sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O Centenário da Caixa de Crédito Agrícola

O ano de 1913 em Vila Nova de Famalicão é um ano particularmente rico em acontecimentos, nomeadamente no campo social, cultural, educativo, político e económico. Se no campo social e económico é criado o Sindicato Agrícola (dando continuidade à Associação de Agricultura Famalicense, fundada em 1911), por outro lado, no campo social surgirá a Guarda Nacional Republicana. Por seu turno, no campo cultural, a Associação de Classe dos Empregados do Comércio (existente desde 1904), irá fundar a sua Tuna dos Empregados do Comércio e o seu Grupo Dramático Caixeiral, como irá surgir o Salão Olímpia. Ainda no campo cultural, teremos a grande obra dos republicanos e da comunidade famalicense com, sob o impulso de Sousa Fernandes, a criação da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, enquanto que no campo educacional, no Louro, será fundada a Escola Agrícola D. Maria das Dores. Se sairá o primeiro presidente da Câmara Municipal eleito nos tempos da República, pioneira na edificação da Biblioteca, a então Vila de Famalicão será igualmente pioneira no campo económico, sendo criada a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Famalicão, tendo sido, na época, uma das primeiras a surgir em todo o Minho. Neste sentido, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Médio Ave (doravante CCAMMA) tem celebrado ultimamente o seu centenário, resolvendo publicar o livro “CCAMMA: 1913-2013-Um Século de Crédito Agrícola em Famalicão”. Fundada por algumas personalidades oriundas do Sindicato Agrícola, os autores do referido livro, Cláudio Garcia e Fernando Mendes, não só estabelecem um enquadramento social, económico e histórico-político de Famalicão, assim como do Médio Ave, como explicam igualmente a evolução histórica do crédito agrícola mútuo, desde D. Sancho I até aos nossos dias. Profusamente ilustrado, contém ainda uma tábua cronológica, permitindo assim ao leitor contextualizando-se no apogeu e nas vicissitudes da instituição económica famalicense centenária. De salientar, a referência que faz a Bernardino Machado (ficando desculpada a falha da não referência ao Museu com o seu nome) o qual, no seu Ministério de 1914, instituiu a mutualidade agrária. Acrescento e recordo que estas preocupações machadianas têm já a sua génese em 1893, sendo então Ministro das Obras Públicas no governo de Hintze Ribeiro. Aqui, não só fomentou e desenvolveu o ensino técnico, comercial e agrícola (instituindo a criação de uma Biblioteca Agrícola), como já tinha apoiado a constituição dos sindicatos e das cooperativas agrícolas. Da mensagem do Conselho de Administração da CCAMMA cito este pequeno fragmento: “Sem memória não há perspectiva de futuro. / Uma instituição que preserva a sua história divulgando-a e valorizando-a é uma instituição com identidade própria e com força para enfrentar os desafios do futuro. / É uma instituição que se orgulha da sua cultura, das suas tradições e do seu património.” A CCAMMA está de parabéns!

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"Cem (e mais alguns) Anos de Livros", de Amadeu Gonçalves



Na próxima Sexta-Feira, dia 6 de Dezembro, pelas 10h15, na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, vai ser apresentado o livro de Amadeu Gonçalves com o título "Cem (e mais alguns) Anos de Livros". Este livro terá a apresentação de Henrique Barreto Nunes, figura incontornável da Leitura Pública em Portugal (fez também a introdução). Fica aqui um pequeno extracto, referente à fundação da Biblioteca, a qual aconteceu no dia 5 de Outubro de 1913 no âmbito das comemorações do III Aniversário da Implantação da República em Portugal.

Será, nomeadamente, em 3 de Agosto de 1913 que o “Estrela do Minho” noticiará nas seguintes palavras a futura inauguração da Biblioteca Municipal, indicando os respectivos melhoramentos:

Será inaugurada muito breve a biblioteca pública, que o município oferece aos estudiosos e já conta com mais de dois mil volumes, embora começasse só há alguns meses a organizar-se. Deve-se este belo resultado à tenacidade e boa vontade do presidente do Município, sr. Sousa Fernandes, que pelos seus amigos tem conseguido todos aqueles livros e ainda bastante dinheiro para a compra de outros. / A biblioteca vai ser servida por mais uma porta para o exterior do edifício e logo que os recursos o permitam, estará de noite franqueada ao público. / É mais um belo melhoramento importante para Famalicão, devendo-se muitos louvores a quem o iniciou[1].
Por seu turno, “O Porvir” começará por realçar as comemorações do III Aniversário da República e a respectiva comissão que o município organizou para a realização das mesmas. Assim sendo, em 25 de Setembro informa que “para tratar das festas comemorativas do 3.º ano da República nomeou a Câmara uma comissão constituída pelos srs. Dr. Delfim de Carvalho, Joaquim Malvar, António Gama, Albino Marques, Alípio Guimarães, Jaime Valongo, dr. Rodolfo Aguiar e Alfredo Costa, a que, também por nomeação camarária, foi agregada a junta paroquial da vila. / Na sua primeira reunião, que foi ontem, deliberou esta comissão que o programa das festas fosse o seguinte: alvorada com música e salvas; bodo aos pobres; bodo aos presos; inauguração da biblioteca; conferência no Salão da Câmara por um orador de fora[2]”; e a 2 de Outubro noticia não só a inauguração da Biblioteca[3], como igualmente as actividades que se irão realizar nas freguesias no âmbito das comemorações da República[4] e a oferta de um busto da  República[5].
Ora, o que terá acontecido nesse dia 5 de Outubro de 1913 em V. N. de Famalicão? Conforme o Convite institucional que o município famalicense então enviou para imprensa, convidando a população e inserindo o programa das actividades festivas do aniversário da Proclamação da República, no jornal “O Porvir”, de 2 de Outubro de 1913, lemos nesse convite que “a comissão dos festejos tem a honra de convidar todas as pessoas, sem distinção de classes, para assistirem aos actos comemorativos da data gloriosa de 5 de Outubro que se realizam nesta vila”, solicitando ainda que “a todos os habitantes desta localidade pede a mesma comissão para embandeirarem e iluminarem as fachadas dos seus prédios”, constando do programa: “às 9 horas, almoço aos presos das cadeias desta, com assistência do corpo judicial; bodo aos pobres da freguesia da vila às 13 horas, no edifício das escolas, salão do sexo feminino; às 15 horas inauguração solene da Biblioteca Municipal.” Mais nos diz este convite “à alvorada, a música percorrerá as ruas da vila tocando o hino nacional e far-se-á ouvir também em todos os actos constantes do programa”.
Para “O Comércio do Porto” nada se realizou do programa na vila, só havendo as comemorações na freguesia do Louro[6], destacando a trovoada que então se fez sentir. A informação mais completa e detalhada acabou por sair no jornal “A Montanha”, do Porto, com o sub-título “Diário do Partido Republicano Português” (I), notícia que aliás mereceu uma objecção do jornal “Desafronta”, o órgão do Partido Republicano Evolucionista de V. N. de Famalicão (II), criticando o entusiasmo dos republicanos famalicenses, conforme as notícias do jornal “O Porvir”[7], analisando de seguida as festas em Famalicão. Vejamos os textos referidos:
I)
Outubro, 5. O que foram aqui as festas de 5 de Outubro. / De manhã, a alvorada, grande quantidade de foguetes estralejaram nos ares e uma banda de música percorreu as ruas tocando «A Portuguesa» e a «Maria da Fonte». / Às 13 horas houve no salão da Escola do Sexo Masculino a distribuição da boda aos pobres, em número de 35, recebendo cada um 10 centavos, um cobertor e 2 broas de pão. / Presidiu o ilustre senador sr. Sousa Fernandes, secretariado pelos srs. dr. Delfim de Carvalho e Henrique Garcia. / Achavam-se presentes muitos cavalheiros. Entre eles lembra-nos ter visto os srs. Daniel Santos, administrador do concelho Rocha Carvalho, Zeferino Bernardes Pereira, Alfredo Costa, Eduardo Joaquim da Silva, Augusto Sampaio, Jaime Valongo, Augusto Trindade, dr. Rodolfo Aguiar, Lino Guimarães, dr. [António] Matos, Armindo Costa, Delfim Silva, Júlio Santos, Joaquim Portela, Júlio Coimbra, José Sampaio, José Teixeira, Horácio Garcia, etc. / O sr. Sousa Fernandes pronunciou um brilhante discurso alusivo ao acto, sendo no final muito aplaudido e ouvindo-se vivas à República. / A seguir todos se dirigiram para os paços do Concelho, onde se inaugurou a nova Biblioteca Municipal, com 2439 volumes. / O sr. Sousa Fernandes, fazendo uso da palavra, falou largamente, ficando os assistentes muito bem impressionados com as palavras de S. Ex.ª. Estes assinaram no fim o acto de inauguração. / Os bombeiros municipais e a Guarda festejaram com estrondo o aniversário da proclamação da República, achando-se os seus quartéis lindamente ornamentados. Estas duas corporações, durante os dias de ontem e de hoje têm feito queimar uma grande quantidade de fogo. / É comandante da Guarda Republicana o nosso prezado amigo e correligionário sr. Luís Gonzaga Caseiro. A este agradecemos a gentileza do convite que nos enviou para comparecemos à sessão solene que no seu quartel se realizou. Sobre esta nada podemos dizer, infelizmente, pois que não podemos comparecer, devido ao tempo e à nossa saúde. / Na freguesia do Louro, deste concelho, também se realizaram grandes festejos em honra da República, promovidos pelo nosso distinto correligionário sr. José de Araújo Carvalho. / Falaram na sessão solene os nossos amigos srs. Manuel Ferreira de Sousa, professor do Liceu da Guarda, António Maria Pereira, professor oficial desta vila, António Nogueira, professor oficial de Gavião, etc. / A corporação dos Bombeiros Municipais fez-se representar, a pedido da comissão das festas, por um piquete. / E assim tão brilhantemente acabaram nesta vila e concelho as festas de 5 de Outubro[8]. (itálico meu)
II)
Não despertaram o entusiasmo que seria para desejar, não só aqui como por todo o país, as festas comemorativas do 3.º aniversário da República. / Procurou justificar-se essa frieza com o mau tempo, que embora algum mal pudesse ter feito, não foi, ainda assim, o principal motivo dessa falta de entusiasmo. / As festas não eram feitas à República, mas sim ao sr. dr. Afonso Costa. Deu-se-lhe um carácter partidário, fazendo avultar a figura do homem que infelizmente nos governa, e nem ao menos nesse dia de recordações patrióticas, de festa nacional, se deixou de hostilizar homens que pelo muito amor que têm à República e pelo muito que prezam o seu nome, cada vez desejam ver mais afastados do grupo democrático. / Até nesse dia, os defensores da República do sr. Afonso, que cada vez contrasta mais com a nossa, com aquela que defendemos e havemos de ter, até nesse dia a canalha demagógica, com as costas guardadas pelo auxílio do alto, se lembrou de berrar avinhados gritos de hostilidade junto às portas do sr. António José de Almeida e Machado Santos! / E por aí fora, nessas festas de província, enquanto o sr. Afonso Costa era exaltado, apesar do que de S. Ex.ª se sabe já, e do que ainda possa vir a descobrir-se, os nomes daquelas duas figuras grandiosas da República, quando não fossem esquecidos, eram apenas lembrados para que qualquer orador barato se julgasse no direito de lhes fazer recriminações para agradar à seita. / Resultado: os republicanos sérios, que nada querem com o sr. Afonso Costa, vem com a sua gente, absterem-se das festas. / Daí a indiferença que por toda a parte se notou. / As festas eram deles? Pois que as fizessem. Não se diga que foi a chuva que prejudicou tudo. / Bem pouca seria a dedicação pelo ideal se a chuva de Domingo evitasse que por amor dele se dessem meia dúzia de passos. Mas alguma coisa se aproveitou dessa lição: o sr. Afonso Costa viu com o que podia contar e o sr. Presidente da República teve ensejo de ver as condições em que o Governo pôs o país. / Em Famalicão, apesar do que se mandou dizer para a “Montanha”, e por onde pode avaliar-se o conceito que deve ligar-se a um tal informador, as festas decorreram frias, desanimadas, com uma indiferença que foi a mais eloquente prova de que o prestígio democrático cá na terra está bem abalado. / É claro que nada tem com estas coisas a Comissão nomeada para levar as festas a efeito, a qual cumpriu o seu dever, e mete no programa dois números que nos são altamente simpáticos: o almoço dos presos e o bodo aos pobres. / Apenas uma coisa não pôde conseguir a Comissão: levar o povo da terra a interessar-se pelas festas, a animá-las com a sua presença, a ouvir a palavra do sr. Sousa Fernandes, que para cobrir a desautorização que recebeu, se fingiu indignado com o tempo chamando à chuva talassa e reacionária! / Na «Montanha», apesar do que aí fica, e que é a expressão da verdade, embora nos magoe ter de confessá-lo, fez-se largo escarcéu das festas, dizendo-se que foi grande a assistência à sessão solene. Mas como se diz que todos esses assistentes assinaram o auto da inauguração da Biblioteca, nós tivemos ocasião de verificar que esse auto não chegou a ser assinado por 20 pessoas! Para que se veja como é feita de mentiras a política democrática…[9] (itálicos meus).
De qualquer maneira, do programa da vila apenas não se concretizou a conferência que seria pronunciada no Salão da Câmara “por um orador de fora”, não se apresentando já no convite público, sendo a BMCCB inaugurada às 14h00, e não às 15h00, no âmbito das comemorações do III Aniversário da Implantação da República em Portugal. Com o regulamento aprovado em 27 de Setembro (ver anexo), no auto de inauguração da “Bibliotheca Municipal do Concelho de Famalicão”, Sousa Fernandes dirá que “conquanto a criação da Biblioteca não seja propriamente iniciativa da Câmara, é certo que a Câmara se empenhou em dar cumprimento ao decreto… por reconhecer digno de toda a consideração visto que tem por fim instruir o povo. E então não havendo verba orçamental para ocorrer a todas as despesas de instalação recorreu às ofertas quer de livros, quer de dinheiro dos compatriotas que se dedicam ao bem da instrução e ao engrandecimento da nossa terra.” Quer o “Estrela do Minho” (I), quer (II) “O Porvir”, referem-se ao acto fundacional do novo equipamento cultural de V. N. de Famalicão nos seguintes termos, aliando-o, como assim tem sido, à instrução.
I)

“Inaugurou no Domingo passado esta nossa biblioteca pública, constituindo este acto, como estava anunciado, um número das festas com que nesse dia se comemorou o advento da República. / A solenidade teve lugar no próprio recanto da biblioteca, devidamente ornamentado para o fim, assistindo muitas pessoas dotadas da vila e concelho, e tocando por vezes uma banda de música postada no átrio dos Paços do Concelho. / Eram 14 horas quando o sr. Sousa Fernandes tomou a palavra falando largamente sobre o assunto daquele novo centro de estudo e instrução que ia abrir-se para o povo de Famalicão, terminando às 15 horas por um vibrante viva a República que o selecto auditório repetiu em coro. / A biblioteca, que desde terça-feira está franqueada ao público durante as horas regulamentares, e de acordo com o regulamento já aprovado pela Câmara, foi inaugurada com 2439 volumes, sendo 1909 oferecidos por 98 cavalheiros do nosso concelho e de fora dele e 530 comprados com 275 escudos oferecidos em dinheiro por 23 outros generosos cidadãos que para esse fim ofereceram as suas verbas…[10]
II)

Inaugurou-se no Domingo passado esta nossa biblioteca pública, constituindo este acto, como estava anunciado, um número das festas com que nesse dia se comemorou o advento da República. / A solenidade teve lugar no próprio recinto da biblioteca, devidamente ornamentado para o fim, assistindo muitas pessoas gradas da vila e concelho, e tocando por vezes uma banda de música postada no átrio dos Paços do Concelho. Eram 14 horas quando o sr. Sousa Fernandes tomou a palavra falando largamente sobre o assunto daquele novo centro de estudo e instrução que ia abrir-se para o povo de Famalicão, terminando às 15 horas por um vibrante viva às República que o selecto auditório repetiu em coro. A biblioteca, que desde terça-feira está franqueada ao público durante as horas regulamentares, e de acordo com o regulamento já aprovado pela Câmara, foi inaugurada com 2439 volumes, sendo 1999 oferecidos por 98 cavalheiros do nosso concelho e de fora dele, e 530 comprados com 275 escudos oferecidos em dinheiro por 23 outros generosos cidadãos que para esse fim ofereceram as suas verbas […] À imprensa. Agora que a Biblioteca Municipal está aberta ao público, Câmara vai fazer um apelo à imprensa do país para que, pela remessa para ali das suas publicações, façam aquele gabinete de leitura de livros um gabinete de leitura de jornais. / A começar, já hoje, no lugar mais próprio, inserimos esse convite às publicações locais[11].
A BMCCB abrirá ao público com um horário curioso, conforme o estipulado no Artigo 3.º do seu Regulamento: “Nos dias úteis, a Biblioteca está aberta de 1 de Abril a 30 de Setembro desde as 20 horas às 22 horas; de 1 de Outubro a 31 de Março desde as 19 às 21”, com abertura aos Domingos, sendo “o horário da noite o mesmo de todos os dias úteis, sendo o diurno das 10 às 13 horas” (quem acabará com o horário de Domingo será a vereação de Júlio Gonçalves de Araújo, representando-o então, em ofício de 1 de Agosto de 1921, Francisco Correia Mesquita de Guimarães). Posteriormente, “O Porvir”, para mais esclarecimento dos seus leitores, publica o Regulamento da Biblioteca Municipal, um apelo para novas doações (principalmente para a constituição de um “Gabinete de Leitura de Jornais”), e um anúncio no qual dá a conhecer as obras repetidas para troca, publica a lista dos doadores e a conta da Biblioteca, assim como a lista dos doadores em dinheiro, tendo sido, indiscutivelmente, uma das preocupações de Sousa Fernandes a constituição de uma camiliana (acontecimento que refiro mais à frente); e a propósito dos jornais, a 23 de Outubro, para além de noticiar mais doações, ficando agora a Biblioteca com 2485 volumes, acrescenta os periódicos que entretanto foram doados:

Em jornais, além dos da localidade, a biblioteca começou a receber “O Primeiro de Janeiro”, “A Tarde” e a “Voz Académica”, do Porto, bem como a “Democracia”, de Santo Tirso. / Só na Segunda-Feira foram as circulares pedindo estes jornais; não admira, portanto, que poucos tenham vindo[12].
Contudo, a seguir a esta fase de encantamento, as notícias posteriores relativas ao novo equipamento cultural não serão as mais positivas. De facto, se entre 1914 a 1915[13] temos um apelo à leitura e a utilização presencial da Biblioteca, suege, também, por esta ocasião a primeira estatística pública[14], registando-se em 1917 novos apelos à leitura[15]. A partir de 1918, e em plena fase sidonista (numa altura em que a leitura popular tinha sido proibida na Biblioteca Nacional), começaram a surgir os primeiros sinais de desencanto[16]. Tais sinais manifestam-se pelo abandono institucional, na medida em que a autarquia famalicense não adquire novos fundos documentais, a leitura domiciliária suplanta a presencial e solicita-se, em 1921, que a Câmara institucionalize no seu orçamento uma verba para a aquisição de novos fundos documentais e para a conservação dos existentes[17]; e numa crónica não muito tardia, temos conhecimento, que afinal os “melhoramentos que o sr. Sousa Fernandes prestou à terra redundou” no seguinte: “distribui-se-lhe uma verba no orçamento que se lhe não aplica. Não se comprou nem encadernou mais nem um volume; e, para cúmulo, o funcionário encarregado da Biblioteca continua a vencer um ridículo ordenado, que é inferior ao do empregado varredor do edifício municipal”, concluindo que faltou dizer ao colega “insuspeito donde transcrevemos estas linhas, que ninguém frequenta a Biblioteca… O que talvez dê razão à Câmara em não querer gastar dinheiro com aquilo a que se não liga importância.”
Neste sentido, podemos efectivamente reparar no quadro que se segue, relativamente à estatística do movimento da BMCCB entre 1913 a 1934, em que as oscilações da consulta presencial são uma realidade, havendo vários anos em que ninguém realiza uma leitura presencial.


[1] “Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 17, n.º 935 (3 Ago. 1913), p. 1.
[2] “Commemoração do 5 de Outubro””. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 294 (25 Set. 1913), p. 2.
[3] Inauguração da Bibliotheca”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 295 (2 Out. 1913), p. 2.
É no próximo Domingo às 15h00 da tarde que será inaugurada a nossa biblioteca municipal, sendo desde este dia franqueada ao público durante as horas regulamentadas. / O acto inaugural realiza-se no próprio recinto da biblioteca, sendo a entrada franca para todas as pessoas que queiram assistir.
[4] “Aniversario da Republica”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano18, n.º 295 (2 Out. 1913), p. 2.
Em várias freguesias do concelho sabemos que vai ser festivamente solenizado o 3.º aniversário da proclamação da República, / Será na freguesia do Louro e nesta vila, onde essas festas se vestirão maior imponência para o que no Louro não se poupou a despesas os prestantes cidadãos os srs. José de Araújo Carvalho e João de Sousa Pereira Ribeiro. / Em Famalicão, a Comissão para esse fim constituída, de que faz parte também a Junta de Paróquia, trabalha com amor para o lustimento nas festas.
[5] “Busto da Republica”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 295 (2 Out. 1913), p. 2.
Um dedicado amigo da nossa terra e da República vai oferecer à Escola Oficial Masculina desta vila, um busto em mármore executado por um dos primeiros artistas portugueses. / Ao deveras inteligente amigo da Educação e da República, saudamo-lo carinhosamente pela sua ideia intensamente formosa, e ao professor oficial cidadão A. Maria Pereira e alunos as nossas felicitações.
[6] “Interior. Famalicão”. In O Comércio do Porto. Porto, Ano 60, n.º 237 (7 Out. 1913), p. 1.
A chuva prejudicou por completo as festas pelo aniversário da República. No Louro, ainda o grande benemérito e nosso amigo sr. José de Araújo Carvalho chegou a distribuir um bacalhau de dois a três quilos e uma boroa de pão a cerca de 200 pobres. De resto, não se realizou nenhum número do programa. / A trovoada desta manhã, que se fez aqui sentir com violência, causou muito susto, pelas descargas eléctricas, em diversas casas, sem consequências. / No Vinhal, na mata do sr, Menezes, uma faísca fez num pinheiro verdadeiras diabruras.
[7] “3.º Aniversario da Republica”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 296 (9 Out. 1913), p. 1.
Embora o tempo estivesse de chuva não deixaram de revestir significativo aplauso às instituições as festas realizadas no Domingo passado nesta vila, no Louro, em Cavalões e noutras freguesias do concelho. / No Louro, principalmente, como noutro lugar vai relatado, essa comemoração do 3.º aniversário da República atingiu grande imponência, graças ao esforço do sr. João Ribeiro, e à bolsa do denodado republicano sr. José de Araújo Carvalho.
“Festa Civica em Cavalloes”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 296 (9 Out. 1913), p. 2.
Também na freguesia de Cavalões, a festa da República teve este ano uma simpática exibição, consistindo de um bodo a 11 pobres da paróquia, salvas de morteiros, cânticos patrióticos pelas crianças da escola, e discurso final pelo professor sr. Manuel Gonçalves da Costa. / Para complemento da obra a sr.ª D. Ana de Sá e Oliveira ofereceu 5$00 destinados à compra de livros que fossem distribuídos pelos escolares pobres, e isto completou por um belo gesto a comemoração festiva que a gloriosa data de 5 de Outubro teve neste recanto do concelho. / A iniciativa de toda esta meritória consagração, mista de patriotismo e beneficência, deve-se ao nosso prestimoso e dedicado amigo sr. António José de Azevedo Almeida, presidente da Junta Paroquial, a quem a República já deve em Cavalões serviços de valiosa cooperação.
[8] “Nas Provincias. Em Famalicão”. In A Montanha. Porto, Ano 3, n.º 807 (8 Out. 1913), p. 2.
[9] “Factos & Coisas. As Festas da Republica”. In Desafronta. V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 54 (11 Out. 1913), p. 2.
[10] “Bibliotheca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 17, n.º 945 (12 Out. 1913), p. 1.
[11] “Bibliotheca Municipal”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 296 (9 Out. 1913), p. 3.
[12] “Bibliotheca Municipal”. In O Porvir. V. N. de Famalicão, Ano 18, n.º 298 (23 Out. 1913), p. 2.
[13] “Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho, V. N. de Famalicão, Ano 17, n.º 967 (12 Abr. 1914), p. 1.
Tem recebido ultimamente bastantes volumes a nossa Biblioteca Municipal que, como temos dito, possui já muito mais de 2 mil volumes. / Não é demais repetirmos a lembrança de os estudiosos ali concorrerem a instruir-se, pois está aberta até às 20 horas com a presença do seu zeloso bibliotecário o sr. Henrique Garcia.
“Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 17, n.º 985 (16 Ago. 1914), p. 1.
Possui já para cima de 2500 livros a recente biblioteca municipal do concelho, a qual, graças ao acrisolado esforço do sr. Sousa Fernandes, em pouco tempo a nossa terra adquiriu, pelo que muita gratidão deve ao preclaro cidadão que no Senado representa o nosso concelho. / Agora está a Câmara procedendo à encadernação de todos os volumes. / Bom é que a nossa Biblioteca seja visitada pelos estudiosos, que ali podem ilustrar-se sem gastar nada, pois está aberta diariamente até às 9 horas da noite.
“Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 19, n.º 1025 (23 Maio 1915), p. 2.
Como é sabido, a nossa Biblioteca Municipal é o fruto de um utilíssimo esforço em favor da nossa terra, que necessita de ser compreendido, com a frequência dos estudiosos a consulta dos excelentes livros que já possui. / Aberta diariamente e com a assistência do prestimoso bibliotecário sr. Henrique Garcia, possuindo mais de dois mil volumes, em que os melhores clássicos e escritores contemporâneos brilhantemente representados, ali devem ir de quando em vez os nossos rapazes instruir-se, o que, não lhes custando nada, terá para eles, além do benefício da instrução, o de afugentá-los ainda de lugares onde só podem ser prejudicados.
[14] “Biblioteca Municipal. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 19, n.º 1032 (11 Jul. 1915), p. 2.
Publicamos hoje a estatística do movimento da nossa Biblioteca Municipal, onde existem livros dos melhores mestres da literatura nacional e estrangeira. Desejamos ver aquele estabelecimento utilizado por todos, mais frequentado pela mocidade principalmente, porque diariamente se encontra aberta e onde todos podem gratuitamente instruir-se. / Ano de 1913. De 5 de Outubro a 31 de Dezembro. Livros requisitados, mediante caução, 151; consultados na Biblioteca, 107; Ano de 1\914. 1.º semestre. Livros requisitados mediante caução, 65; consultados na Biblioteca, 157; 2.º Semestre. Livros requisitados mediante caução, 93; consultas na Biblioteca, 61; Ano de 1915. 1.º Semestre: livros requisitados mediante caução, 105; consultas na Biblioteca, 211.
[15] “Noticiario. Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 22, n.º 1135 (8 Jul. 1917), p. 2.
Não será demais repetirmos que existe em Famalicão uma Biblioteca permanente e gratuita, nos Paços do Concelho, que se oferece aos estudiosos, para o que têm funcionário próprio, que lá se encontra duas horas por dia, à noite, fora de horas de trabalho, e quatro horas aos Domingos. Ali pode instruir-se quem quiser, pois têm à sua disposição, nos seus milhares livros, os melhores autores clássicos e contemporâneos.
[16] “Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão. In Estrela do Minho, Ano 24, n.º 1195 (8 Set. 1918), p. 2.
Alguém chamou a nossa atenção para o abandono a que há tempos se tem votado a nossa Biblioteca Pública, não tendo a Câmara adquirido livros novos, quando todos os anos, as Câmaras passadas destinavam uma verba para a compra de obras novas e conservação das existentes. / Para o caso chamamos a atenção de quem compete, para que não deixe no esquecimento esse já importante manancial educativo para o povo, que devemos à iniciativa do sr. Sousa Fernandes, quase sem despesa para o Município, pois para a aquisição de muitas centenas de livros recorreu aos seus amigos.
[17] “Biblioteca Municipal”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 26, n.º 1347 (14 Ago. 1921), p. 1.
Ao sr. vereador da instrução nós pedimos para que não deixe de adquirir alguns livros para a nossa Biblioteca e beneficie os existentes para que, dentro em pouco, não fiquem inutilizados. No orçamento costumava haver uma verba para a Biblioteca, mas parece que se lhe não tem dado a devida aplicação. / Pois é necessário não esquecer a Câmara esse elemento de educação que foi promovido e inaugurado pela Câmara presidida pelo sr. Sousa Fernandes, que carinhosamente adquiriu para ela alguns milhares de volumes – bela iniciativa que infelizmente não tem tido continuadores. / Nem só de pão vive o homem.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Bibliotecas Públicas - O Legado Humanista


Numa carta a Oliveira Martins (com a data de 3 de Outubro de 1886), Bernardino Machado distingue aquilo que é a instrução daquilo que é a educação. Para Machado, cito “a instrução é um capital, o único que está em nós indefinidamente”, desenvolvendo “as faculdades produtivas do homem, dota-o com conhecimentos, que são a matéria-prima sobre que operem.” Por seu turno, o que constitui a base da educação é, cito “as verdades morais, que o tempo acrescenta, porque a moral, como toda a ciência, está em perpétua elaboração”, estando assim consciente das mutações éticas. Acrescento à instrução e educação machadiana, aquilo que poderá ser a cultura. Ora, sendo o conjunto de traços distintivos, espirituais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade, efectivamente, a cultura engloba além das artes e das letras, os modos de vida, as tradições e as crenças. Neste sentido, a cultura oferece-nos a capacidade de reflexão sobre nós próprios, na medida em que que nos faz seres humanos mais críticos e eticamente comprometidos. Para além disso, é na cultura que nos exprimimos, nos encontrámos, tomámos consciência de nós mesmos e dos outros, nos reconhecemos como um projecto inacabado, colocando assim em questão as nossas próprias realizações, buscando, ao mesmo tempo, novas significações.
Neste caminho, entre a instrução, a educação e a cultura, a Biblioteca será sempre a instituição, o equipamento cultural por excelência que promoverá essa dimensão mais rica e espontânea do ser humano, enquanto criador, cabendo a ela não só a configuração desse espaço mítico da leitura (enquanto formação humanista, instrutiva e educativa), mas como, ao mesmo tempo, o espaço multicultural de encontros perante os mais diversos suportes de conhecimento. Ao mesmo tempo, a Biblioteca, perante o legado humanista que em si comporta (com o Manifesto da Leitura Pública em Portugal, 1983, e com o Manifesto da Leitura Pública da UNESCO, 1985), enquanto espaço social aberto a TODOS, a Biblioteca surge igualmente como aquele lugar de memória para preservar a identidade cultural da comunidade na qual se encontra inserida, principalmente através do Fundo Local (porque não promover um encontro sobre Fundos Locais da Rede de Leitura Pública em Portugal). Temos, contudo, sinais preocupantes, num momento de tantas incertezas.
Se com D. António da Costa, na criação das Bibliotecas Populares “para todos” as Bibliotecas têm uma relação entre a instrução e a ética, aliando-se a instrução ao desenvolvimento ético; se com a “Bibliotheca Escolar de Villa Nova de Famalicão” de 1908 se encontra relacionada apenas com a instrução; se com Feio Terenas, no seu Projecto-Lei de 1909, se alia as Bibliotecas Populares à instrução enquanto conhecimento, os republicanos de 1911, para além do papel da instrução das Bibliotecas, evocam algo que, nos tempos de hoje tão esquecido tem andado, e que me importa para aqui trazer: as Bibliotecas surgem como espaços lúdicos de entretenimento, de fruição, de distração, de encantamento que será proporcionado pela leitura. Formação humana sim, conhecimento sim, mas a leitura não tem surgido como aquele lugar privilegiado enquanto prazer, de voos para mundos sonhados. Sintomático dos tempos que vivemos, é o mais recente relatório da Direcção-Geral da Educação e da Cultura da Comissão Europeia, no qual temos 85% de portugueses que não frequentaram Biblioteca Públicas durante o ano de 2013 e 60% de portugueses não leram um livro! Terá sido uma ilusão digital?! Também mais recentemente, surgiu uma “Declaração Escrita” no Parlamento Europeu sobre a importância das Bibliotecas Públicas nos países da Europa (ainda se encontrando em subscrição), principalmente ao nível dos serviços que prestam aos cidadãos, nomeadamente com os recursos digitais, permitindo aos mesmos, estando esta situação em primeiro lugar, a busca de trabalho, e encontrando-o, no uso da INTERNET. Uma outra situação da utilidade dos serviços das Bibliotecas Públicas nesta “Declaração” é o da inclusão social. O que é de estranhar é que um Plano para o Desenvolvimento da Leitura não aparece, num papel instrutivo, educativo e de fruição.
As Bibliotecas Públicas têm de surgir como a Casa Pública por excelência das comunidades, para todos os cidadãos, sem censura, não só para uso digital, mas igualmente para a promoção de actividades que evidenciem a dignidade humana, para, nas palavras de Gadamer, numa ampla fusão de horizontes, a cidadania ser plena; e ao falar na censura, tal como aconteceu entre nós no Estado Novo, o mesmo sucedeu aqui, em V. N. de Famalicão. À “incúria”, nas palavras de Aquilino, a que a BMCCB esteve votada, acrescenta-se o controlo da leitura (basta lembrar, por exemplo, o regulamento de 1961, no qual se estipulava que determinadas leituras só seriam autorizadas pelo Presidente da Câmara e pelo Vereador da Cultura), o empréstimo domiciliário teve os seus dias contados em 1961, com o P. Benjamim Salgado, os espólios de Vasco de Carvalho e de Nuno Simões nunca teriam tratamento técnico (andando encaixotados pela Biblioteca e por outras dependências camarárias), para além da falta de recursos técnicos e humanos. Não seria de estranhar que, em 1959, com a vinda da Biblioteca Itinerante n.º 8, e, em 1966, com a 114.ª Biblioteca Fixa da Gulbenkian, a leitura pública em V. N. de Famalicão tivesse um novo folgo, com sucesso. Sem actividades próprias, vindas de associações, caso do C. A. F. (Centro Académico Famalicense), na época da abertura marcelista, promovendo apenas em 1973 o I Concurso de Aproveitamento de Leitura, do qual não sabemos resultados, será em liberdade que a Leitura Pública em V. N. de Famalicão caminhará para a sua dignidade. Se não passou apenas de uma ténue ideia a construção de um edifício de raiz para a BMCCB durante o Estado Novo, tal só se concretizará em 1992, integrando na Rede de Leitura Pública. Com o desenvolvimento e o deslumbramento inicial (passados que estão 40 anos, hoje a Rede está composta por metade dos municípios portugueses), surge uma nova realidade, isso a que chamam de literacia digital. Para além desta literacia digital, importante sublinhar o analfabetismo leitoral (aquilo a que chamam de iliteracia); e ao lado destas duas realidades, as Bibliotecas Públicas, entre o seu papel social e a promoção da leitura (como fruição, entretenimento, encantamento), deverão ter em conta, cada vez mais, numa inter-relação, o papel da instrução, da educação e da cultura. Mas isto é uma visão de um leitor curioso, nas palavras de Henrique Barreto Nunes “um verdadeiro e generoso militante da causa do livro e um apaixonado pela história local”…

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Jorge Ramos do Ó


O próximo convidado do Ciclo de Conferências “Pedagogos e Pedagogia em Portugal” é o Prof. Jorge Ramos do Ó, que vai falar sobre “A Educação Nacionalista Sob o Salazarismo”. A conferência do Prof. Jorge Ramos do Ó realiza-se no Museu Bernardino Machado no próximo dia 6 de Dezembro, pelas 21h30, sendo a entrada livre e com a entrega de certificados de presença. Recorda-se que este Ciclo se encontra acreditado pelo Centro de Formação Científica/Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, para os professores de História, Filosofia e Sociologia.
Professor Associado do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e Professor Convidado da Universidade de São Paulo (Brasil), instituições nas quais lecciona temáticas relacionadas com a História da Educação, História da Cultura e Análise do Discurso, Jorge Ramos do Ó tem escrito sobre história política, história cultural e das mentalidades, especialmente sobre a fase histórica do Estado Novo. Tem também escrito sobre a História da Educação e da Pedagogia, num período mais longo e que se estende de meados do Século XIX a meados de novecentos. Além de outros trabalhos (colaboração em revistas científicas da especialidade e de monografias em co-autoria), o Prof. Jorge Ramos do Ó publicou, a t´titulo de exemplo, os seguintes títulos: “O Lugar de Salazar; estudo e antologia” (1999); “Os Anos de Ferro: o dispositivo cultural durante a política do espírito (1933-1949)” (1999); “O Governo de Si Mesmo: modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX-meados do Século XX)” (2203); “Ensino Liceal (1836-1975)” (2009); “Emergência e Circulação do Conhecimento Psicopedagógico Moderno (1880-1960)” (2009)” ou “Estudos Comparados Portugal-Brasil” (2004). É editor da “Sisyfus”, Journal of Education.

Encontros de Outono 13 - IV


Prof. Ernesto Castro Leal
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
“Militares e violência política em perspectiva comparada: a singularidade do 18 de Abril de 1925”

O Prof. Ernesto Castro Leal abordou quatro golpes, aos quais chamou os quatro golpes fortes, nomeadamente o de 14 de Maio de 1915, o de 5 de Dezembro de 1917, o de 19 de Outubro de 1921 e o de 18 de Abril de 1925., abarcando uma relação entre eles. Se no primeiro golpe estiveram presentes civis e militares, mais civis, o segundo foi caracterizado particularmente pela incidência forte da presença de militares, o mesmo acontecendo no golpe de 19 de Outubro de 1921. Por seu turno, no de 18 de Abril de 1925 estiveram inerentes dois grupos: o Centro Nacionalista Lusitano e a Acção Moralista Portuguesa., entrando os militares na esfera política. E ao caracterizar o golpe de 28 de Maio de 1926, o Prof. Castro leal que nele estiveram implicados republicanos-conservadores, monárquicos e proto-fascistas. Para comparar os quatro golpes, o Prof. Castro Leal analisou três pistas: a constituição da Junta Revolucionária, a doutrina e as suas ideias e quem ganhou as eleições após o referido golpe.

Prof.ª Irene Pimentel
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“A repressão salazarista: da institucionalização à acção”

Estabelecendo inicialmente ligações da fase da Ditadura Militar, esta com a sua Polícia Especial de Informação, com o Estado Novo (PVDE/PIDE), ambas as polícias com as suas actividades de vigilância e de repressão, passando pela classificação dos presos, a Prof.ª Irene Pimentel avançou três tópicos para discussão, nomeadamente: Foi a Polícia eficaz? Realizou detenções maciças ou relativas? O regime deveu a sua longevidade à PIDE? A PIDE como um estado dentro do Estado?



Prof. Luís Farinha
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“Ditadura militar e violência política: depuração e repressão da resistência republicana reviralhista (1926-1933)”

“Portugal é uma nação mais preparada do que a Itália e do que a Espanha para suportar um fascismo sem Mussolini e uma ditadura sem Rivera.”

Ramada Curto


O Prof. Luís Farinha propôs quatro temas reflexivos: reflexão sobre violência política, o que foi o período anterior anterior a 1926 a 1933, a fase inicial da ditadura militar (desmantelamento da oposição) e, finalmente, a análise às instâncias de violência que são instrumentalizadas. Desta forma, se a violência política ocorre em todos os estados (legalidade), dentro do quadro político constitucional, contudo, a criminalização da política não é aceite em democracia, mas sim em regimes ditatoriais. Apontou três tipologias inter-relacionadas: violência do Estado ditatorial, violência defensiva e violência revolucionária. Na fase inicial da ditadura militar, o Prof. Luís farinha apontou as seguintes características, ou campos de intervenção: estado de excepção inconstitucional, inutilização das instituições democráticas (Partidos Políticos, Congresso, Instituições), depuração, prisão deportação dos líderes políticos, ataques aos funcionários públicos, desmantelamento dos sindicatos livres e dificultação das greves, do associativismo cívico e cultural, controlo sobre a imprensa livre e incómoda (censura), controlo económico e social (salários, emprego, etc.). No campo das instâncias, surge a substituição das leis do Estado por leis avulsas sem bases constitucionais (administrativas, policiais, judiciais), analisando então as prisões políticas e as deportações, assim como os destinos, as revoltas, e as acções dos Tribunais Militares Especiais. Finalmente, analisou o advento da nova ordem nos seguintes tópicos: violência massificada, mas selectiva e preventiva, assim como punitiva; a degradação da democracia republicana, desmantelando, numa primeira fase, a ditadura o Estado de direito e constitucional republicano e, numa segunda fase, instrumentalizou a violência, impôs o medo e imobilizou a sociedade cívica pelo silenciamento das suas instituições e das vozes livres (republicanos, socialistas, maçónicos, sindicalistas, anarquistas, comunistas ou liberais).


Prof. João Madeira
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“Violência e repressão em meio operário durante o Estado Novo”

O Prof. João Medina analisou, num primeiro momento, o controlo e a punição da PIDE face aos grupos sociais, desmantelando as associações num sistema repressivo, não só para prevenir, mas também para punir os prevaricadores, contendo então organizações para-militares e policiais no terreno. Analisou o ciclo grevista dos anos de 1942 a 1944, salientando o modelo organizativo das organizações clandestinas, contendo comissões por fábricas (modelo organizativo ligado ao Partido Comunista), contendo o movimento operário uma vigilância apertadíssima. Contudo, o prof. João Madeira defendeu que o aperfeiçoamento, a complementariedade institucional não fez com que o regime obtivesse o controlo desejado das organizações clandestinas, já que esteve longe de ser eficaz e perfeito.


General Pezarat Correia
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
“A violência política: do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975”

Partindo da tese de que o 25 de Abril surgiu num contexto violento, tal contexto explica o processo violento seguinte, o General Pezarat Correia analisou alguns paradoxos do 25 de Abril, a saber: num plano estratégico, o 25 de Abril não foi violento; tacticamente, potencialmente violento e relativamente à conduta dos miliatres salientou que foi uma conduta não agressiva e não violenta no acto fundador do 25 de Abril. O segundo quadro que analisou, foi relativamente ao 25 de Abril em Portugal e nas colónias, nomeadamente em Portugal durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC) e nas colónias, que foram as questões do fim à guerra e as independências. Um outro quando a ser analisado pelo general Pezarat Correia foram os momentos que puseram em risco o 25 de Abril, nomeadamente com os tópicos da Fragata Gago Coutinho, a Ribeira das Naus, o Forte de Peniche, o Largo do Carmo, que considerou como o momento culminante, e os acontecimento na sede da D.G.S. Um outro tópico a ser analisado foi, precisamente, a consolidação do golpe de estado, face aos movimentos do 28 de Setembro (“A Maioria Silenciosa”), do golpe de estado à revolução, com o 11 de Março, e a agudização revolucionária com o 25 de Novembro (“Verão Quente”). Concluiu que a violência foi persistente, mas controlada; houve momentos sensíveis (caso do 11 de Março e do 25 de Novembro), violento nas colónias de Moçambique, Angola e Timor, estando nas duas primeiras o 25 de Abril em risco.





Sessão de Encerramento
Dr. Leonel Rocha
Vereador da Educação e Conhecimento

Terminámos mais um encontro que pelo agitar de conhecimentos daqui imanados, se chamam de Outono. Iniciámos por contextualizar a violência na História, indubitavelmente a violência faz parte de forma decorrente da História e marca os momentos mais significativos da mesma. Ficámos a saber, ou confirmámos, que a violência e os conflitos e os atritos se fundamentam em ideologias que combatem poderes instalados, ou conotados com o “status quo”, que impede diversas mudanças, que, no entanto, se vão implementando com mais ou menos violência. A própria liberdade é, muitas vezes, o motivo, ou a justificação para actos violentos. Revisitámos a violência de uma classe, que desde sempre se tem notabilizado por estar devidamente organizada, para lutar pelos seus direitos, recorrendo ou sendo objecto de violência, que é o operariado. As suas lutas são decorrentes independentemente dos regimes e das políticas vigentes, desde que sintam os seus direitos violados. Analisamos a violência durante toda a República e seus principais personagens, em momentos como a violência sidonista, como na década de 20, destacando ser a singularidade dos acontecimentos. Não podíamos deixar de abordar o período da ditadura militar de Oliveira Salazar, que acentuava os seus métodos organizativos na repressão e na violência. Terminámos os “Encontros de Outono” com análise da violência mais latente que evidente, e mais resultada da violência anterior, com o regime salazarista e ditatorial, acompanhada pela violência e não desejada e desgastante da Guerra Colonial, que foi a Revolução do 25 de Abril, curiosamente ocorrida e conhecida como primavera revolucionária. Porém, a partir das palavras de alguém que, para além, de estudar o assunto, também foi actor nesse momento histórico, aprofundamos conhecimentos acerca do período de consolidação e instauração da nossa democracia, que se dá precisamente no Outono de 1975. Mais uma vez, os “Encontros de Outono” cumpriram os desígnios a que se propõem: a reflexão e o contributo para os conhecimentos da História, de modo particular no período da República, ou das “Repúblicas”, sempre com o horizonte da excelência. Para além da pertinência académica que faz deste evento uma marca de excelência, estes “Encontros de Outono” tiveram o mérito de as suas reflexões serem pertinentes a nível social, para nos alertar para os momentos perturbados em que vivemos. Na História, a violência é recorrente. Cabe-nos conhecer e interpretar tais factos para evitarmos cair em circunstâncias similares que levem à violência, que quando surge nunca afecta só os envolvidos, há sempre danos colaterais

Encontros de Outono 13 - III



Prof. Miguel Dias Santos
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
“Ó Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome: violência política e contra-revolução na I República”

O Prof. Miguel Dias Santos apresentou a tese da violência dos republicanos sobre os monárquicos, e, ao mesmo tempo, nos processos contra-revolucionários, da violência dos monárquicos contra os republicanos. E se a ameaça contra-revolucionária se manifestou entre o real e a ficção, o papel teórico, e prático, da Revolução Francesa teve o seu momento evidente com os republicanos, perante os imperativos éticos da revolução, só o amor pela Pátria reforça o valor colectivo para o ideal da liberdade. A teoria jacobina francesa vai estar implicada nos primeiros tempos da I República, particularmente nos Batalhões de Voluntários ou nas Milícias Republicanas, grupos com elementos da Carbonárias, organizações dos patriotas portugueses para a defesa dos inimigos, mantendo um papel de vigilância, colaborando com o regime. Desta forma, a violência teve uma certa institucionalização por parte do regime, realizando esses grupos não só a vigilância, como igualmente faziam aprisionamentos de cidadãos, eram encarcerados, muitas vezes sem culpa formada. Tal situação teve eco na imprensa estrangeira, principalmente na inglesa. Na expressão monárquica, surgiu “a crise do medo”, com exílios forçados, numa debandada de famílias aristocratas entre 1911 a 1913. O mesmo iria surgir no papel contra-revolucionário dos monárquicos perante os republicanos, particularmente nos tribunais de excepção. E se com os republicanos, ao nível da imprensa, é feita a censura aos jornais monárquicos, o mesmo se passará com os monárquicos face à imprensa republicana. O Prof. Miguel Dias Santos terminou a sua conferência aludindo o contributo dos monárquicos no seu papel historiográfico, cujos historiadores vão dar origem à historiografia do Estado Novo.


Prof. Paulo Guimarães
Universidade de Évora
“A violência nas relações entre o operariado e o poder político republicano
(1910-1926)”

“A violência como resposta à força”
                                                                                                      Sorel

Para o Prof. Paulo Guimarães, a I República (1910-1926) não foi só o culminar dos processos conflituais complexos enquanto continuidade da Monarquia Constitucional, como teve a emergência de formas de violência de protesto público moderno, a partir de baixo, surgindo enquanto fenómeno social desestabilizador, que só seria resolvido politicamente no Estado Novo. Neste fenómeno social, aparecem não só as suas contrariedades específicas, como disciplina laboral perante a violência patronal, a acção colectiva que será a greve operária, e que vai gerar a violência organizada e espontânea, verbal e física, atentado à propriedade, a sabotagem. Esta violência organizada vai ser importante na estruturação da comunidade como colectivização. Por outro lado, este sentimento de violência resulta da propaganda que constrói as imagens simbólicas dos seus actores e actos. A violência resulta também do sentido de honra, buscando o operário a honra republicana. Por outro lado, a violência exercida pelo Estado surge como monopólio de coacção. A República surge assim não só como repressiva, mas como igualmente como ruptura com o movimento operário, sendo este o inimigo da República, pelos ataques bombistas, as greves, atentados às pessoas e às propriedades. O movimento operário surge assim como inimigo da ordem republicana.
  
Prof. Miguel Nunes Ramalho
Academia Militar e ISCTE/IUL
“A Violência Sidonista”

Defendendo a tese de um complemento, de um continuado do período de 1917 da violência vinda da I República, o Prof. Miguel Nunes Ramalho focou não só a figura emblemática e paradoxal, como igualmente mítica, dando uma resenha biográfica, de Sidónio Pais. Concentrando a violência no seu sentido prático, tal verificou-se com a crise de subsistências, na “Revolta da Batata”, no revestimento de formas de luta pelo movimento sindical em constantes convulsões sociais, principalmente no assalto às padarias. As greves (greve da construção civil, greve do pessoal dos correios, greve dos caixeiros, a greve geral, operários dos tabacos, ferroviários), acentuaram-se cada vez mais, vindo então o apoio de Sidónio dos grupos civis, os quais vinham da “República Velha” para a “República Nova”. Ao lado desta situação social, Sidónio Pais criava então a sua propaganda sidonista, nomeadamente com as suas viagens presidenciais, defendendo o presidencialismo face ao parlamentarismo, à multidisciplinariedade partidária.


Prof. António José Queirós
Centro de Estudos do pensamento Português
Universidade Católica Portuguesa (CEPP-UCO)
“A violência política na década de 20”

Propôs analisar as fases revolucionárias e contra-revolucionárias nos anos de 1920 e de 1921, partindo o Prof. António José Queirós do princípio que as ideias defendidas pelos pais fundadores da República praticamente tinham então desaparecido. Para além da instabilidade política, a sociedade surge contra o Estado e as instituições, surgindo a violência como uma espécie de contra-face (caso do “Grupo dos 13”. Apontando algumas características, caso do aparecimento dos militares que aparece agora com força governamental (caso do exército e da G.N.R.), foca o 21 de maio de 1921 como uma tentativa revolucionária sem vítimas: mais do que uma revolta, foi uma reclamação. Por outro lado, com o 19 de Outubro de 1921, a célebre “Noite Sangrenta”, nas palavras de Raúl Brandão “a noite infame”, o Prof. António José Queirós avançou que se a “República Nova” morreu com o assassinato de Sidónio Pais, o regime republicano terminou moralmente com a “Noite Sangrenta”.