sábado, 30 de dezembro de 2017

As "Madrinhas de Guerra" e os Expedicionários Famalicenses (1914-1918)


As "Madrinhas de Guerra" e os Expedicionários Famalicenses (1914-1918)
Amadeu Gonçalves



“Entre 1914 e 1918, a importância das madrinhas de guerra foi tão grande em Portugal que mereceu uma entrada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que começou a ser publicada em 1936. Nela podia ler-se que uma “madrinha de guerra” era a “Protectora de um militar em campanha.” Recordava-se que “a designação” tinha aparecido “durante a Grande Guerra de 1914-1918” e que se aplicava “à criança, senhorinha ou senhora que assistia moralmente ou protegia um soldado em operações, às vezes sem conhecê-lo pessoalmente, escrevendo-lhe, enviando-lhe livros, tabaco, doces, víveres ou presentes”. E depois concluía: “Durante a nossa permanência na Flandres, senhoras de Portugal e do Brasil, francesas e inglesas, apadrinharam soldados nossos e tomaram a iniciativa de ofertas em comum para serem distribuídas pelos combatentes. A madrinha de guerra foi muitas vezes noiva ou esposa do afilhado”.
Fernando Martins, “Amor em Tempo de Guerra: as “Madrinhas de Guerra” no Contexto da Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974”, 2011.
“Aquele que não tem memória faz uma de papel.”
Gabriel Garcia Márquez, O Amor nos Tempos de Cólera.



Poucas são as referências sociológicas e históricas a propósito do fenómeno das “Madrinhas de Guerra” durante a I Grande Guerra. Mesmo a que temos em epígrafe, surge num contexto histórico da Guerra Colonial. A acrescentar à lista que Fernando Martins evoca, pode-se acrescentar as notícias de Portugal que os soldados tanto desejavam saber. É o caso do soldado Adolfo da Silva Pinto, de São Cosme do Vale, que embarcou para Flandres, de Lisboa, em 22 de Abril de 1917 e desembarcou na capital em 19 de Junho de 1918, do 4.º Batalhão de Infantaria, 2.º Batalhão, Regimento de Infantaria n.º 8. Veja-se a missiva publicada no “Estrela do Minho”, de 19 de Agosto de 1919:

 “Um soldado do nosso concelho escreve-nos a carta que a seguir transcrevemos da melhor vontade, na qual se pede uma madrinha. Secundamos o pedido nela feito, esperando que algumas das senhoras de Famalicão o defira. É esse um pequeno serviço prestado também à Pátria, pela qual o soldado Silva Pinto está arriscando a sua vida em França.

Em Campanha, 5 de Agosto de 1917
Exmo Sr.

Venho, por este meio, apresentar a V. Ex.ª os protestos de estima e consideração e desejando-lhe uma boa saúde. Ao mesmo tempo, venho também importunar V. Ex.ª com o seguinte: há muito que anseio por ter nessa querida pátria uma senhora que fosse minha madrinha de guerra para me dar notícias do nosso querido Portugal. A minha direcção é esta: Adolfo da Silva Pinto, da 4.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 8 – C. E. P. – França. / É por esse motivo que eu venho pedir a V. Ex.ª para no seu jornal apelar para o coração de qualquer dama famalicense que se queira encarregar deste meu pedido. Esperando ser atendido por S. Ex.ª renovo os meus cumprimentos. / Com a máxima consideração e subido respeito me subscrevo.”("Estrela do Minho", 19 de Agosto de 1917).

Um texto de Mário Salgueiro, com o título “Soldados de Portugal” e publicado na “Ilustração Portuguesa”, a propósito dos retratos que a mesma revista publicou sobre os soldados portugueses, para além das características psicológicas, afirmado que “os retratos que a Ilustração tem arquivado nas suas páginas pertencem a soldados de todos os regimentos e, por conseguinte, a filhos de todas as regiões: transmontanos bisonhos, de ombros largos e de olhar suave; algarvios de rosto enérgico, fitando-nos com firmeza, como se para além do horizonte perscrutassem ainda a chegada das caravelas; beirões sonhadores e minhotos alegres; os homens do Vouga e os homens do Tejo, de que os fala Garrett; os romeiros da Agonia e os do Senhor da Pedra, toda a gente nova de Portugal, de norte a sul e de leste a oeste”, mais à frente, diz-nos que nesses mesmos retratos aparece de vez em quando “um rosto feminino”, uma “portuguesinha gentil que vai iniciar o seu noivado, sendo madrinha de guerra”; e do papel das “Madrinhas de Guerra” continua afirmando que é as “horas de enervamento das trincheiras, quando a saudade evoca alegrias idas, é delas sempre que os soldados se lembram, porque só elas sabem traduzir nas suas cartas as expressões que alentam e acarinham.” ("Ilustração Portuguesa". Lisboa, n.º 616 (10 Dez. 1917), p. 468).
Neste contexto, o jornal “A Gazeta de Famalicão” surge com o seguinte apelo, em 8 de Setembro de 1917: “Não sabemos se já teve deferimento no coração das sempre generosas e sempre gentis senhoras da nossa terra algum dos requerimentos que, por nosso intermédio, lhes foram dirigidos por soldados famalicenses que sem França se batem pela Pátria. / Seria mais uma nota muito simpática a cruzada patriótica empreendida pelas beneméritas senhoras da «Venda da Flor» na nossa terra, que entre essas santas que operaram o milagre de transformar as flores da sua bondade no oiro abençoado de tantas esmolas, aparecesse a quem generosamente, escutasse e ouvisse os que pela Pátria fazem os maiores sacrifícios.” Veja-se estas duas situações, caso dos pedidos solicitados e da respectiva comissão.



“A sr.ª Viscondessa de Pindela colocando uma flor num aldeão.”; “As sr.as D. Maria Luísa de Carvalho e Cunha e D. Ermelinda Areias colocando flores nos srs. drs. Guilherme Costa e Ricardo Lemos, distinto sportman portuense.”


Na realidade, o texto em causa faz referência à “Comissão Promotora da Venda da Flor”, a qual teve um papel preponderante na atribuição de subsídios peculiares aos soldados chegados de França e de África. Aliás, as listas que a imprensa famalicense, particularmente o “Estrela do Minho” e a “Gazeta de Famalicão”, vai publicando, permitiu ampliar o inventário dos expedicionários famalicenses, nas quais aparece o nome do respectivo expedicionário, assim como a respectiva doação, a qual tanto podia ser monetária como em bens. Mas veja-se um pouco da sua constituição histórica e de como a respectiva comissão angariava os seus fundos.

a)      Venda da Flor
Quando Manuel Pinto de Sousa (a exemplo do que se passou em Lisboa, já que as “senhoras de Lisboa iniciando a venda de flores em todas as casas da capital, em favor dos nossos soldados feridos na guerra”, que “acabam de dar um exemplo nobilíssimo de solidariedade humana e ao mesmo tempo patriótico”, conseguindo juntar “num só dia mais de trinta mil escudos”) lança o apelo para que em V. N. de Famalicão se imite “essa grande obra pelas senhoras da nossa terra” (num texto de 15 de Abril), os textos de propaganda do então jovem publicista e jornalista Alexandrino Costa à volta da Venda da Flor (de 22 e de 29 de Abril), a sociedade feminina famalicense respondeu positivamente. Com a sede na Casa Bancária Brandão & C.ª, cedendo “o escritório e salas do primeiro andar”, a Comissão Promotora da Venda da Flor em V. N. de Famalicão, será constituída pelas seguintes senhoras: Presidente, Viscondessa de Pindela; Vice-Presidente, Amália L. de Macedo Chaves de Oliveira; Tesoureira, Mariana Folhadela de Macedo; Secretárias, Maria da Glória Ferreira Macedo Sampaio e Maria Bertila Garcia de Carvalho. Paralelamente, presidiram aos grupos então denominados de veindeuses, além das senhoras da comissão, Estela Nunes Sá Brandão, Mariana Macedo Simões, Albertina Machado, Elisa Veiga e Cunha, Silvina Gomes, Cândida Carneiro, Balbina Veloso Macedo, Maria da Glória Bouças, Júlia Carvalho e Rosalina Ilhão Peixoto. O texto de apresentação da referida comissão foi o seguinte, de 29 de Abril:

Mulheres e flores! Tudo o que a natureza criou de mais belo vai, em conjunto, alegrar a nossa terra, numa encantadora festa, da qual resultará o auxílio às vítimas da guerra. / Enquanto nos campos de batalha os homens pelejam encarniçadamente em defesa da liberdade, as mulheres, sempre dedicadas e previdentes, reúnem-se para angariar socorros para as vítimas dessa terrível hecatombe, que ameaça arrasar o mundo inteiro! Enquanto pais, filhos e irmãos arriscam a vida com o despreendimento e abnegação de verdadeiros heróis, as mães, filhas e irmãs, preparam o lar para receberem com alegria os que voltarem sãos, e com verdadeiro carinho, os que a fatalidade trouxer inválidos e doentes. As damas de Famalicão, mensageiras da cruzada do Bem, vão no dia 8 de Maio, angariar donativos para as vítimas da guerra. Quem lhes negará o seu óbolo? Em troca duma flor gentilmente oferecida, ninguém deixará de auxiliar a obra bendita do socorro aos nossos soldados.

O programa para a Festa da Venda da Flor, a qual se realizou a 8 de Maio, constou de nove zonas geográficas, distribuídas pela então Vila de Famalicão: Estação, Campo da Feira, Bandeirinha e Cruz Velha, Rua Adriano Pinto Basto, Campo Mouzinho de Albuquerque (lado direito e lado esquerdo), Rua Cinco de Outubro, Rua Direita e Praça Conde São Cosme do Vale. Para além de alguns donativos, e na crónica de 13 de Maio, com o título “A Festa da Flor”, os famalicenses souberam que a Venda da Flor foi um êxito, merecendo destaque na “Ilustração Portuguesa”, de 28 de Maio.

Anunciada já em Maio, tendo como objectivo a angariação de fundos para o cofre da Assistência às Vítimas da Guerra em Famalicão, e organizada pela Comissão Promotora da Venda da Flor, esta festa desportiva realizou-se no Clube de Caçadores em 10 de Junho com o seguinte programa, o qual se constituiu em duas partes: na primeira parte, as actividades então realizadas foram as seguintes: corrida de velocidade (100 metros), corrida de sacos, concurso hípico, saltos em altura, lançamento de peso e uma surpresa constituída pela realização de um número realizado por senhoras, durante o intervalo; por seu turno, a segunda parte teve actividades como match de box, corrida das batatas, salto em cumprimento, corrida três pernas, jogo da rosa (bicicleta) e corrida de obstáculos. Nos intervalos houve rifas, quermesses, tômbola e leilão dos objectos oferecidos pelas senhoras da comissão organizadora da Festa da Flor. Em 17 de Junho os famalicenses liam o seguinte:

Realizou-se no Domingo passado, como estava anunciado, a festa de jogos diversos e rifa de prendas na carreira de tiro do Clube de Caçadores, cujo produto reverteu em favor das vítimas da guerra. Apesar da concorrência não ser grande, talvez pelo calor que esteve nesse dia, o rendimento aproximou-se de novecentos escudos. Ficaram ainda algumas prendas por vender.



“Ilustração Portuguesa”. Lisboa, n.º 588 (28 Maio 1919), p. 440. [hemeroteca digital].
“Um grupo de senhoras encarregadas da “Venda da Flor” em Famalicão. No primeiro plano, da esquerda para a direita: Arminda Guimarães, Elzira Portela, Cacilda Marques, Maria Cândida Machado, Maria Antonieta Fernandes, Joana Pinto, Laura Pimentel, Corina Marques, Carmen Macedo, Maria Cândido Matos. 2.º plano: Laura do Nascimento Carvalho, Sara de Carvalho Cunha, Viscondessa de Pindela, Hermínia Loureiro, Carmen Guimarães, Ernestina Machado, Maria Medeiros, Irene Fernandes. 3.º plano: Maria Manuela Cerejeira, Cândida Carneiro, Maria Luísa de Carvalho e Cunha, Estela Brandão, Lúcia de Carvalho, Amélia Chaves de Oliveira, Rosalina Ilhão Peixoto, Maria de Jesus Barros, Maria Ermelinda Machado. 4.º plano: Balbina Veloso de Macedo.


a)      Sarau-Dramático-Musical A Favor das Vítimas da Guerra

Com a primeira referência em 3 de Junho, noticiando-se que “a ilustre comissão das damas desta Vila projecta realizar um sarau artístico, e apesar do programa ainda não estar devidamente organizado”, informa-se em 15 de Junho a comunidade famalicense que os ensaiadores serão Ester Brandão e Adolfo Lima na parte musical, enquanto que as comédias ficaram a cargo de Alípio Guimarães. O programa definitivo será conhecido a 22 de Julho, realizando-se o respectivo sarau em 28 de Julho no Salão Olímpia, relatando o “Estrela do Minho” o acontecimento em 5 de Agosto. Veja-se o programa:

O ex.mo sr. dr. Sebastião de Carvalho com a sua brilhante palavra, saudará as damas promotoras pela sua patriótica obra e ao público pela sua coadjuvação. Seguir-se-á pelo grupo composto das ex.mas sr.as D. Ester e D. Alzira Brandão, D. Maria Pinto de Sousa, D. Maria Cândida, D. Alice e D. Aurelina Correia, D. Fernanda Guimarães, D. Júlia e D. Cândida Silva, D. Maria J. Barros, D. Belmira Bezerra, D. Carminda Marques, D. Alice Garcia, D. Laura Carvalho, D. Carmen Guimarães, D. Laura Loureiro, D. Adestina Lima, D. Maria Lúcia Garcia Carvalho, D. Amélia Faria, D. Joana Pinto Areias, D. Alzira Portela, D. Fernanda Terroso e D. Rosa Manuela Gomes. 1.ª Parte. “Pescador” (canção portuguesa, T. Moutinho); “Menina dos Meus Olhos”, A. Viana; “Canção da Tarde”, J. Moutinho; “Quadras Soltas”, F. Moutinho; “As Lavadeiras” (Coro), A. Viana. 2.ª Parte. “Que Amigas. Comédia em 1 acto”. D. Violante-Júlia Silva; D. Ernestina-Cândida Silva; D. Eulália-Amélia Faria; Rosa, criada-Belmira Bezerra. Lisboa-Actualidade. “Romance”, Artur Napoleão; “Balada”, Chopin; “Rapsódia Húngara”, Lizst. Ao piano Ester Brandão Barbosa. ”Sapatinhos de Baile. Comédia em 1 acto”. Baronesa do Quental-Maria Cândida Correia; Viscondessa de Bela-Flor-Alzira Brandão. Lisboa-Actualidade. 3.ª Parte. “Margarida. Diálogo”, com Júlia e Cândida Silva, com acompanhamento de coros e música de F. Moutinho. “Ao Desafio”, A. Sarti; “Morena”, J. Moutinho; Fado por Maria Cândida Correia e coros, música de A. Coelho; “Ceifeiras” (coro), de A. Sarti.

Os bilhetes podiam ser adquiridos na “casa da promotora em Louredo ou no estabelecimento do sr. Luís Terroso ao Campo Mouzinho.” Do sarau-artístico, pode-se ler em 5 de Agosto que “todos os elogios que se façam, todos os louvores que se tributem, são poucos para manifestar o agrado e a admiração de que o público se sentiu empolgado!” (Amadeu Gonçalves – “A I Grande Guerra e as suas repercussões em V. N. de Famalicão. O Monumento aos Mortos da Grande Guerra”. In Boletim Cultural. V. N. de Famalicão, 4.ª série, n.º 1 (2014/2015), pp. 193-195).
Na realidade, não consta que algumas dessas senhoras que constituíram a respectiva “Comissão Promotora da Venda da Flor” tivessem sido “Madrinhas de Guerra”; e relativamente aos apelos que a “Gazeta de Famalicão” tinha publicado, a saber, dois soldados que tinham solicitado “Madrinhas de Guerra”, caso de Secundino Rodrigues Baptista (soldado n.º 51, da 4.ª Companhia de Infantaria n.º 8) e de Joaquim Ferreira de Carvalho (soldado n.º 43, da 4.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 8), não tivessem obtido as tão desejadas “Madrinhas de Guerra”, o mesmo sucedendo a Manuel da Silva Pinto (soldado n.º 858, do Batalhão de Infantaria n.º 8), o mesmo acontecendo com João Simões Pereira, 1.º cabo-enfermeiro. Quem conseguiria a respectiva “Madrinha de Guerra” seria José Joaquim Ferreira, de São Cosme do Vale, da mesma freguesia, chamando-se Libânia Pereira Marques, a qual manifestou “os seus bons sentimentos de humanidade e patriotismo”, segundo a “Gazeta de Famalicão” de 3 de Novembro de 1917. Quem vai conseguir igualmente uma “Madrinha de Guerra” vai ser Ernesto Moreira, de Calendário, soldado n.º 289, do Regimento de Infantaria n.º8, indo ao encontro da citação que temos em epígrafe, nomeadamente, neste caso, a “Madrinha de Guerra” ser uma criança com sete anos de idade. Leia-se:

 “Mais um soldado nos escreve de França a pedir uma madrinha de guerra, com quem se corresponda e lhe vá ajudar a suportar as saudades, dando-lhes noticias da Pátria muito amada. / Segue-se a carta do nosso conterrâneo, cujos desejos esperamos ver atendidos por alguma senhora da nossa terra:

Sr. Director do Estrela do Minho, Famalicão
Vinha pedir a V…. para que por intermédio do seu conceituado jornal, que qualquer das gentis damas dessa encantadora vila, se queiram oferecer para minha madrinha de guerra. / As senhoras dessa vila, que são sempre generosas em tudo o que é para o bem e sendo eu Ernesto Moreira, soldado n.º 289, da 4.ª Companhia de Infantaria 8,, muito conhecido nessa vila, e encontrando-se presente em França a combater ao lado de todos os exércitos aliados, pela nossa querida pátria. / Espero ser atendido pelo que fico muito obrigado a V. Ex.ª pela publicação desta linha.” ("Estrela do Minho", 23 de Setembro de 1917).

 “Tendo lido no sue conceituado jornal, carta do soldado português pedindo uma madrinha de guerra, venho eu pois oferecer-me para este fim. Tenho apenas sete anos, mas o meu maior desejo é consolar e animar os nossos soldados, que tão valentemente derramem o seu sangue pelo dever e pela liberdade. Espero, autorizada pelos meus pais, cumprir bem a missão de que tomo encargo. Peço pois a V…. o favor de, caso este soldado não ter ainda madrinha, mandar-me a sua direcção e da sua família, assim como participar-lhe que já tem madrinha, podendo escrever- para Fernanda da Conceição Monteiro, Viatodos, Minho, que logo terá resposta e satisfeito qualquer pedido.” ("Estrela do Minho", de 7 de Outubro de 1917).

Garcia Márquez não deixa de ter a sua razão: quem não tem memória, faz uma de papel!










segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Expedicionários de Gavião / V. N. de Famalicão 1914-1918





Encontrando-me a organizar o "Dicionário dos Expedicionários Famalicenses 1914-1918" para o Centenário da Batalha de La Lys, entre oficiais, sargentos, cabos e soldados, o levantamento até agora realizado cifra-se em 569 expedicinários mobilizados para França e para África, particularmente Angola e Moçambique. Partilho, hoje, neste dia de Natal chuvoso os expedicionários da freguesia de Gavião, concelho de V. N. de Famalicão, agradecendo, desde já, qualquer informação que possa ser partilhada, não só destes como de outros famalicenses, numa lista preliminar já aqui divulgada neste blog, desde dados biográficos, fotografias, documentos, materiais, etc. etc., . Na situação específica que partilho, o que os expedicionários de Gavião têm em comum é o dia de embarque: 22 de Abril de 1917, o ano da mobilização geral. As fotografias representam o embarque na Estação de Braga, a caminho de Lisboa, retiradas da "Ilustração Portuguesa" de 7 de Maio de 1917 (Hemeroteca Digital), enquanto que a lápide de Augusto Pinto foi retirada do "Memorial aos Mortos da Grande Guerra".


EXPEDICIONÁRIOS I GRANDE GUERRA
GAVIÃO / V. N. DE FAMALICÃO

74
António Ferreira
Soldado
Gavião
132
António da Silva Barbosa
Soldado
Gavião
151
Augusto Pinto
Soldado
Gavião
152
Augusto Pinto de Araújo Campos
Soldado
Gavião
273
Geraldo Ferreira Azevedo
Soldado
Gavião
327
Joaquim Ferreira Barbosa
Soldado
Gavião
487
Manuel Ferreira de Azevedo
Soldado
Gavião
490
Manuel Fonseca
Soldado
Gavião
518
Manuel Pereira
Soldado
Gavião
526
Manuel da Silva
Soldado
Gavião
528
Manuel da Silva Brandão
Soldado
Gavião
564
Valdemar Cardoso
Soldado
Gavião





ANTÓNIO FERREIRA

4.ª Brigada de Infantaria. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. 4.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 46099. Soldado n.º 344, solteiro, filho de Joaquim Ferreira e de Maria da Rocha, natural de Gavião, concelho de V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo era André Chaves, Nogueiró. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 9 de Julho de 1919. Deu baixa ao Hospital em 15 de Novembro de 1917. Evacuado para hospital no mesmo dia. Evacuado para um dos hospitais da base em 21. Alta em 22 de Janeiro de 1918. Baixa ao hospital em 8 de Março. Evacuado para o hospital canadiano n.º 3 em 9 e alta em 16 do mesmo mês. Punido 21 de Agosto de 1918 pelo Comandante da Companhia em 6 dias por ter faltado ao segundo tempo à instrução em 19 de Agosto de 1918. Punido em 2 de Setembro de 1918 pelo comandante do batalhão em 5 dias de detenção por ser pouco diligente no trabalho em que estava encarregado. Punido em 23 de Janeiro de 1919 pelo comandante do 3.º batalhão com 10 dias de detenção porque estando de faxina ao batalhão não compareceu ao serviço que o cabo lhe determinou, apesar do toque ser respeitado, alegando não ter ouvido. Repatriado com a S. Adidos em 5 de Junho de 1919.

ANTÓNIO DA SILVA BARBOSA

4.ª Brigada. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. 1.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 45051. Soldado n.º 166. Brigada do Minho. Solteiro. Filho de Manuel José Barbosa e de Ana Angelina Barbosa, natural de Moledo, Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo é sua mãe, residente em Campanhã, Porto. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 9 de Junho de 1919. Baixa à ambulância n.º 5 em 19 de Outubro de 1917. Alta em 27. Seguiu para a frente de Herbelles em 20 de Julho de 1918. Colocado no Q. G. em 2 de Novembro. Licença por 10 dias com princípio em 11 de Fevereiro de 1919. Presente de licença em 22. Condecorado com a Medalha Comemorativa da Expedição à França (24 de Fevereiro de 1919). Punido em 3 de Junho de 1918 pelo Comandante do Batalhão com 10 dias de detenção por o mesmo lhe ordenar que cortasse o cabelo, aparecendo com o cabelo por cortar. Repatriado com o G. L. L. em 5 de Junho de 1919. No “Boletim de Alterações do C. E. P.”. com o n.º 84 a placa de identidade tem o n.º A-45051.



AUGUSTO PINTO

4.º Batalhão de Infantaria. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. Soldado .º 471 da 3.º Companhia. Placa de Identidade n.º 45858. Solteiro. Filho de João José Pinto da Cruz e de Teresa de Araújo Campos. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Faleceu em França em 21 de Outubro de 1917. Baixa na ambulância n.º 3, por virtude de ferimentos obtidos em combate, em 20 de Outubro de 1917. Faleceu em 21 do mesmo mês, sendo sepultado no cemitério de Vieille-Chapelle, coval D. A. Local de sepultura: França, Cemitério de Richebourg L`Avoué, Talhão A, Fila 13, Coval 5. O “Estrela do Minho”, em 14 de Abril de 1918, noticia de seguinte forma o seu falecimento: “Faleceu em França o soldado de Infantaria 8 Augusto Pinto, neto do sr. António Gonçalves Pinto, digno provedor da Santa Casa. / A morte do soldado, no seu posto de combate, defendendo a Pátria, é sempre honrosa e heroica, merecimento, por isso, a homenagem dos seus concidadãos.”

AUGUSTO PINTO DE ARAÚJO CAMPOS

Filho de João Pinto da Cruz e de Teresa de Araújo Campos. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. Pertenceu ao Regimento de Infantaria n.º 8. Serviu em França. Encontra-se inscrito no Monumento aos Mortos da Grande Guerra, em V. N. de Famalicão. O “Estrela do Minho” noticia da seguinte forma o seu falecimento em 11 de Novembro de 1917: “Morreu em França o soldado nosso conterrâneo Augusto Pinto de Araújo Campos, da freguesia de Gavião, n.º 271, do Regimento de Infantaria 8, do qual fazia parte. / Morreu no campo de honra em defesa da Pátria. / À sua família as nossas condolências.”

GERALDO FERREIRA AZEVEDO

4.ª Brigada. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão da Brigada do Minho. 1.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 45045 [42440]. Soldado n.º 33. Solteiro, natural de Gavião, V. N. de Famalicão. Filho de Francisco Ferreira Azevedo e de Teresa de Jesus. Parente vivo mais próximo é sua mãe, residente em Gavião, V. N. de Famalicão. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 19 de Abril de 1919. Baixa à ambulância n.º 4 em 17 de Novembro de 1918. Evacuado para H. S. 8 em 21. Alta em 27 para a unidade. Punido em 19 de Setembro de 1918 pelo Comandante do Batalhão com 15 dias de prisão disciplinar, por trazer batatas do piquete de trabalho. Seguiu para Portugal com o E. N. N. do 6.º Batalhão em 15 de Abril de 1919, a bordo do “Miller”.

JOAQUIM FERREIRA BARBOSA

4.ª Brigada de Infantaria. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. 4.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 46091 [43631]. Soldado n.º 328. Solteiro. Filho de Rodrigo Ferreira de Carvalho e de Ana Rosa. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo é Maria Ferreira Barbosa, residente em S. Tiago de Antas, V. N. de Famalicão. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa a 8 de Julho de 1919. Fez serviço a [S. T. A.] desde 22 de Junho de 1918. Aumentado ao efectivo da S. T. A. Em 30 de Novembro de 1918. Repatriado com a S. T. A. em 3 de Julho de 1919.

MANUEL FERREIRA DE AZEVEDO

4.º Batalhão de Infantaria. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. 2.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 45480. Soldado n.º 328. Solteiro. Filho de João Ferreira de Azevedo e de Rosa Conceição Barbosa. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo é seu pai, residente em Gavião. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 22 de Dezembro de 1917. Baixa à ambulância n.º 5, em 4 de Setembro de 1917. Alta em 10 de Setembro de 1917. Baixa à ambulância n.º 5 em 18 de Outubro de 1917. Evacuado para  o Hospital [S.] n.º 1 em 1 de Novembro. Evacuado para o hospital canadiano n.º 3 em 5, alta em 8. Presente no mesmo dia ao serviço. Julgado incapaz de todo o serviço, e de angariar os meios de subsistências em sessão de 13 de Novembro de 1917. Lê-se no “Boletim de Alterações n.º 138” do C. E. P. que foi “abatido ao efectivo da Companhia em 1 de Dezembro de 1917 por ter sido julgado incapaz de todo o serviço em sessão de 13 de Novembro último, confirmada em 22 de Novembro”.

MANUEL FONSECA

4.º Batalhão de Infantaria. Regimento de Infantaria n.º 29. 2.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 46893. Soldado n.º 460. Solteiro. Filho de Camilo Fonseca e de Maria da Conceição da Silva Carvalho. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo são seus pais, em Gavião, V. N. de Famalicão. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em 14 de Janeiro de 1919. Diligência ao L. R. 1 da 2.ª Divisão em 5 de Maio de 1917. Baixa à ambulância em 6. Alta em 12. Baixa ao H. B. 1 em 10 de Janeiro de 1919. Julgado incapaz de todo não podendo angarias os meios de subsistências em sessão de 20. Alta em 6 de Fevereiro para o S. T. A. Seguiu para Portugal por via terrestre em 9. Presente na delegação em Paris em 10. Seguiu, seguiu no mesmo dia o seu destino.

MANUEL PEREIRA

4.ª Brigada. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. 3.ª Companhia. Placa de Identidade n.º 45831-A. Soldado n.º 413. Solteiro. Filho de Francisco Pereira e de Rosa da Costa Ribeiro. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo é seu pai, no Louro. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 18 de Julho de 1918. Baixa à ambulância n.º 5 em 10 de Setembro de 1917. Alta em 13. Baixa à ambulância n.º 3 em 14 de Novembro em virtude de ferimentos recebidos em combate neste dia. Evacuado para o H. S. 1 no mesmo dia e evacuado para um dos Hospitais da Base em 17 do mesmo mês. Evacuado para o H. S. 1 em 18 do mesmo mês. Evacuado para o campo de convalescentes n.º 1 em 7 de Dezembro. Alta em 20 de Fevereiro. Punido em 18 de Abril de 1918 pelo Comandante do Grupo de Contingentes com 8 dias de prisão correcional por ter sido encontrado pelo mesmo Comandante por 22 horas de 16 fora do seu alojamento, declarando ter ido sem licença a uma povoação próxima e respondeu menos respeitosamente quando o interrogava.


MANUEL DA SILVA

4.º Batalhão de Infantaria. Infantaria n.º 8. 2.º Batalhão. Placa de Identidade n.º 45756 [29684]. Soldado n.º 184 da 3.ª Companhia. Solteiro. Filho de José da Silva e de Rosa Maria da Costa Brandão. Natural de Gavião, V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo é sua mãe, em Gavião, V. N. de Famalicão. Embarcou em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em 12 de Agosto de 1919. Julgado incapaz do serviço activo em sessão de 12 de Julho de 1917. Colocado n Q. G. B. em 1 de Maio de 1918. Presente no [Departamento] de Boulogne, a fazer serviço na censura, ficando adido a este serviço em 7 de Agosto. Voltou a fazer serviço na S. C. B. Licença por 10 dias com princípio em 14 de Fevereiro de 1919. Presente da licença em 23 de Fevereiro de 1919. Presente no S. A. B. em 22 de Março de 1919. Aumentado ao seu serviço em 1 de Abril de 1919. Repatriado em 9 de Agosto de 1919.

MANUEL DA SILVA BRANDÃO

Residente em Gavião. Profissão, carpinteiro. Casado. Serviu em França. Soldado. Pertenceu ao Regimento de Infantaria n.º 8. Teve duas condecorações: França e Vitória.

VALDEMAR CARDOSO

Residência, Gavião. Profissão, padeiro. Casado. Serviu em França. Soldado. Pertenceu ao regimento de Infantaria n.º 8.Teve duas condecorações: França e Vitória.





quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Os 110 Anos de Cinema em V. N. de Famalicão (4 de janeiro de 1908)


“… o cinema, como espectáculo assentara arraiais em Portugal. E desde logo conquistou não só um público popular, que no animatógrafo encontrava entretenimento barato, variado e acessível, mas também a burguesia e certos sectores intelectuais, que não desdenharam da novidade.”

Alves Costa, “Breve História do Cinema Português (1896-1962), 1978.

Campo Mousinho de Albuquerque: atrás da Igreja de Santo António, reconhece-se o velho barracão onde funcionou o Salão de Cinema do “Pathé”. (Bilhete-Postal do espólio do autor).



Projecto que me tem acalentado há já alguns anos até hoje tem sido aquele que chamei de “Em Busca de uma Identidade”, cujos primeiros tópicos podem ser lidos no livro “Portas da História – I” (V. N. de Famalicão: Câmara Municipal, 2015). Este projecto cultural sobre V. N. de Famalicão que engloba o teatro (cujo trabalho de investigação sairá no próximo “Boletim Cultural” do Município Famalicense, particularmente entre 1900 até 1926), o cinema, festas e espectáculos, as conferências e o tecido associativo famalicense. De qualquer maneira, estes trabalhos levam-me àquela ideia de Henry James quando nos fala do «espírito do lugar», ou ainda aquela denominação de Gadamer a propósito do «fenómeno de pertença»: pertença a um lugar para este ser desvendado nas suas múltiplas facetas, comportamentos, gostos culturais da sociedade famalicense ou o comportamento político (ver, por exemplo, o meu trabalho este ano publicado “Os Partidos Políticos e a I República: o caso de V. N. de Famalicão (1895-1926)”. Todos estes parâmetros de que falo, e após a sua publicação, serão pistas para novos trabalhos para que a investigação histórica não pare nas suas múltiplas facetas e que os permita ser uma espécie de cenógrafo histórico, não como revisionista histórico, mas que esta cenografia histórica permita ser, nas palavras de Paul Veyne, lida como um verdadeiro romance, diga-se, a reconfiguração daquilo que ela é (uma ciência do social e do humano) da comunidade famalicense e para permitir compreender aquilo que somos.
Desta forma, e no caso que hoje aqui me traz, a aventura cinematográfica em V. N. de Famalicão, ela tem início logo no ano de 1908, apesar de não termos conhecimento do seu programa. Efectivamente, sabemos pelo jornal famalicense “O Regenerador”, em 4 de janeiro de 1908, que “realiza-se hoje no nosso teatro a primeira das 8 sessões de cinematógrafo, anunciada para o dia 2 e que por motivos de força maior não pode ter lugar nesse dia. / Como dissemos, e segundo nos informam, o aparelho é muito perfeito e traz fitas magníficas, provocadoras de gargalhadas, sem ofender os costumes. / O preço de entrada é módico, pois que há para todos os paladares e para todas as bolsas – Camarotes 600 e 500 réis, plateia 100 réis e galeria 50 réis. / Ao Pathé!”, confirmando no número seguinte, a 11 de Janeiro, a realização das 8 sessões: “Começou efectivamente a exibir-se no nosso teatro no último sábado uma excelente máquina Pathé, apresentando fitas muito variadas, e algumas de muito bom efeito. / Não podemos dizer que a nitidez do trabalho seja um non plus ultra, atendendo principalmente à falta de luz eléctrica. / As sessões têm agradado geralmente, a exemplo de pequenos senões que nem vale a pena esmiuçar. / Porque, afinal, a beleza sem senão é atributo que se não encontra nas coisas criadas…”




“Anymatographo Avenida”, no edifício que viria a ser da Typographia Minerva, na Avenida Barão de Trovisqueira (Imagem do autor, retirada da imprensa).


Em 24 de Novembro de 1912 será inaugurado o “Anymatographo Avenida”, de Artur Garcia de Carvalho e António Dias Costa, o futuro edifício que será da Typographia Minerva, uma sala com capacidades para mil espectadores. Veja-se o entusiasmo com que foi oticiado a sua inauguração, com a informação do programa cinematográfico; “Como dissemos, é hoje inaugurado o novo Animatografo Avenida, provisoriamente instalado no amplo salão para as novas oficinas da «Tipografia Minerva», na Avenida Trovisqueira, ainda em construção. / O aparelho adquirido é novo e do sistema mais perfeito no género. As fitas são escolhidas por um artista, o que tudo produzirá um conjunto de espectáculo como não se exibe melhor nas grandes cidades. / O programa de hoje é o seguinte: “Cascatas do Niágara”, natural colorida; “Nick Ynter e o Correio”, comédia; “Sapateiro Financeiro”, cómica; “Manobras Navais Italianas”, natural; “Riqueza Mal Adquirida”; 1.ª parte de “O Barco da Morte”; “Riqueza Mal Adquirida”, 2.ª parte de “O Barco da Morte”; “Botas de Kimba”, cómica; “Um prego num Sapato”, cómica. E como em Famalicão nenhuma distracção existe no momento, é de crer que a concorrência seja numerosa àqueles espectáculos, o que encorajará também os seus iniciadores a melhorarem constantemente pela variedade e perfeição, os espectáculos do Animatógrafo Avenida.” (“Estrela do Minho”, de 24 de Novembro).



O “Olympia”, na esquina da Rua Alves Roçadas (imagem do autor).


Estas mesmas personalidades famalicenses seriam os fundadores do “Olympia”, o qual já funcionava em finais de Julho e princípios de Agosto de 1913 com a denominação “Animatografo-Campo Mousinho”, para se efectivar a sua inauguração em 23 de Novembro. Álvaro Carneiro Bezerra aparece como proprietário em 1916, tendo como sócio, segundo informação da imprensa famalicense da época, Luís Terroso, surgindo em Maio de 1919 a explorá-lo a Empresa Cine Doret, retomando novamente Bezerra a exploração económica do Olympia em finais do mesmo ano. Um dos sucessos do “Olympia” foi o filme “Quo Vadis”, rodado em 8 de Janeiro de 1914, de Enrico Guazzoni. O jornal famalicense “Desafronta”, em 1 de Novembro de 1913 foi o primeiro a noticiar a sua vinda nos seguintes termos: “O facto de saber-se que a empresa cinematográfica desta Vila tenciona apresentar brevemente no seu salão, ao Campo Mouzinho, a assombrosa película “Quo Vadis”, tão admirada em todo o mundo, volta a ser lido com interesse o romance de Henryck Sienkiewicz, tradução de Eduardo de Noronha, que há questão de uma dúzia de anos causou também um sucesso extraordinário no nosso meio literário. / Todos querem avivar descrições e recordar paisagens, para com mais interesse puderem acompanhar o decorrer da fita, tão importante, que o seu aluguer, apenas para duas sessões, custa aos empresários nada menos do que 300 escudos.” A 3 de Janeiro, o mesmo jornal anuncia a “sensacional fita” e que “tanta gente aí espera com ansiedade” comentando que ela é “a mais assombrosa película até hoje exibida em todo o mundo. Em 10 de Janeiro de 1914, o “Desafronta” noticia a reacção famalicense: ““Com quatro sessões, foi exibida na Quarta-Feira, no Salão Olímpia, ao Campo da Feira, esta aparatosa e importante fita cinematográfica que despertou, como era de esperar, grande interesse entre as pessoas ilustradas da terra. / A fita dá bem ideia do belo romance do brilhante escritor polaco e é uma criação admirável da cinematografia, embora não fosse possível à empresa que, com assombrosos sacrifícios, se arrojou a confeccioná-la, salientar todas as passagens importantes da extraordinária obra. / No elegante e confortável salão continuam a haver sessões todos os Domingos, com fitas escolhidas, e pelos antigos preços, que a empresa foi obrigada a alterar nas sessões de Quarta-Feira, atento o aluguer elevado que teve de pagar pelo “Quo vadis?” Nada como dar uma espreitadela no sítio http://www.harpodeon.com/ para se visualizar fragmentos de “Quo Vadis” que assombrou Famalicão em 1914.
Por seu turno, em Maio de 1934 o “Olympia” terá um novo proprietário, Manuel Caetano da Silva, ficando até ao final do ano, solicitando ainda a Armindo Pereira sociedade para a exploração cinematográfica. Será só em Outubro de 1936, não havendo cinema desde Janeiro, que V. N. de Famalicão terá de novo projecções cinematográficas, quando, uma vez mais, Álvaro Carneiro Bezerra e Vasco Simões ficarão com o “Olympia” até Abril de 1962. O último filme será “O Dinheiro dos Pobres”, tendo sido exibido em 29 de Abril desse mesmo ano.


Imagem do autor. Retirada da imprensa.


Inaugurando o “Sonoro” em Janeiro de 1931, o “Olympia” teve os seus concorrentes: o primeiro, foi o Cine-Teatro Pathé-Baby (1925-1927) da Associação Vinte Amigos Flor de Famalicão (Senra, Calendário) e a segunda com a inauguração do Teatro Narciso Ferreira (Riba d`Ave), em 1943, com o filme “Fátima, Terra de Fé”.
Paralelamente, e timidamente, para além da época normal da acitividade cinematográfica, a época de Inverno, foram surgindo as primeiras projecções fílmicas na época de Verão, ao ar livre. Aconteceu em 1935, suma sessão organizada por um Grupo de Amigos dos Bombeiros Voluntários, o Campo da Feira; em 1936, pelo mesmo Grupo, na Avenida República e em 1937 também tivemos de novo cinema ao ar livre na esplanada do Barreiro. Sem polémica, o “Olympia” fecharia as suas portas, para logo de seguida, com pompa e circunstância, ser inaugurado o “Famalicense Cine-Teatro”. Mas isso é outra história, assim como os próximos 50 anos do Cine-Clube do FAC (1968-1972), enquanto actividade cultural alternativa no regime do Estado Novo, e, mais bem perto de nós, a Lusomundo no Shoping Town, a sala então denominada New Line Cinemas, o “Cinema City-Famalicão” (chegou a funcionar no Centro Comercial E. Leclerc), o FAMAFEST-Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Famalicão e o Cine-Clube de Joane.


Imagem do autor. Retirada da imprensa.

sábado, 7 de outubro de 2017

As "Portas da História"


AS “PORTAS DA HISTÓRIA”
OS CAMINHOS DA NOVA HISTORIOGRAFIA






É tempo de rasgar horizontes. Fernando Rosas, na última lição que proferiu na Universidade Nova de Lisboa (“História e Memória: “Última Lição” de Fernando Rosas”. Lisboa: Tintas-da-China, 2016), convoca-nos a uma reflexão sobre o papel da Memória na História. Alerta-nos para três paradigmas problemáticos e desconfiguradores da memória historiográfica nesta sociedade neo-liberal conservadora. A primeira desconfiguração da Memória é a desmemória, cujo processo que encarna o pensamento conservador contemporâneo na sua reivindicação ideológica. Este primeiro paradigma da desconfiguração da memória constrói-se de “silêncios” e de “omissões”, baseado num “amoralismo intelectual” e de ignorância sitémica., existindo assim há volta da memória um silêncio organizado nas instituições na efectivação da História. O segundo paradigma da desvirtualização da Memória é a convocação da memória como “farsa”, isto ´r, a teatralização da memória no espaço público. Mais do que uma espécie de “literatura de cordel”, protagonizada, em parte, pelos meios de comunicação social, , existem fenómenos culturais cuja projecção pública desvirtuam o seu real significado, porque depois não aplicados. Finalmente, o terceiro paradigma da desvirtualização da Memória, o “revisionismo historiográfico”, o qual “opina muito”, mas “investiga pouco”, tendo como consequência inevitável a manipulação da própria Memória, ficando suspenso o discurso crítico historiográfico. Destes três paradigmas da desvirtualização da Memória para a efectivação de um discurso historiográfico crítico, vários são os exemplos que poderia citar (e não é preciso ir muito longe, dentro de portas também os temos): pelo que se tem feito em volta de algumas personalidades, com excepções há regra; na falta de um discurso historiográfico crítico, muitas vezes incoerente, tipo corta e cola; no caso de algumas instituições deixarem passar em branco praticamente as comemorações centenárias; por um discurso historiográfico de ignorância histórica, elaborado em algumas circunstâncias via Dr. Google, com indicações bibliográficas incoerentes, o que daqui se supõe a falta de honestidade intelectual e pelos plágios constantes.

Vêm estas reflexões a propósito da publicação dos dois volumes das “Portas da História”, as quais foram apresentadas no Dia do Município de V. N. de Famalicão. Projecto editorial do Presidente do Município famalicense na última vereação, Dr. Paulo Cunha (recentemente eleito nas eleições autárquicas do dia 1 de Outubro), teve a virtualidade de trazer para a Praça Pública não só as comemorações do Dia do Município, na sua segunda efectivação, como igualmente as “Portas da História”, as quais significam a maturidade historiográfica (o mesmo acontecendo em 2005 com a “História de Famalicão”). Se ambas as histórias, conforme o afirmou Artur Sá da Costa na apresentação das “Portas da História”, se complementam, mais do que um discurso ideológico, elas são a reivindicação de uma identidade historiográfica multidisciplinar, manifestando-se contra aqueles que ainda possam acreditar que Famalicão é uma “Terra sem História”, esta mitificação desconfiguradora da memória que tem os seus perigos. Sim, é tempo de rasgar horizontes nas instituições culturais famalicenses (colocando aqui um papel primordial na rede de Museus), com projectos mais ambiciosos entre o local numa glocalização (a exemplo, com o Eixo Atlântico). Mais do que apresentar projectos públicos como dados adquiridos (a tal teatralização da Memória) é tempo de rasgar horizontes para uma identificação do território famalicense além fronteiras.