volta de 1914 sobreveio implacável e feroz a guerra horrorosa, durando vários anos que devastou a Europa. Como muita gente, tive de emigrar, bem contente de poder escapar com vida da fogueira infernal. Não quero com isto dizer que a vida seja o único bem, mas quando se salva a vida, se salva tudo, longe de mim tal ideia. Pode haver e há mortes com mais vida que a vida e há vidas que não são mais que o sepulcro de ambos. Tudo está na maneira como se vive, como se assinala a vida, no ideal que ela prossegue e a espiritualidade elevada que ela encerra. Salvei-me, pois, na Bélgica e fui parar à Suíça, onde uma casa amiga, a Escola das Ciências da Educação acolheu o meu exílio e me deu uma guarida intelectual.”

Na Suíça, realiza quatro conferências sobre a sua experiência na Escola Nova, compiladas no livro “Une École Nouvelle en Belgique” (1915). Mas, entretanto, da América Latina, de Cuba, pedem à Suíça, nomeadamente ao Instituto Jean-Jacques Rousseau, um pedagogo para ser fundado uma Escola Nova; e, então, Claparéde e Ferrière não encontram melhor pedagogo para desempenhar essa função do que o seu amigo Faria de Vasconcelos. Em havana, sendo a sua chegada noticiada pelo jornal “Heraldo” (1915), é faria de Vasconcelos anunciado, desgraçadamente para nós, como o maior pedagogo belga! Depois de dois anos em Cuba vai para a Bolívia, desempenhando igualmente as mesmas funções ao serviço da Educação Nova. Em fevereiro de 1920 deixa a América do Sul e regressa a Portugal. A sua chegada é noticiada pelo jornal diário “A Tarde” (de 21 de fevereiro de 1921).

IV
 


Três tópicos da sua actividade pedagógica em Portugal (1921-1939)
Faria de Vasconcelos Pedagogo da “Seara Nova”

O nosso pedagogo da escola novista conclui o seu périplo científico-pedagógico no estrangeiro e regressa a Portugal num ano que ficou assinalado, pelo menos, por dois acontecimentos com algum significado político e cultural: a fundação do Partido Comunista Português, em 6 de Março de 1921, e a fundação do grupo da revista da “Seara Nova”, cujo primeiro número saiu no dia 15 de Outubro de 1921. Sabendo-o em Portugal, os fundadores do movimento convidaram Faria de Vasconcelos para integrar o primeiro corpo-directivo da revista, sendo constituído, para além deste, por Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Ferreira de Macedo, José de Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Raúl Brandão e Raúl Proença. A faria de Vasconcelos e a Ferreira de Macedo foi-lhes confiada a responsabilidade da representação do movimento em matéria pedagógica. É nas páginas da “Seara Nova”, desde o n.º 1 até ao n.º 43, que Faria de Vasconcelos realiza a sua doutrinação pedagógica em Portugal. No número inaugural da revista, publicou uma síntese daquilo que lhe pareciam ser as mais evidentes características da educação contemporânea. Este texto, “Características da Educação Contemporânea”, publicado na obra “Problemas Escolares”, anunciado na revista como “o mais notável livro publicado nos últimos anos em Portugal”, diz-nos Faria de Vasconcelos que a educação contemporânea tinha um carácter e um espírito científico, tinha um carácter dinâmico, , tinha uma função genérica, funcional, é eminentemente social, diferencial e a última característica referida era que a educação contemporânea tinha uma cultura individual e social.
O segundo painel da acção de Faria de Vasconcelos em Portugal, sintetiza-se na elaboração daquela que alguns consideram a mais perfeita proposta de reforma educativa que Portugal teve. Uma reforma de 1923, do tempo da I República, da qual podemos dizer talvez que o único defeito foi o de não ter sido implementada. Dizia Jaime Cortesão o seguinte a propósito dessa reforma: “A reforma constitui, na crítica dos métodos de ensino e nos fins gerais que tacitamente se propõe, não só o mais sério documento político emanado de um governo, dentro da República, como a primeira tentativa de reforma nacional, orientada por um espírito democrático.”Esta reforma passou à história com o nome da “Reforma Camoesas”, precisamente devido ao ministro da educação da altura. Esta reforma foi muito elogiada. A proposta é constituída por 24 bases, precedida por um relatório ou preâmbulo, enunciando dois imperativos da reforma: a necessidade de redefinir a educação, tendo em consideração a realidade brutal da I Guerra Mundial, não sendo alheio Faria de Vasconcelos, assim como outros pedagogos, ao militarismo da educação alemã em contraste com a educação pacifista belga. Claparède, aliás, assinala duas características implícitas na filosofia da educação: a tendência pacifista, marcada pela irracionalidade da guerra; a nacionalista, marcada pelo modelo de ambição alheia.
Na conferência, que segundo “O Século”, de 29 de Julho de 1923, Faria de Vasconcelos proferiu na Sala Algarve da Sociedade de Geografia, conferência então presidida pelo ministro da educação João Camoesas, com o título “A Reforma a Educação e seus Fundamentos e Antíteses”, o conferente selecionou três aspectos dessa reforma. O primeiro dizia respeito aos jardins-de-infância, a educação primária e às Faculdades de Ciência da Educação, aparecendo a proposta da criação para formação científica dos professores. Como virtudes fundamentais da reforma, António Sérgio apreciou assim, na conferência que proferiu em 1923, também na Sociedade de Geografia, que era sincera e efectiva, que era sistemática e coordenada, tinha unidade e globalidade, estava de acordo com os princípios da pedagogia nova e era capaz de formar uma elite para as necessidades do País, era democrática nos princípios e nos métodos, conferindo especial atenção à educação técnica do povo. E é consentânea conforme um projecto de existência do futuro nacional.
O terceiro aspecto de Faria de Vasconcelos é a orientação profissional. O nome de Faria de Vasconcelos está também ligado a esta necessidade de orientação profissional em Portugal, tendo sido aliás considerado como um dos pioneiros da orientação profissional e o seu introdutor em Portugal. As condições necessárias para a orientação profissional para Faria de Vasconcelos são: i) estudar e conhecer os adolescentes a que se quer dirigir, as suas aptidões; e o segundo imperativo é estudar e conhecer as profissões que ele deseja exercer; e porque é que a orientação profissional se tornava uma necessidade e uma urgência naquela altura? Precisamente pelas seguintes razões: em primeiro lugar, os acidentes de trabalho; em segundo, as carreiras fracassadas e, terceiro, o taylorismo, a organização científica do trabalho
Qual seria o sistema pedagógico vasconcelosiano? Apesar de não ter sintetizado num texto único a sua teoria, o seu quadro teórico, nós temos de identificar no conjunto da sua obra aqueles que são os princípios fundamentais do seu ideário pedagógico e que são os seguintes: crença indefectível no poder «regenerador» da educação; reconhecimento da autonomia da criança; naturalismo pedagógico; princípio de continuidade e solidariedade das funções psíquicas; princípio de integralidade; princípio da «instrução educativa»; princípio da concentração da aprendizagem; princípio da lição como construção e o princípio da co-educação.
Concluindo, em síntese, diríamos que o sistema pedagógico vasconcelosiano, que é o mesmo que o movimento das escolas novas, confundiu.se com o destino da nossa I República e perdeu-se nas brumas dos regimes políticos que se sucederam à I Guerra Mundial. A Educação Nova, a Pedagogia Nova, é mais um projecto  inacabo do que um projecto esgotado.





domingo, 22 de setembro de 2013

Bernardino Machado, O Pedagogo


A exposição "Bernardino Machado, O Pedagogo" foi inaugurada no Museu Bernardino Machado (Vila Nova de Famalicão) no dia 21 de Setembro de 2013, pelas 17h00. O Prof. Norberto Cunha, coordenador científico do referido Museu, realizou uma visita guiada à referida exposição, com a seguinte interpelação inaugural.
"O âmbito desta exposição é associar conteúdos às imagens. Percorrendo as reflexões de Bernardino Machado, desde o que ele pensava sobre o ensino em geral, assim como a sua importância, passando pelos vários graus de ensino até ao ensino superior, esta é a lógica desta exposição. Bernardino Machado foi propriamente um professor da Escola Nova, se assim podemos chamar, porque o que ele diz é de tal maneira importante (o próprio Édouard Claparède refere-se a Bernardino Machado como o único pedagogo que havia na Península Ibérica nos fins do século XIX), a partir do momento em que acentua a aprendizagem na criança e que o verdadeiro pedagogo, para o ser, devia progressivamente libertar o aluno. Ou seja, o melhor pedagogo deixava o aluno até ao momento em que este se decidia por si, permitindo ao aluno uma completa autonomia; e o aluno, que Bernardino considerava, deveria ter um curriculum básico, um tronco comum que deveria existir em torno do ensino, segundo Bernardino deveria corresponder este mesmo ensino a um desígnio nacional e daí, o facto, de exigir, de ter exigido um Ministério da Educação Nacional para coordenar esses mesmos desígnios. O ensino, fosse ele qual fosse, para além do tronco comum, tinha de estar ao serviço das localidades, com disciplinas ajustadas às necessidades locais; e daí, por exemplo, o ensino primário ser um ensino ligado às autarquias, precisamente por causa dessas idiossincrasias. Mas já, por seu turno, o ensino médio e superior, já que estavam num plano mais vasto, este devia ficar inteiramente debaixo da tutela administrativa e pública, não recusando, contudo, o ensino particular, sendo necessário fiscalizá-lo. Isso levou a Bernardino a valorizar a psicopedagogia e, por outro lado, também acreditava que o ensino existia para transmitir um conjunto de valores e comportamentos, para que as pessoas fossem menos egoístas e mais sociáveis, mais altruístas; a maneira de as pessoas serem mais altruístas, isto é, serem mais cooperativas, era através do trabalho oficinal, do trabalho laboratorial, do trabalho em grupo e daí defender o ensino profissional, sendo um tipo de ensino que levasse os alunos a entreajudarem-se e através desta realidade eles aprenderem a cooperar, a associarem-se, a pedir ajuda uns aos outros, ou seja, no fundo, aquilo que ele desejava era que se preparassem para a vida civil, que as pessoas, para além de gerirem os seus interesses particulares, achassem que era necessário associarem-se. Perante o ensino médio e secundário, achava Bernardino Machado que este tipo de ensino tinha um papel meramente formativo, o qual deveria ser um ensino continuado para toda a vida. É um nível preparatório para o ensino superior, tendo em conta a especialização a seguir, a qual era de duas ordens: ou uma especialização média superior, que era o chamado ensino profissional e o universitário. Ora, Bernardino Machado teve um papel relevante em todos os níveis de ensino, quer no ensino primário (que criou uma série de escolas primárias), quer por exemplo, na instrução popular, que hoje se chama instrução para adultos, formação para adultos."