quinta-feira, 29 de novembro de 2012

João Bigotte Chorão e Camilo Castelo Branco

 
 
 
Fica aqui o aperitivo.
O mestre camilianista dos mestres, ainda entre nós, na conferência que proferiu no “Colóquio Internacional Amor de Perdição: olhares cruzados”, com a conferência que proferiu no dia 17 de Novembro, com o título “Do Culto Camiliano: as leituras de Camilo”, separou, nas suas palavras, “o trigo do joio”. Falo, indiscutivelmente, de Bigotte Chorão, que distinguiu uma hermenêutica biográfica da geração de 1925, relativamente à geração de 1990, com uma hermenêutica mais exigente, centrada na interpretação textual da obra de Camilo, esta iniciada nos anos 40, com o “Penitente” de Teixeira de Pascoaes. Das “Leituras”, falta a “exegese crítica” de Bigotte Chorão, imprescindíveis para uma compreensão da interioridade textual de Camilo. Ao lermos Camilo com Pascoaes, Jacinto do Prado Coelho, José Régio, Aquilino Ribeiro, Manuel Simões, Alexandre Cabral ou Aníbal Pinto de Castro, junto os livros de Bigotte Chorão, que também devem estar ao lado dos de Camilo. Referencio as “Páginas Camilianas e outros temas oitocentistas” (1990), “Camilo: a obra e o homem” (1979) e “O Escritor na Cidade” (1986), o qual contém “Camilo, Personagem de Drama”, “Camilo e a Tradição Narrativa Camiliana” e “Um Prosador Solar”, uma viagem de Aquilino com Camilo; e, indiscutivelmente, o seu essencial sobre Camilo (possivelmente emprestei e já não o tenho!)
Ter ouvido e ter revisto o mestre, que já vem desde 1990, ano do centenário de falecimento de Camilo, nas suas palavras, no “santuário camiliano de Seide”, registo não só o resumo da conferência de Bigotte Chorão, como igualmente a lembrança do dia e as capas titulares de Bigotte Chorão que viajam pela camiliana cá de casa, sempre prontos a serem lidos, assim como igualmente uma passagem fotográfica do momento.
 
 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

XV Encontros de Outono 2012 - V. N. de Famalicão


Os XV Encontros de Outono-2012, subordinada à temática, este ano, "A Agricultura Portuguesa: da regeneração oitocentista ao século XXI", numa organização da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão em colaboração com o Museu Bernardino Machado, irão realizar-se nos próximos dias 23 e 24 de Novembro na Casa das Artes, em V. N. de Famalicão. Com a presença, entre outros, de Norberto Ferreira da Cunha, António José Queirós, Fernando Rosas, Arlindo Cunha ou a de Cláudio Torres, os XV Encontros de Outono de 2012 são, nas palavras do Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, "um acontecimento cultural e científico de referência nacional". Paralelamente, pelas 18h30, do dia 23, será realizado no àmbito do momento social dos referidos encontros, uma prova de vinhos. Esta prova de vinhos, que terá a participação de alguns dos produtores de vinho do concelho de Vila Nova de Famalicão, assim como, igualmente, um momento musical pela Associação de Tocadores e Cantadores ao Desafio Famalicense. Dos produtores de vinho do concelho de V. N. de Famalicão, estarão presentes Casa Agrícola de Compostela, Casa da Torre, Gonçalo Sousa Lopes Unipessoal, Ld.ª, Casa Gomes, Manuel de Oliveira, Castro – Sociedade Agro Pecuária de Cavalões, Ld.ª Frutivinhos – Cooperativa Agrícola de Vila Nova de Famalicão e Tornapuro – Comercial Vinhos Unipessoal Lda.



segunda-feira, 19 de novembro de 2012

José Pacheco Pereira e Portugal


Fica aqui a lembrança de Pac heco Pereira da sua vinda a Seide, em 17 de Novembro. Deste livro de 2007, entre muitos outros sublinhados, retiro este: "Portugal é um país com atrasos estruturais significativos. Os seus indicadores são dos piores da Europa, a sua economia é débil, as suas práticas administrativas antiquadas, o seu Estado onde devia ser magro é excessivo, onde deveria ser forte é frágil. Para resolver esta situação o país precisa de mudanças políticas, reformas em sectores fundamentais da sua organização política, segurança social, educação, saúde e administração pública, e a experiência kostra que a fragilidade da governação tende a manter o satuo quo." Estávamos em 2007. E, se não for ainda hoje, provavelmente amanhã, colocarei aqui a conferência de Pacheco Pereira que proferiu no Centro de Estudos Camilianos, com o título "Sensibilidades fora de moda: apropósito dos amores de perdição". Aliás, nesta sua conferência, Pacheco Pereira realizou uma espécie de, na sua expressão, "catálogo de sentimentos" em desuso nos nossos dias relativamente ao "Amor de Perdição".


domingo, 18 de novembro de 2012

Mário Cláudio e Simão Botelho, "o canalha"



Então pode ser uma lembrança do Tiago Veiga?, assim foi como Artur Sá da Costa se dirigiu a Mário Cláudio, este afirmando, Isso já não será possível, já está no cemitério! E praticamente logo de seguida, Bigotte Chorão, Será que posso cumprimentar Tiago Veiga? E um abraço afectuoso lá saiu. Se para além deste recorte social posso salientar, este acontecimento notável, que ficará para a história, só no segundo dia, no primeiro dia do “Colóquio Amor de Perdição: olhares cruzados”, o que sucedeu foi uma sucessão de intervenções institucionais, já aqui relatadas neste blog, salvando-se, para além desse cariz, a inclusão de Camilo no Plano Nacional de Leitura e em várias actividades institucionais pedagógicas e a sua inclusão na estrutura curricular do secundário, a intervenção de Vasco Graça Moura, em cuja comunicação realizou pistas para uma interpretação sobre o “Amor de Perdição” e a “Sereia”, relacionando ambas as ficções de Camilo, naquilo que as aproxima e as distancia. De realçar, igualmente não só a exposição “Amor de Perdição: olhares cruzados”, como igualmente a abertura da “Sala de Leitura”. Uma nova viagem poderá ser começada por novos leitores!


Por seu turno, o segundo dia foi salvo por Bigotte Chorão, Pacheco Pereira, João Lopes e por  Mário Cláudio, ao lado de intervenções numa perspectiva hermenêutica biográfica, estética (isto é, as capas das edições luso-brasileiras e algumas estrangeiras, numa viagem pelo cinema do “Amor de Perdição”) e bibliográfica. Para já, fica aqui o registo da comunicação de Mário Cláudio (a de Pacheco Pereira e a de Bigotte Chorão a seu tempo virão) e algumas fotografias do momento, momentos únicos e inesquecíveis possivelmente irrepetíveis, só na memória, destes encontros sempre saudáveis entre os nossos criadores, da cultura e da língua portuguesa. Em “Tiago Veiga”, uma viagem ficional entre Camilo e Bernardino Machado, entre tantos outros, Mário Cláudio lá colocou a lembrança do dia, Não é com “o”, Não, com “u”, Amadeu com “u”, romance que até podia ter levado, o de “Amadeo”, não o meu! Aqui está, portanto, a conferência de Mário Cláudio, entre a tradição familiar e a receção de “Amor de Perdição” na família, como nasceu o seu interesse pela obra de Camilo, passando pelas suas ideias sobre Simão Botelho, “o canalha”, “o sapo que Camilo transforma em príncipe”.


A deciatória de Mário Cláudio no meu exemplar de "Tiago Veiga"
 
MÁRIO CLÁUDIO
"Simão Botelho: a dimensão ficcional de um herói"

Gostaria de começar por fazer uma espécie de quadro cronológico de afectos, que passam também pela tradição familiar, relativamente à recepão do romance “Amor de Perdição”; e isto é também de alguma forma, o desenho de uma mapa de sentimentos, tipo reacções de leitura, que poderá ter algum interesse para duas disciplinas, infelizmente pouco praticadas em Portugal, e que continuam a estar condenadas pelas academias, e que são a sociologia da literatura e a sociologia da leitura. Sei que não tem havido trabalhos nessas cadeiras, nessas disciplinas literárias, e isso ressentido não apenas na visão histórica da nossa literatura, como inclusivamente na aprendizagem indispensável para quem pretende continuar com a tradição de escrita, neste caso uma tradição ficcional em que Camilo ficaria, muito grato, com certeza e enriquecido com os contributos que fossem dados por esses estudos, que infelizmente ainda estão distantes



Mário Cládio, a escrever a lembrança no "santuário camiliano", nas palavras de Bigotte Chorão, no livro "Tiago Veiga"
Camilo, como sabemos, morre em 1890 e três anos depois a minha avó materna. A minha avó era uma menina muito bonita, casou muito cedo, ela nunca me disse, mas disse-mo a minha mãe muitas vezes, que a minha avó tinha lido o “Amor de Perdição” ainda solteira e que teve uma crise de melancolia, que nós hoje chamaríamos uma depressão, caindo numa espécie de apatia, uma letargia estranha que não se compreendia e que tinha a sua origem na leitura do romance de “Amor de Perdição”.
Devo dizer que o meu contacto com Camilo e com a sua obra foi pelo visionamento do filme de António Lopes Ribeiro e em 1943 não terá sido fácil a uma criança perceber fosse o que fosse daquela história. Só começou a despertar no dia em que descobri uma dessas inúmeras edições, na biblioteca camiliana, na biblioteca do meu pai. Quando li o romance, devia ter talvez doze, treze anos, pareceu.me alguma coisa completamente tola, isto para dizer o que senti na altura. Mas pouco tempo depois, quando fui para o Liceu, e então sim, era obrigatório estudar o “Amor de Perdição” e pareceu-me nessa altura muito mais interessante: não tanto por aquilo que representava a construção novelística ou pela, digamos, edificação ficcional do imaginário, mas por uma espécie de libertismo que por ali entrava e que necessariamente atraía muito mais a um adolescente de 16 anos que era nessa altura. Só muito mais tarde é que me debrucei, quando começava o meu trabalho de escritor, sobre o “Amor de Perdição” e aí foi de facto um “Amor de Perdição”. A partir daí comecei a perceber a grandeza do livro, que para mim estava naquilo que era extremamente inovador na literatura portuguesa e que estava sobretudo na mecânica da construção ficcional, na utilização e no manuseamento dos tempos e ainda a capacidade de dizer muito em muito pouco espaço, sendo um romance verdadeiramente romance no osso, ao contrário daquilo a que estava habituado a ler, e que eram ficções muito mais luxuriantes, muito mais transbordantes do que aquela história tão simples do “Amor de Perdição” e que era dado por Camilo por uma enorme paixão e que era insuperável. O filme de Manuel de Oliveira veio, de alguma forma, corroborar essa minha paixão.



Artur Sá da Costa e Tiago Veiga, digo, Mário Cláudio

O título desta conversa, pretensioso, é: “Simão Botelho: a dimensão ficcional de um herói”; e a pergunta que tenho de fazer necessariamente, logo no início, é esta: que em foi Simão António Botelho? E a resposta está no “Dicionário de Camilo Castelo Branco”, de Alexandre Cabral. [Mário Cláudio lê metade do verbete].  Uma figura exemplar! Este é o Simão Botelho; e onde está a Teresa? Aqui não aparece. Não se sabe se ela existe, se existiu alguma vez, que tipo de mulher é que seria. Mas é nesta figura que Camilo pega para a transformar num herói romântico e creio que estaria em Camilo, na sua memória de grande leitor que era, a figura de “Werther”. A meu ver, Camilo quis criar um “Werther” à portuguesa, mas não o conseguiu. Não é exactamente pelas figuras, que é uma galeria interminável, que Camilo cria é [reconhecido], mas sim pela arquitectura dos seus romances, pela ironia, pelo sarcasmo e por outras características clássicas super-referidas na obra camiliana. Não creio que as figuras de Camilo, de uma forma global, há algumas excepções, sejam figuras que ultrapassem a dimensão do cartão recortado, do boneco de cartão recortado. São muitas, mas a cada estereotipo corresponde , precisamente, a isso, à natureza do estereotipo: os brasileiros são todos broncos, feios e têm joanetes; as heroínas ou são mulheres fatais, ou meninas puríssimas e angelicais, como a Teresa, e os heróis são valdinos, e as outras são personagens que se repetem ostensivamente de romance para romance, sem ter a ver com algo que lhes assiste.



O abraço para a história, Mário Cláudio e Bigotte Chorão

A propósito desta comemoração, a revista “Colóquio-Letras” convidou três escritores portugueses para escreverem um conto sobre a figura de Simão Botelho: [eu próprio], Lídia Jorge e Hélia Correia. No caso de Hélia Correia, vê a figura de Simão Botelho exactamente como eu a vi no romance “Camilo Broca”: no fundo, um traste, um indivíduo que era um traste do ponto de vista ético, deontológico e amoroso, um tipo inqualificável e que Camilo embelezou da forma que conhecemos. Pegou também na figura feminina (não na Teresa, que fica assim arrumada a um canto na sua eterna virgindade, que é dúbia, no romance não sabemos se ela a perdeu ou não – temos a certeza que Julieta a perdeu, Romeu tocou-a pela janela! – mas em relação à Teresa não temos, não sabemos, mas é deduzível que a não tenha perdido), mas na figura da Mariana. A Mariana acaba no conto de Hélia Correia por chegar à Índia com Simão, que continua a sua vida de malfeitoria, aliás documentada, de viver à custa de certas mulheres, sobretudo ricas, nem sempre dotadas de grande beleza, pouco festejadas pelas graças naturais, mas, enfim, aquecidas de património, que para Simão era extremamente sedutor. O que acontece com Mariana, no conto de Hélia Correia, é uma figura serôda, uma terra muito próxima de Goa, e talvez pelos maus princípios e pela turbulência de Simão, transforma-se, nada mais nada menos, numa patroa de um bordel. O texto que escrevi chama-se “O Canalha” e o canalha é Simão Botelho. É uma história de proveito e de exemplo, não só para vermos a fibra que tecem os vários malhadinhas a partir da literatura portuguesa, como também se tece o escritor Camilo Castelo Branco, que consegue transformar um sapo num príncipe.
[Mário Cláudio leu o seu conto].


Uma perspectiva da mesa no auditório do Centro de Estudos Camilianos, com Mário Cláudio, Vereador da Cultura da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão (Paulo Cunha) e José Manuel de Oliveira
Se não vale mais do que isto, valerá pelo menos para demonstrar alguma coisa do fenómeno como é que os ficcionistas convivem. É que muitas vezes as figuras reais são muito mais espessas do que as figuras do que nós ficcionámos; e quando pretendemos transformá-las em alguma coisa que não se contenha naquilo que elas eram, produzimos o tal boneco de cartão que à pouco referi. Mas também é verdade que não é por aí que se mede o talento ou o génio de um autor como Camilo Castelo Branco. Em relação às figuras isoladas, se não consegue muitas vezes dar-lhe alguma profundidade, a dimensão da ficção, ele dá, ao fim e ao cabo, uma perspectiva insuperável daquilo que é a condição humana.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Camilo, hoje para o futuro


Sob o atento olhar de Camilo, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Arq. Armindo Costa, no Colóquio Internacional Amor de Perdição: Olhares Cruzados,  e com a presença do Ministro da Educação e Ciência Nuno Crato, salientou uma vez mais, como já o tem feito noutras alturas, a reintegração da obra de Camilo Castelo Branco nos programas de Português do Ensino Secundário, argumentando várias dimensões e razões, para sua integração.
Por seu turno, para Nuno Crato, “celebrar Camilo é homenagear a grande literatura nacional; e comemorar os 150 anos da publicação do “Amor de Perdição” e das “Memórias do Cárcere” é divulgar a importância da leitura para o conhecimento, estimular a leitura com os nossos grandes escritores.” Foi assim que o Ministro da Educação e Ciência abriu a sua intervenção, salientando de seguida que “a promoção da leitura é um incentivo à participação dos cidadãos na vida democrática”, para realçar o seguinte: “Não tenhamos dúvidas: a estabilidade das instituições democráticas, numa sociedade livre, global e aberta, depende também de uma cultura de cidadania”. Nesta perspectiva, o Ministério da Educação e da Ciência, nas palavras do Ministro, “assume este compromisso de incentivo activo para uma cidadania plena.” Neste sentido, acrescentou que, referindo-se a Camilo Castelo Branco, que o Ministério da Educação e Ciência, através de várias actividades, nomeadamente do Centro Cultural de Belém, do Plano de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares, tem estimulado as comemorações dos 150 anos das publicações do “Amor de Perdição” e das “Memórias do Cárcere”, lembrando assim o “grande escritor português e promover iniciativas que divulguem a sua obra literária, para o estudo e a leitura.” Aqui, Camilo sorriu, admiradíssimo! Olhou para Manuel Simões e diz-lhe, Vês? Alguém com senso! Já chegam tolices neste mundo sem rumo, diz-lhe Manuel Simões, Espera, escuta esta: nas palavras de Nuno Crato, “Para compreender Camilo é preciso ler bem, com clareza. Só assim é possível descobrir a fina ironia, a crítica política, a sátira, a paixão e a actualidade das suas obras.” Exclama Camilo, Com esta não contava! Nuno Crato termina com uma citação do “Amor de Perdição”, que revela a estética teórica da ficção camiliana.
Desabava Camilo, Talvez mais no meu “Anátema”…


 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

José Augusto de Castro e Bernardino Machado


Hoje, por Braga, mais propriamente pela Biblioteca Pública de Braga, a consultar o jornal "O Mundo" para mais um tomo de Bernardino Machado, mais propriamente o IV. Ainda havia sol! Depois, folheando e tomando notas, a Câmara dos Deputados deixou de aparecer e o jornal é engolido pelo início da I Guerra Mundial. Até que apareceu este soneto de José Augusto de Castro (1862-1942), republicano da Guarda, e dedicado a Bernardino Machado, publicado no jornal "O Mundo" em 30 de Agosto de 1914. Na vinda, muitas nuvens negras, e agora chove! E o mundo continua... Evidentemente, para o Dr. Manuel Sá Marques, com aquele abraço saudoso e de fraterna amizade.
 

 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Recordação do Prof. António Reis



A Conferência do Prof. António Reis no Museu Bernardino Machado



PALAVRAS-CHAVE

Maçonaria. Grande Oriente Lusitano. Mundo. Portugal. Estado Novo. Oposição Democrática. Internato S. João. 25 de Abril. Maçonaria Dogmática Regular. Grande Loja Regular de Portugal. Grande Loja Legal Regular de Portugal. Grande Loja Tradicional de Portugal. Grande Loja Feminina de Portugal. Grande Oriente Ibérico. Grande Loja Simbólica de Portugal. Grémio Hebraico. Grande Loja de Inglaterra. Grande Oriente do Brasil. Confederação Maçónica do Brasil. Maçonaria Liberal e Adogmática. Liberdade de Consciência. Grande Oriente de França. CLIPSAS. O Segredo e o Sigilo Maçónico. Ética. Civismo. Laicidade. Humanismo. Fraternidade. Universalidade. Liberdade. Igualdade. Cidadania. Tolerância. Respeito. Direitos Humanos


RESUMO

No encerramento do Ciclo de Conferências “A Maçonaria em Portugal”, uma atividade do Museu Bernardino Machado, o Dr. Paulo Cunha,Vice-Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão e Vereador da Cultura, salientou o carácter “assombradamente atuais” das ideias pedagógicas e políticas de Bernardino Machado. Por seu turno, o conferencista, o Prof. António Reis, felicitou a “Câmara pela intensa atividade cultural, que há muito tem perseguido, ainda bem, para todos nós, para o povo deste concelho.”
Na sua conferência, o Prof. António Reis traçou uma panorâmica da Maçonaria nos dias de hoje em Portugal (verificando-se uma tendência para a fragmentação e um crescente interesse) e no Mundo (existindo uma Maçonaria Liberal Adogmática que cresce razoavelmente, pela inclusão da liberdade de consciência dos seus membros e pela inclusão das mulheres, em relação à Maçonaria Regular, a qual se encontra num processo de estagnação), traçou o desenvolvimento e os aspetos mais importantes da Maçonaria em Portugal no pós 25- de Abril e efectuou uma reflexão da mesma instituição  perante o mundo de hoje, evidenciando não só os obstáculos que a ela se colocam (caso do segredo e do sigilo e das suas relações com o poder político e económico), passando pelo sentido, pela utilidade e da necessidade da mesma instituição, assim como evidenciando os seus valores mais carismáticos (a saber, a trilogia liberdade, igualdade e fraternidade, à qual o prof. António reis pretende formar uma pentalogia, com o valor da laicidade e da cidadania).





Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
Vereador da Cultura
Dr. Paulo Cunha

Começo por cumprimentar o Prof. António Reis que nos honra muito com a sua presença, no momento em que encerramos este Ciclo de Conferências. Felicito o sr. Prof. Norberto Cunha, que muito brilhantemente tem coordenado, de ponto de vista científico, este nosso Museu Bernardino Machado. Agradeço também a presença dos que aqui estão hoje, no momento em que vamos, como dizia há pouco, encerrar um ciclo que trouxe a este nosso Museu um tema de grande interesse, e que muito envolveu a nossa comunidade que maciçamente tem participado na iniciativa que aqui temos vindo a realizar.
Este nosso Museu Bernardino Machado procura, através de iniciativas como esta, atingir a maturidade, solidificar-se do ponto de vista daquela que é a sua função, uma função marcada pela redescoberta daquelas que são as virtudes e foram as obras do nosso patrono, Bernardino Machado, e temos procurado ao longo destes anos trazer para o presente, para a actualidade, aqueles que foram os seus feitos, aqueles que foram os seus trabalhos, aqueles que são os mais importantes legados que deixou ás gerações vindouras.
Temos dito que muitos dos seus trabalhos, muito das suas áreas, são hoje perfeitamente atuais, diria até, são assombradamente atuais, e cumpre-nos, eis a nossa missão, de honrar esta memória, esta nossa história, é isso que procurámos fazer no dia a dia neste nosso Museu; e este Ciclo de Conferências é mais uma etapa nesse mesmo processo.







Coordenador-Científico Museu Bernardino Machado
Prof. Norberto Cunha

Manifesto, antes de mais nada, o agradecimento da parte do Museu, pelo apreço que tem por esta casa, que é sua evidentemente, e nós partilhámos, e pelo apoio incondicional que sempre lhe tem dado. É um sinal, diria quase contrário aos tempos não só de Portugal, mas desta Europa cada vez mais definhada, e que secundariza a cultura; mas a verdade é que o sr. Vereador, ao arrepio de tudo isso, procura manter estas instituições, digamos assim, tonifica-las, não só com a sua palavra, como também com o seu apoio, e sem o apoio igualmente do sr. Presidente da Câmara, dificilmente tais instituições seriam insustentáveis. Penso que é bom que estas casas se mantenham abertas, pelo serviço que prestam. A este respeito, um exemplo: a nossa exposição das caricaturas, que esteve patente na Fundação Mário Soares, na altura da inauguração estavam cerca de 20 a 30 pessoas, e confesso então a Mário Soares que estava pouca gente; e ele diz-me que “a casa está muito bem composta!” O que significa que a oferta cultural por Lisboa é muito grande, e que, digamos assim, dá mais argumentos para a insistência a e continuidade de projetos como este em que o sr. Vereador e o sr. presidente da Câmara tanto têm apostado e em boa hora.
Meu colega das lides académicas, ao Prof. António Reis quero agradecer imenso de ele ter vindo aqui. Deixou-me um curriculum exíguo, mas permitam-me que diga algumas coisas, não politicamente, não vou falar do tempo em que ele foi co-fundador do Partido Socialista, vou só falar no âmbito académico. O Prof. António Reis tem trabalhos notáveis sobre o Portugal Contemporâneo. Destacava o seu trabalho sobre Raul Proença, que é uma referência incontornável, e penso que Raul Proença é uma figura emblemática não só pelo seu projeto intelectual, mas igualmente pela sua coerência de ideias e de práticas, apreciando-o muito mais pessoalmente do que António Sérgio; e quem quiser conhecer um homem dessa estatura intelectual, tem de ler os trabalhos do Prof. António Reis. Mas não ficou por aí: a obra sobre o “Portugal 20 anos de democracia”, na qual tem os textos “A Revolução do 25 de Abril”, “O processo de Democratização” e “O Poder Central”, na qual colaborou o Prof. Sousa Franco, é uma obra que é uma referência para conhecer o Portugal pós 25 de Abril de 1974; e esperámos que também venha a ser uma referência o Dicionário sobre o 25 de Abril, que atualmente o Prof. António reis está a coordenar.
Para além do curriculum normal, e mais propriamente com a conferência de hoje, o Prof. António Reis foi Grão-Mestre do GOL (2005 a 2011) e actualmente é o Presidente do CLIPSAS, que é a maior organização mundial da Maçonaria Liberal a Adogmática, eleito para o mandato 2011 a 2014. É uma pessoa digamos assim apta, para nos falar do que poderá vir a ser, deve ser ou será a Maçonaria no seu futuro.





O Convidado
Prof. António Reis

Começo por cumprimentar o sr. dr. Paulo Cunha, Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, e felicito a Câmara pela intensa actividade cultural, que esta Câmara, aliás, há muito tem perseguido, e ainda bem, para todos nós, para o povo deste concelho.
Agradeço o convite do Prof. Norberto Cunha e dizer-vos que é com muito gosto que me encontro perante vós, não apenas para dissertar, durante algum tempo, sobre esta conferência que encerra o Ciclo, conferências sobre a Maçonaria, mas também para dialogar convosco para ouvir as vossas dúvidas, as vossas contestações e, eventualmente, os vossos pontos de vista, e tentarei esclarecer todas as questões que me vierem a colocar.
Ao reflectir sobre o tema que o Prof. Norberto Cunha me entregou, pensei que a melhor forma de dissertar sobre ele era, por um lado, traçar uma panorâmica da situação da Maçonaria em Portugal e no Mundo nos dias de hoje, ou seja, a Maçonaria em Portugal depois do 25 de Abril, a Maçonaria nos vários continentes e em todo o Mundo, nas suas diferentes organizações, e não ficar por aqui, porque acho que uma temática destas implica, sobretudo, uma reflexão sobre a atualidade da Maçonaria. É a Maçonaria algo de atual, algo que faz sentido nos dias de hoje, algo que faz sentido no mundo de hoje? O que é que dentro da Maçonaria pode justificar o interesse por ela nos dias de hoje? E é por isso que numa segunda parte, vou procurar responder a estas questões, por um lado, tentando identificar os motivos que há para hoje também se desconfiar da Maçonaria, do segredo da Maçonaria, que, por vezes, levanta grandes polémicas, como ainda recentemente aconteceu na comunicação social, mas também tentar ver até que ponto a Maçonaria tem uma mensagem que, de alguma maneira, suscite apetência, atracção, interesse no mundo de hoje. É, portanto, uma missão algo ambiciosa aquela a que me proponho hoje, aqui, trazer.





Em relação à situação atual da Maçonaria, qual é a paisagem das organizações maçónicas hoje em dia em Portugal e no Mundo? Sabemos que na altura da Revolução do 25 de Abril de 1974, devido à repressão ocorrida durante o Estado Novo, a Maçonaria estava quase extinta em Portugal. No dia 25 de Abril de 1974 haveria, no máximo, e com alguma boa vontade, embora os números variem, uma centena de maçons relativamente ativos em Portugal. Digo relativamente ativos porque era muito difícil, nas circunstâncias em que se vivia no Estado Novo, os maçons assumirem-se como tal, não podiam. Mas é também muito difícil para eles praticarem o seu trabalho em loja, fazerem sessões maçónicas em condições normais. O velho Grão-Mestre Luís Rebordão, ao longo do Estado Novo, transportava um pequeno templo maçónico numa maleta, com a qual se dirigia a vários pontos do país, onde havia alguns maçons, e colocava os instrumentos normais no templo, as duas colunas, que naturalmente serial mini-colunas, o tapete a fingir de chão maçónico de losangos pretos e brancos, ou quadrados, e as velas, alguns paramentos, pouco mais do que isso, em casa de particulares, normalmente, se organizavam algumas sessões, rituais maçónicos. Era qualquer coisa de verdadeiramente artesanal, mas que carregava, ao mesmo tempo, todo o peso da clandestinidade. Os maçons encontravam-se, sobretudo, na vida profana, ou seja, empenhados no combate político contra a ditadura, dentro do movimento da corrente republicana, da oposição democrática à ditadura. Era aí que eles se viam mais, entravam em jantares de confraternização, nos momentos eleitorais que o regime concedia com muita parcimónia, e aí, então, os maçons estavam presentes na primeira linha de combate, como aconteceu normalmente, sobretudo, desde o MUD a partir dos anos quarenta, logo a seguir à II Guerra Mundial até ao 25 de Abril.
Durante o período marcelista, assiste-se a uma certa atividade de maçons, nomeadamente nas associações para-maçónicas existentes em Lisboa e no Porto. Em Lisboa, o Internato S. João, fundado por José Estêvão, há 150 anos, aliás, precisamente este ano comemoram-se os 150 anos da fundação do mesmo internato, fundado em 1862, para apoiar as filhas de família desvalidas, nomeadamente órfãs, numa altura em que o Estado Providência não existia. Também no Porto, a partir de 1917, se funda outro internato de S. João para os filhos das mesmas famílias e ainda hoje existem, permanecendo atuantes. Têm hoje o estatuto de instituições particulares de solidariedade social e atravessaram ininterruptamente os tempos da ditadura que nunca ousou extingui-las, e essa era também uma das formas de os maçons se encontrarem, de se entreajudarem e, de alguma maneira, procederem a novas iniciações. Para além desta instituições, o mesmo acontecia na chamada Escola Oficina n.º 1, no Largo da Graça, em Lisboa, uma instituição de ensino extremamente avançada pelos seus métodos pedagógicos para a época, e que também se subsistiu ao longo das décadas da ditadura, que muitas vezes procedia-se a iniciações de novos maçons. Era assim que a cadeia ia sendo prosseguida ao longo dos anos. Lembro, por exemplo, que o Prof. Oliveira Marques, distinto historiador, foi iniciado nos anos 70 antes do 25 de Abril precisamente na Escola Oficina n.º 1. Não é por acaso, no meio de tudo isto, que o Primeiro-Ministro do 1.º Governo Provisório, a seguir ao 25 de Abril de 1974, o prof. Adelino de Palma Carlos, que era Maçon, acabou por ser Primeiro-Ministro. Isto deve-se ao facto, apesar dos maçons serem poucos, da existência da rede de solidariedade entre os maçons; verificava-se, ao mesmo tempo, que havia algumas figuras com prestígio, académicos, por um lado, oposicionistas, por outro, e que essa rede, de alguma maneira, acabasse por apresentar o nome do Prof. Adelino Palma Carlos como candidato a Primeiro-Ministro no 1.º Governo Provisório.



Com o 25 de Abril, a Maçonaria Portuguesa, o Grande Oriente Lusitano (GOL), que era a única instituição maçónica existente em Portugal nessa altura, conseguiu recuperar os seus bens, nomeadamente o velho palácio maçónico da Rua Grande Lusitano, em Lisboa, no Bairro Alto, um palácio comprado em 1869 ao pai de José Relvas, e que ainda hoje é a sua sede, e que esteve ocupada pela Legião Portuguesa desde 1937, na sequência do célebre decreto, ou da Lei de 1901 que extinguia as sociedades secretas, motivo para extinguir a Maçonaria. Essa Lei foi revogada e abolida pelo Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro de 1974, a qual legalizou a Maçonaria Portuguesa, nomeadamente a Associação que lhe dá cobertura cívica e jurídica, que é a Associação do Grande Lusitano, com sede no palácio referido. Não foi tão fácil quanto isso. No início, com aquela confusão caótica do processo revolucionário, logo a seguir ao 25 de Abril, o palácio esteve em risco de ser ocupado por uma comissão de moradores do Bairro Alto, que ali queria instalar a sua sede. Foi preciso a intervenção das Forças Armadas, graças à atuação de alguns maçons que havia dentro das Forças Armadas, ao mais alto nível, que evitou que o palácio fosse vítima dessa ocupação selvagem.
Mas os primeiros tempos do GOL da Maçonaria nessa altura não foram nada fáceis. Não se pense que acorreram pessoas em massa a candidatarem-se a membro do GOL perante a libertação com o 25 de Abril. Apareceram, sem dúvida, os velhos maçons, mas a captação de novos membros decorreu com bastante parcimónia e dificuldade naqueles primeiros anos a seguir ao 25 de Abril. Estou certo de que os primeiros anos não terá havido mais do que algumas escassas centenas de maçons que vieram engrossar as já estritas fileiras do GOL. Em 1976, evidentemente, ocorreu outro facto histórico e significativo, que foi a indemnização que o primeiro Governo Constitucional, sob a chefia de Mário Soares, deu ao GOL, que permitiu reconstruir o palácio, o qual tinha sido bastante danificado e devastado pela presença da Legião Portuguesa. A reconstituição foi um considerável impulso para que o GOL passasse a ter uma atividade mais livre, mais regular, com maior frequência das suas instalações, verificando-se o crescimento que vai ocorrendo, muito paulatinamente ao longo dos anos 70 e mesmo ao longo dos anos 80. No final dos anos 80, mesmo assim, o número de membros do GOL não ultrapassava os 500, os 600! Muito poucos, tendo em conta, relativamente aos tempos de hoje, há mais de dois mil maçons no GOL. Mas, como disse, até ao final dos anos 80 é muito paulatino e deve-se, a meu ver, em primeiro lugar, ao facto, na sequência do 25 de Abril, os grandes protagonistas serem os partidos políticos, os quais são a grande novidade da época. Mais facilmente se acorria às sedes dos partidos políticos, do que evidentemente a uma instituição como a Maçonaria com as suas características muito próprias, que era vista, nesta altura, como algo muito presa ao passado, com um certo sabor arqueológico, que ainda hoje passa para alguns, sendo mais visível naquela altura.
Isto mostra bem, portanto, a dificuldade de crescimento da Maçonaria em Portugal nesta primeira década  a seguir ao 25 de Abril, sendo que a meio dos anos 80 ocorre uma cisão no GOL. Que leva a que cerca de um terço dos seus membros tenha ido constituir outra obediência maçónica, a chamada Grande Loja Regular (GLR), depois de uma cisão ocorrida em 1984 dirigida por um Maçon do GOL, o dr. Fernando Teixeira, distinto médico analista, e que, primeiro, funciona como uma Grande Loja Distrital Portuguesa e depois em 1991 como Grande Loja Regular de Portugal e que em 1996, com convulsões internas, algumas delas transmitidas pela imprensa, se irá converter em 1996 na Grande Loja Legal Regular de Portugal (GLLRP), tendo nessa altura algumas centenas escassas de membros e que hoje em dia é a segunda grande organização maçónica portuguesa, caracterizada pela sua obediência à chamada Maçonaria regular, protagonizada pela Grande Loja Unida de Inglaterra e pelas grandes lojas norte-americanas, que são, sem dúvida, a organização maçónica internacional com mais lojas e com maior número de maçons iniciados. Isto foi um golpe dentro do GOL, obviamente, mas foi também um estímulo para que, através de alguma concorrência que é saudável através destas duas obediências maçónicas, tanto uma como a outra se empenhassem mais no recrutamento de novos membros; e a partir daí podemos dizer que a Maçonaria vai crescendo bastante por efeito desta saudável concorrência, de tal forma que a GLLRP, nestes últimos 20 anos tivesse multiplicado o número dos seus membros e anda atualmente à volta de 2000, pouco mais ou menos que o GOL tem nesta altura.
Para além destas duas obediências maçónicas, nós vamos encontrar hoje mais algumas, uma série delas, muitas delas resultantes de cisões, nomeadamente da GLLRP, que representa a chamada Maçonaria Regular ou Dogmática ligada à Inglaterra e aos Estados-Unidos da América. É o caso da Grande Loja Tradicional de Portugal (GLTP), fundada em 2001, com a obediência à Maçonaria Regular, por razões que tem a ver com a questão das mulheres, porque a Grande Loja Regular não admite mulheres, e esta GLTP, embora partilhando outras características da Maçonaria Regular, nomeadamente a crença do Grande Arquiteto do Universo e a necessidade de acreditar numa verdade revelada, no entanto, entendia que as mulheres podiam fazer parte da Maçonaria e, por isso, separou-se da GLRP, com o nome GLTP. Criou-se também a Grande Loja Feminina de Portugal (GLFP, 1996), uma vez que o GOL, por tradição histórica, não aceitava a presença de mulheres, embora aceitasse convidar mulheres  maçonas para frequentarem os seus templos e aceitasse também participar no trabalho de lojas femininas, como vem a ser o caso depois da constituição da GLFP. Para além destas obediências, existe hoje ainda a trabalhar em Portugal um Grande Oriente Ibérico (GOI), uma obediência espanhola, particularmente galega, fundada na Corunha, que tem algumas lojas a funcionar em Portugal e igualmente a Grande Loja Simbólica de Portugal, também uma obediência mista, tal como o Grande Oriente Ibérico, e que pratica um rito algo estranho e muito esotérico, rito antigo egípcio de Memphis e Misraim, praticada em todo o mundo, mas tendo um número reduzido de maçons. Esta GLSP constitui-se como Grande Loja a partir de 2011; e posso falar-vos também de uma pequena obediência, muito pouco conhecida, chamada Grémio Hebraico, que só aceita judeus, fundada em 2008, com membros reduzidíssimos, creio que não terão mais de 50.
Como vêm, a Maçonaria, nestes últimos vinte anos, por um lado, aumenta substancialmente o número dos seus membros, mas, por outro lado, tem uma certa tendência para uma progressiva fragmentação. Não deixa de ser, apesar de tudo, uma prova de que há um crescente interesse pela Maçonaria, incluído nas jovens gerações, e que leva a esta multiplicação obediencial e, por outro lado, a esta multiplicação de membros.





Como é que estamos relativamente à Maçonaria no Mundo? Temos as duas grandes tendências, as duas grandes famílias maçónicas, a da Maçonaria Regular que não reconhece a indicação maçónicas às mulheres, não as aceita, que acredita num Grande Arquiteto do Universo e, sobretudo, exige aos seus membros a prática de uma determinada religião, qualquer que ela seja, e assente numa verdade revelada, mantendo a tradição da primeira organização maçónica no mundo, fundada em 1717 em Londres, a Grande Loja de Inglaterra, que tem cerca de um milhão e duzentos mil membros no Reino Unido, na Grã-Bretanha, cerca de 22% do seu total; a Maçonaria norte-americana, dividida pelos diferentes estados, com três milhões e duzentos mil membros, cerca de 58% do seu total, que tem também uma forte presença no Brasil, com cerca de cento e cinquenta mil membros, 2, 7%, 4700 lojas legais. Maçonaria no Brasil que está dividida em três grandes confederações, digamos assim, a primeira Grande Oriente do Brasil (GOB), funda logo a seguir à independência, e que foi Grão-Mestre logo nos primeiros tempos o imperador D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal). Contém ainda o Brasil uma Confederação de Grandes Lojas, uma por cada estado brasileiro, e com a chamada Confederação Maçónica do Brasil, que é uma dissidência do GOB, com a qual o GOL tem relações privilegiadas, apesar de não ser uma obediência reconhecida pela Maçonaria anglo-saxónica. Para além desta Maçonaria Dogmática Regular existente no mundo, há uma Maçonaria Liberal e Adogmática, na qual o GOL se integra, e que é uma Maçonaria que baseia toda a sua filosofia no princípio da liberdade absoluta de consciência e que, por esse motivo, admite também agnósticos e ateus nas suas fileiras. Isto vem decerto modo pela cisão da Maçonaria mundial operada em 1877 pelo Grande Oriente de França, que estabeleceu essa regra da liberdade de consciência. Dessa maneira, esta Maçonaria começou a estender-se, nomeadamente pela Europa latina (Portugal, Espanha, França e Itália), e tem vindo a crescer regularmente, Em breve também chegou a constituir-se como uma Maçonaria aberta à inclusão das mulheres e é, por isso, hoje uma Maçonaria que, liberta dos dogmas da Maçonaria Regular e da discriminação do género, tem tendência a crescer bastante mais depressa do que a Maçonaria Regular. Esta, quer nos Estados Unidos quer na Inglaterra, está num processo de estagnação e de envelhecimento pela idade média dos seus membros e, sobretudo, pela não abertura à presença das mulheres no seu seio. A Maçonaria Liberal e Adogmática foi tentando criar as suas próprias organizações internacionais (Já no século XX, o nosso Sebastião de Magalhães Lima pertenceu a uma dessas associações internacionais)) e a partir da II Guerra Mundial esta Maçonaria foi criando novas bases, até que em 1961 na cidade francesa de Strasbourg resolveu criar a sua associação internacional, CLIPSAS – Comité de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Strasbourg. Apelo que baseado na primazia da liberdade de consciência, o grande valor oficial maçónico. Desde aí, este CLIPSAS tem-se desenvolvido: foi fundado por cerca de uma dezena de obediências maçónicas europeias e hoje em dia conta com 74 obediências, divididas pelos vários continentes, com uma forte presença europeiqa, sul-americana (Brasil, Argentina, Chile e Colômbia), alguns países africanos (Marrocos e Congo) e no Médio-Oriente (particularmente no Líbano). O crescimento da Maçonaria Liberal hoje em dia é bem maior do que a Maçonaria Regular e Dogmática.




Está aqui traçada a maçonaria em Portugal e no Mundo, mãos do ponto de vista quantitativo do que propriamente filosófico, e acho que é altura de passar precisamente a uma reflexão sobre, por um lado, os obstáculos que hoje se colocam à sua credibilidade e prestígio, as ameaças sobre a sua imagem e, por outro lado, a uma reflexão sobre o sentido que faz hoje a Maçonaria, qual a sua utilidade, qual a sua necessidade.
Creio não me enganar muito, se disser que os principais obstáculos ao prestígio e à credibilidade da Maçonaria são aqueles que têm a ver com a cultura do segredo, sobretudo numa sociedade democrática e aberta como deve sé hoje em dia a nossa, e, por outro lado, aquela que tem a ver com as suas relações políticas e económicas, que igualmente levantam muitas desconfianças e muitas reservas.
O segredo maçónico o que é? O segredo maçónico tem várias dimensões. Há um segredo maçónico que incide sobre o próprio ato da iniciação do maçon (porque a Maçonaria é uma ordem iniciática), sobre os ritos, sobre os símbolos. Contudo, estamos perante um segredo relativo, porque hoje a internet trás tudo, já que vemos lá muita coisa sobre os ritos, os símbolos da Maçonaria. Mas atenção: uma coisa é conhecer os símbolos e os ritos da Maçonaria pela internet, outra coisa é conhecê-los e vivê-los através de um ato vivencial da iniciação e do próprio trabalho em loja que envolve toda uma vivência interior que é dificilmente transmissível pela internet, já que tem a ver com o foro de cada um de nós.
A segunda dimensão do segredo maçónico tem a ver com o sigilo que os maçons assumem relativamente à condição de maçon, já que nenhum maçon pode revelar a identidade dos seus membros.
A terceira dimensão tem a ver com o direito de cada maçon se identificar a ele próprio ou não como maçon. Isto deve ficar á consciência de cada um.
Do mesmo modo em relação à política, já que são os maçons que individualmente como tal que devem, e têm muitas vezes, e infelizmente, uma intervenção política ativa e militante. Não é a Maçonaria como organização que tem essa intervenção: a Maçonaria não é uma organização de massas como o são os partidos políticos, não pode nem deve ter enquanto instituição essa intervenção. A Maçonaria procura, sim, situar-se num espaço ético-cívico, suprapartidário, proclamando os valores humanistas e fraternalistas. Os maçons não obedecem, no plano da ação política, a nenhuma central de comando. A ordem maçónica assume-se, sobretudo, como escola de formação de homens, como sociedade intermédia entre o indivíduo e o Estado através da defesa de uma série de valores éticos, morais e sociais, de recorte iluminista, como os que levaram á abolição da escravatura e da pena de morte, e à implantação da democracia e das suas conquistas, no plano dos direitos humanos, com destaque para a laicidade e o desenvolvimento cultural. É só neste sentido que a Maçonaria se reveste na sua dimensão política, mas não enquanto máquina organizada com vista à conquista e conservação do poder.
E assim chegamos ao terceiro e último ponto da minha intervenção: que sentido faz hoje a Maçonaria, qual a sua utilidade, qual a sua necessidade.





Penso que o sentido e a necessidade hoje da Maçonaria tem a ver com as suas dimensões essenciais. Primeira dimensão: o seu carácter de vanguarda ético-cívico como escola de formação, como já acentuei. Em segundo lugar, o seu carácter de ser uma espiritualidade laica, não religiosa, mas também anti-religiosa. É através destas duas dimensões que a Maçonaria pode, ainda hoje, exercer atração e fascínio sobre as pessoas. A Maçonaria, como vanguarda ética e cívica, portadora de um conjunto de valores de uma ética humanista, fraternalista e universal, os quais os maçons procuram implantar por diversos meios e caminhos, é uma vanguarda ética e não política, não atuando como organização política, porque o único e superior poder que busca é dos ideais e valores da moral universal que preconiza, a saber, a conhecida trilogia liberdade, igualdade e fraternidade, mas à qual acrescento sempre, para fazer desta trilogia uma pentalogia, também o valor da laicidade e o valor da cidadania. E é evidente que a Maçonaria, sejam quais forem as obediências, procura ser a consciência da reserva moral da República e é, por isso, que os maçons não podem desertar do combate, cabendo-lhes resistir, onde outros claudicam, e dar o exemplo de determinação e coragem no empenhamento em causas cívicas. Por que meios? Através naturalmente da atuação do empenhamento individual dos seus membros em organizações de carácter cívico, político, cultural e de solidariedade social, através das atividades da própria ordem, das suas lojas viradas para o mundo profano (muitas lojas organizam encontros, colóquios, conferências, publicações, através da palavra pública do Grão-Mestre em determinadas circunstâncias também).
Isto enquanto vanguarda ético e cívica. Enquanto espiritualidade laica: espiritualidade porquê? Porque o maçon parte da experiência da incompletude e da falha e da imperfeição de cada um para o conduzir na via do progressivo autoaperfeiçoamento moral e do autoconhecimento em busca do sentido e da verdade, estando aqui patente o privado ético do espírito sobre a matéria. Espiritualidade não-religiosa porquê? Porque não aceita dogmas, não é um sistema de pensamento com pretensões de totalidade, ou de fabrico de uma imagem completa do homem e do mundo, porque não revela uma verdade superior, nem constitui uma doutrina por vias da revelação de um profeta, é antes uma organização com vida, à busca desinteressa da verdade e do sentido, embora partilhe com as religiões uma linguagem simbólica e práticas rituais como forma de difusão e de vivência da sua filosofia e espiritualidade. A Maçonaria é esse lugar em que permanecemos livres de acreditar ou não um Deus, e de darmos a esta palavra o sentido que quisermos. Através da Maçonaria, tanto podemos encontrar o inferno a partir do agnosticismo, como fazer o caminho inverso para uma procura desligada de qualquer laço a uma revelação. É essa também a riqueza da Maçonaria. Mas espiritualidade não anti-religiosa porquê? Porque admite no seu seio crentes de diversas religiões, na base do princípio da liberdade absoluta de consciência, exaltando a virtude da tolerância, entendida como respeito pelas todas as crenças e no direito de exprimi-las livremente, na senda filosófica de um dos maiores maçons da história, Voltaire.
Perseguida pela Igreja Católica durante alguns séculos, pelo menos até ao Concílio Vaticano II, olhava com desconfiança para outras religiões, nem por isso a Maçonaria deixou ao longo da sua história de conquistar adeptos das mais diversas crenças religiosas e a partir, sobretudo, dos finais do Século XX de agnósticos e de ateus. No trabalho em loja, todos se uniam na preocupação de realizar esta ética universal, reforçando a cadeia de união fundada na fraternidade e no respeito pela liberdade da crença de cada um. E é sobejamente conhecido o papel que os maçons desempenharam nos últimos três séculos no combate pela liberdade de consciência da religião, como condição para a paz no mundo e na defesa do princípio da laicidade como garantia jurídico-constitucional do exercício efetivo dessa mesma liberdade religiosa. Nesse combate, os maçons não tiveram apenas que enfrentar os fundamentalismos de natureza religiosa, mas também, como é sabido, os totalitarismos políticos de base ideológica, fossem os fascistas ou os comunistas, e se estes acabaram por ser derrotados em quase todo o mundo, o certo é que aqueles, os fundamentalismos de natureza religiosa, apesar da nítida evolução da Igreja Católica a partir do Concílio do vaticano II, continuam a ressurgir um pouco por todo o lado, mas com especial acuidade no neo-evangelismo protestante americano e em determinadas correntes radicais do islão, com as consequências dramáticas que se conhecem, ou seja, a inclusão de práticas violentas, guerreiras e terroristas, exercidas em nome de crenças de natureza religiosas com objetivos de natureza política. O que torna por vezes difícil discernir se é o poder político que manipula os sentimentos religiosos, ou se é a religião que se serve do poder político para impor como verdade única e absoluta, ou se ambas as situações se potenciam uma à outra.






Simultaneamente, a difusão de uma cultura pós-moderna, assente no individualismo perante o relativismo dos valores, lançou novos desafios ao personalismo humanista e da ética universal dos direitos humanos que inspira filosoficamente a ordem maçónica. A Maçonaria encontra-se hoje perante um duplo desafio do recrudescer dos fundamentalismos religiosos, mas também da emergência de uma cultura materialista e consumista alheia a uma hierarquia de valores, mas na qual a “morte de Deus” não deixa de favorecer em compensação a libertação dos indivíduos da autoridade das esferas religiosas. Este é um dos grandes paradoxos do mundo financeiramente globalizado, mas atravessados, ao mesmo tempo, por nítidas contradições de natureza cultural. Um mundo marcado tanto pelo regresso do religioso, infelizmente nas suas formas mais perversas, como pela referida “morte de Deus”, com a sua ambivalente consequência, libertação as consciências, mas também perda de referências morais e a alienação do ser no ter. Ira bem, não surpreende por isso que nos últimos anos se tenha vindo a assistir no mundo ocidental a inclusão de diversos movimentos e correntes de pensamento em busca daquilo que poderíamos chamar uma espiritualidade laica ou sem religião, desenvolvendo-se uma arte de viver que dispensa a inspiração ou a tutela das religiões instituídas, em nome daquilo a que poderíamos chamar uma sabedoria laica.
Neste contexto, a própria Maçonaria já vem beneficiando do crescente anseio por uma alternativa espiritual laica, capaz de conjugar uma síntese criativa, um conjunto de dimensões que dificilmente vemos reunida nas outras espiritualidades laicas. Quais são estas dimensões? A Maçonaria consegue organizar uma síntese criativa. Em primeiro lugar, o aprofundamento da vida interior e da busca do aperfeiçoamento moral, em diálogo com o outro, em ambiente de grande tolerância e de respeito pela pluralidade de crença das ideias. Segunda dimensão: a satisfação da sede do simbólico, com a exigência de um suplemento de alma, que nos liberta dos limites e dos constrangimentos de uma visão materialista do universo e da vida. Terceira dimensão: a defesa dos valores de uma ética racionalista universal, inserida na tradição histórica de combate pela sua implantação na sociedade. Quarta dimensão: um investimento em prática operativa de solidariedade social.
É a meu ver esta capacidade para juntar tão diversas dimensões que dá hoje à Maçonaria ter um espaço próprio e de ser uma força atrativa especial, perante outra espiritualidade ou simples organizações de natureza política, cultural ou estritamente filantrópica. É também esta capacidade que a torna apta a responder aos desafios complexos do mundo de hoje, bem como satisfazer os anseios de todos aqueles que não se contentam com as tradicionais formas institucionais. A Maçonaria, hoje, permite-nos, além disso, preencher o vazio as grandes narrativas ideológicas e utópicas de legitimação, essas filosofias deterministas da história agora em crise, tal como são o positivismo, o marxismo ou o neo-liberalismo.






quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A Maçonaria Hoje



Para o encerramento do V Ciclo de Conferências, dedicado este ano à temática “A Maçonaria em Portugal: do século XVIII ao século ao século XXI”, a Câmara Municipal de V. N. de Famalicão e o Museu Bernardino Machado convidaram o Prof. António Reis. A conferência do Prof. António Reis com o título “Maçonaria Hoje” irá decorrer no próximo dia 9 de Novembro, pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado. Com a entrada livre, recebendo os participantes certificado de presença, estas conferências são acreditadas pelo Conselho Científico de Formação Contínua de Professores, nomeadamente para os professores das disciplinas de História, Filosofia e de Sociologia.
Professor Auxiliar Aposentado da Universidade Nova de Lisboa, o Prof. António Reis, licenciado em Filosofia pela Universidade de Friburgo (Suíça), é Doutorado em História Cultural e das Mentalidades Contemporânea e investigador do Instituto de História Contemporânea da referida Universidade. Com vários livros e dezenas de artigos publicados na área da História Contemporânea (a saber, “O Marxismo e a Revolução Portuguesa”, 1979 ou “Raúl Proença: biografia de um intelectual político republicano”, 2003, entre outros, e em coautoria e de direção, nomeadamente “Portugal: vinte anos de democracia”, 1994), o Prof. António Reis foi Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano-Maçonaria Portuguesa entre 2005 a 2011 e, mais recentemente, foi eleito Presidente do CLIPSAS, a maior organização mundial da Maçonaria Liberal e Adogmática, para o mandato entre 2011 a 2014. Destaca-se igualmente o facto de ter sido redator da revista “Seara Nova”, entre 1969 a 1974, e mais tarde foi diretor-adjunto da revista “Finisterra”.
Com uma atividade social e política relevante e de mérito, antes e pós-25 de Abril de 1974, o Prof. António Reis, para além de ter sido um dos cofundadores do Partido Socialista, foi agraciado em 25 de Abril de 2004 com o Grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Atualmente, integra o Comité de Especialistas escolhidos pelo Parlamento Europeu para orientar a criação da casa da História Europeia.
Recordamos que esta não é a primeira vez que o Prof. António Reis vem a V. N. de Famalicão: em 1999 esteve presente nos II Encontros de Outono (“Política Cultural”), em 2005 no I Ciclo de Conferências Os Presidentes da República (“Soares Presidente: a magistratura de influência”) e, finalmente, em 2006, nos VII Encontros de Outono (“O Exílio Socialista Organizado: da ação socialista ao Partido Socialista”). Acrescento, igualmente, que o Prof. António Reis esteve presente nas Comemorações dos 75 Anos da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, em 1988.




terça-feira, 6 de novembro de 2012

Bernardino Machado e a Agricultura


Esta é a surpresa que prometi ao Dr. Manuel Sá Marques. Espero que goste. Com o meu abraço fraternal de amizade e de saudade.

“E a agricultura portuguesa convenceu-se de que para o seu desenvolvimento precisava, sobretudo, de se instruir…”
Bernardino Machado




Uma das primeiras referências de Bernardino Machado relativamente à agricultura, vem já do ano de 1883, intervindo na Câmara dos Deputados a propósito dos discursos pronunciados dos “senhores deputados a favor da cultura do tabaco no Douro”. Em representação da então Comissão de Defesa do Douro, Bernardino Machado pretende que o governo de Fontes Pereira de Melo apresentasse um projecto lei sobre a cultura do tabaco na região do Douro. Considerando que “o estado do país vinhateiro era angustioso”, registando-se a “falta de trabalho, a emigração e a diminuição do consumo”, causas que representavam o decréscimo da “indústria e do comércio do vinho”, a proposta de Bernardino Machado e da respectiva Comissão é que se não pretendesse “estabelecer definitivamente no Douro a cultura do tabaco”, mas sim estabelecê-la de forma transitória.
Em 1893, no governo de Hintze Ribeiro, e Ministro do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, entre Fevereiro a Dezembro (Ministério que tem como seus sucessores Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Ministério da Economia e da Inovação e Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas), Bernardino Machado propôs várias medidas de desenvolvimento, as quais podemos retirar segundo uma resenha do próprio, no discurso que então pronunciou no Congresso Vitícola Nacional de 1895:





Sr. presidente, durante a minha gerência ministerial, entendi que devia acompanhar este movimento para fomentar a intensidade da produção, e fiz, pela primeira vez, a distribuição de adubos e de preparados cúpricos garantidos. Seguindo o pensamento do meu ilustre antecessor, o sr. Visconde de Chanceleiros, eu pela primeira vez pude adquirir plantas exclusivamente dentro do país para a renovação dos nossos vinhedos; e acrescentei o número de viveiros oficiais, ao norte e ao sul do país.
Para fomentar o aperfeiçoamento do fabrico, tendo visto os resultados obtidos pela Companhia Vinícola do norte do país, resultados realmente credores de todo o aplauso, entendi que devia, ao sul, subsidiar uma outra companhia, também credora de todas as simpatias, a União Vinícola e Oleícola de Viana do Alentejo, para ela poder levar a efeito a construção dum lagar e adega sociais.
Igualmente, dei a mão ao movimento associativo, e apoiei no parlamento e no meu ministério a proposta para a formação de sindicatos agrícolas, apresentada pelos srs. deputados Alfredo Barjona de Freitas e Dinis Moreira da Mota. Estimo deveras ter ensejo de prestar homenagem, diante de um, a ambos esses deputados, que foram os primeiros a exemplificar a importância do princípio associativo, organizando, um, um sindicato no continente e o outro um sindicato nas ilhas.
E, como a grande mola é a instrução, eu, de mais a mais, na minha antiga e nunca esquecida qualidade de professor, procurei impulsar o ensino agrícola, reformando as escolas de viticultura, no sentido de as tornar verdadeiramente práticas para prepararem capatazes vitícolas e mestres de adegas, e dotando o Instituto Agrícola com mais tempo lectivo para o ensino da viticultura e com uma quinta anexa para campo de experiências. Mas, como o ensino não se faz unicamente nas escolas, e o ensino não é só para os adolescentes, é também para os adultos – honrado pela colaboração dos srs. Jaime Batalha Reis e Cincinato da Costa, iniciei no país conferências  para a vulgarização dos melhores processos de cultura da vinha e de fabrico dos nossos vinhos, bem como das prescrições que os comerciantes deviam seguir para a colocação dos vinhos no estrangeiro. E, sr. presidente, além do ensino dado na escola, além do ensino dado pela palavra oral, pude fundar uma biblioteca agrícola, destinada a espalhar pelo país as melhores publicações agrícolas, e, portanto, também sobre viticultura.


Neste discurso, publicado mais tarde na brochura “Os Vinhos Portugueses” (1897), realça-se a preocupação pela reorganização dos estabelecimentos de ensino, como foi o caso do Instituto de Agronomia e Veterinária, a protecção à agricultura, tentando promovê-la através da educação e de uma instrução prática, tendo em vista o desenvolvimento económico da mesma, assim como com o comércio dos nossos vinhos, planeando, ao mesmo tempo, a sua propaganda, ou o seu respectivo marketing, no mercado estrangeiro. A este propósito dirá Bernardino Machado que “não basta fazer a propaganda dos nossos vinhos, não basta demonstrar a sua valia, as suas qualidades”, sendo “indispensável defendê-los dentro do país e fora dele.” E continua: “Para os defender dentro do país temos um meio, que é o imposto de importação”; por seu turno, o outro problema, defender os nossos vinhos no estrangeiro, tal situação promove-se pela edificação de tratados comerciais, para evitar assim que as falsificações, as quais promovem a concorrência “desleal”.
E se a “grande mola é a instrução”, Bernardino Machado vai criar em 30 de Junho de 1893 a Biblioteca Nacional Agrícola, para promover a instrução às populações rurais e “vulgarizar os factos que a ciência e a experiência têm colhidos e são, sem dúvida, a base dos novos métodos de cultura e de fertilização das terras.” Para além desta situação, e para desenvolver a “lavoura nacional”, esta Biblioteca Nacional Agrícola tem como um outro objectivo estimular a criação de obras, na medida em que se reconhece a “ausência de livros” para uma “imediata utilidade prática”. A Biblioteca Nacional Agrícola divide-a Bernardino Machado em quatro partes ou secções: i) secção de ensino primário e agricultura; ii) secção do cultivador, estando destinada ao ensino elementar para uma agricultura prática; iii) a secção do lavrador, a qual poderia servir para o ensino superior de uma agricultura prática e, finalmente, a secção do ensino primário, a qual compreende os livros que estavam destinados a desenvolver nos estudantes de instrução primária o gosto pela agricultura.