quinta-feira, 27 de junho de 2013

Delfim Santos, Filósofo e Pedagogo



PALAVRAS-CHAVE
Existencialismo. Cientificismo. Positivismo. Behaviorismo. Psicanálise. Existencialismo. Fenomenologia. Vivencialidade. Dasein. Cooperação. Diálogo. Angústia. Antropologia
Conforme o programado, decorreu no dia 1 de Junho, pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado, a conferência da Prof.ª Cristiana Soveral (da UTAD), integrada no Ciclo de 2013 “A Pedagogia os Pedagogos em Portugal”, com o título “Delfim Santos e a Pedagogia Existencial”. A Prof.ª Cristiana Soveral não só falou da pedagogia propriamente dita em Delfim Santos, como igualmente deu a perceber que ele é o interlocutor com o movimento existencialista, particularmente o alemão. Não foi só o primeiro que traz as ideias pedagógicas do respectivo movimento, como é também aquele que escreve de uma forma mais persistente e consistente sobre o assunto em Portugal. Aliás, Delfim Santos assume-se como um existencialista, fazendo uma grande divulgação da obra de Heidegger. Acrescente-se a facilidade do Prof. Delfim Santos ter aprendido alemão, podendo assim traduzir as obras dos existencialistas alemães, passando assim esta corrente ser difundida em Portugal. A Prof.ª Cristiana Soveral dividiu a sua conferência em 4 partes: i) como, quando e porquê surgiu o movimento existencialista e quem são os seus principais representantes, ii) até onde a filosofia existencialista vai ter reflexos na pedagogia (na prática pedagógica do professor, o que será um pedagogo existencialista), iii) biografia de Delfim Santos e iv) as ideias de Delfim Santos sobre o existencialismo. A Prof.ª Cristiana Soveral, que organiza e anota, ofereceu ao Museu Bernardino Machado o III volume das Obras Completas de Delfim Santos, editadas pela Fundação Calouste Gulbenkian.




Em que contexto surge o existencialismo? Nós sabemos que na primeira metade do século XX há uma crise profunda com duas guerras, dando a segunda um desgaste do ser humano no sentido da desgraça que daí adveio, não só pela quantidade de judeus que foram perseguidos e mortos no campo de concentração, como a selvajaria que aconteceu com deficientes físicos, colocando-se muito então a questão de que o que é que o ser humano quer, que vida é esta. A guerra traz uma revolução social enorme na vida das pessoas. Nesta primeira metade do século XX não só a Europa entra em guerra, como arrasta o resto do mundo, primeiro com a entrada dos Estados Unidos e de pois da América do Sul; e as velhas questões da Filosofia do final do século, também entram em crise. O homem, desamparado, vive sentimentos de vazio que a guerra traz, de angústia, de solidão, solidão de desespero, factores que mobilizam um sentido de reflexão sobre a própria existência, de uma busca de sentido para a vida. Estas foram as preocupações que marcaram o movimento existencialista por diferentes sentidos, mas esta noção de buscar um sentido para a existência e de partir da ideia de que o homem tem e precisa de reflectir sobre a própria vida na busca de um sentido que faça sentido para a sua vida foi, digamos, uma tábua comum em todos os existencialistas.
Toda a Europa, e Portugal não era excepção, vivia este movimento como uma crença, no uso da ciência, um cientificismo e um positivismo  que lhe estava associado e que ganha as suas raízes mais fundas no modelo experimental que vem de Galileu e de Newton. O panorama que temos é este: por um lado, a ciência ganhando força, um positivismo forte e, por outro lado, a crise que leva a uma reflexão existencial que faz com que haja uma camada de pessoas que digam sobre o que é que vale a pena pensar. A realização exclusiva do método experimental com base no positivismo, a crença no progresso indefinido da ciência e da tecnologia e a convicção de alguns de que por seu intermédio os reais problemas humanos poderiam ser solucionados (a ciência soluciona tudo, é capaz de tudo) e ainda a absorção da psicologia pela sociologia, e a valorização máxima desta ciência, estão na base da ideologia cientificista e positivista; e ainda, o positivismo foi mais do que uma corrente filosófica: foi todo um movimento cultural que se espalhou pela Europa durante a segunda metade do século XX. Assumiram a postura anti-metafísica, opôs-se a uma concepção divinista e espiritualista da natureza, negando a existência de elementos apriorísticos do conhecimento. O mundo da experiência tem sido ou marca o mito da razão, como fonte única do saber.




O existencialismo surge como uma tomada de posição de alguns pensadores europeus frente a este movimento cientificista. Não se trata de negar o papel da ciência, mas de limitar esse papel. Tratava-se fundamentalmente de discutir os fundamentos da ciência enquanto ciência do homem. Perguntavam os existencialistas: a aplicabilidade dos conhecimentos científicos seria adequada para o conhecimento do ser humano? O método científico, utilizado nas ciências naturais, remete o homem para a mesma categoria dos outros seres: estudá-lo através da observação, da classificação, através da generalização, é desprezar a categoria fundamental do ser humano: a liberdade. À época, a ciência da psicologia tinha como objecto de estudo o homem e os seus comportamentos e expressava-se fundamentalmente em duas correntes teóricas opostas que valorizam o ser humano em perspectivas completamente diferentes: por um lado, tínhamos o behaviorismo, que valoriza o racionalismo através das relações causais, entre o estímulo e a resposta. Estas relações causais manifestavam-se através de comportamentos relativos ao mundo exterior. Por outro lado, tínhamos o movimento da psicanálise, iniciado no final do século XIX, com Freud, e que valoriza o subjectivismo da mente, a psique, e a dimensão do inconsciente. Estas duas correntes usavam-se como alternativa para o conhecimento do homem. O existencialismo propõe encontrar outros postulados para o conhecimento do homem, considerando o seu contexto histórico, a sua realidade e as circunstâncias que movem para viver no mundo com os outros. Para os existencialistas, o homem só pode ser compreendido através da sua experiência de vida. O homem não é um ser abstracto, é um ser concreto, que deve ser compreendido no seu existir concreto, no seu mundo e na sua vida.
A proposta do movimento existencialista é a de fazer uma reflexão profunda sobre as características essenciais do ser humano e a partir dela estabelecer uma metodologia adequada ao seu conhecimento, capaz de compreender a existência concreta do homem em situação, do homem no mundo, do homem em trânsito. Para os existencialistas, o homem não é apenas um ser dotado de racionalidade, inteligência. Não é pura racionalidade nem pura subjectividade. O homem é uma experiência vivida da qual só ele constrói os sentidos da sua vida, o homem é transcendência, no sentido em que tem uma história que não é linear nem acabada, mas é construída em espiral, pois o homem lembra, associa a partir daquilo que viveu. O homem é percepção totalizante. Seu corpo, sua mente, a sua alma formam uma unidade indivisível. O homem percebe o mundo, junta-se a si e aos outros, valora, tem hábitos, tem manifestações e formas de viver para compreender as coisas que não são produtos daquele momento, mas que são produtos de toda uma vivência que ele tem, de toda uma experiência que tem. A ciência natural, pelo modo como se constrói, tem tendência em transformar o homem em pequenos departamentos, em pequenos estratos, pegando em cada aspecto por si e torna incapaz de alcançar o homem pelo seu vivido, a sua experiência vivida. A vivência é a base fundamental da construção do conhecimento sobre o homem, pois o homem está sempre em relação com os outros. Um homem situado no mundo, mas o mundo não é só o mundo material, o mundo são os outros e o homem não se percebe sozinho, percebe-se sempre entre a sua comunicação e nessa vivência, nessa sua experiência: nós somos aquilo que a nossa vida faz de nós. E das experiências que temos da vida. Eis o postulado existencialista. O homem não tem um corpo: ele é um corpo que abarca o seu mundo, as suas significações. O homem age, pensa, julga pela intencionalidade. Ele vive no seu vivido, o homem é homem porque existe, porque é capaz de vivenciar, de experienciar, de transformar os seus próprios sentidos de vida.





O existencialismo surge assim como uma terceira tendência que procura olhar o homem do modo integrado, global e não comportamentado, dando-lhe uma nova concepção.
Este novo movimento surge para recolocar o homem na sua morada original: a sua existencialidade. Uma das questões controversas para os existencialistas é a tendência anterior de procurar compreender o homem das suas relações com o mundo, tendo-o como um deus de causa e efeito, onde tendem a explicar as generalidades, a classificar, a rotular, não considerando o homem experienciado. A experiência vivida é particular, é pessoal e intransferível. Os existencialistas pretendem questionar o homem na sua vivência, o homem situado no mundo, situado numa situação do mundo concreto. Isto é muito importante para os professores. Não é possível procurar e encaixar o homem em sistemas teóricos que o analisam a partir de sintomas e de comportamentos quantificáveis, mensuráveis. O vivido é descrito pela vivência do dia a dia, interligando presente, passado e futuro. O existencialismo propõe para reflectir bases que sustentam o conhecimento do homem, considerando a sua existência nas suas várias manifestações. O homem é um ser de possibilidades. Como é que será o homem na sua estrutura ontológica? Outra questão que os existencialistas colocam: quais os fundamentos que contemplam o existir e os sentidos desse existir? Reflectir sobre o ser humano, discutir e estabelecer uma visão de homem e do mundo, foi a grande contribuição do método fenomenológico existencial, que se propõe assentar os fundamentos da filosofia enquanto um caminho rigoroso, pois escolhe pensar e alinhavar o método constitutivo do homem para considerar a sua experiência vivida, o seu contexto histórico, cultural e social.
A fenomenologia considera o homem e todos os outros entes são unidades inseparáveis, pois só o homem é capaz de existir, dando significado, manifestando, dispersando a sua linguagem nas várias formas de a dizer. A fenomenologia é uma atitude de reflexão sobre o fenómeno que se mostra para nós na relação que estabelecemos com os outros no mundo. A concepção fenomenológica foi criada pelo filósofo Edmund Husserl, o qual apresenta-nos um conceito central para a filosofia fenomenológica: o conceito de intencionalidade da consciência. Toda a consciência é voltada para alguma coisa, mas nem sempre podemos abarca-la completamente. Mesmo quando penso na reflexão, pensamos o pensamento já pensado. A consciência é sempre intencional. Na nossa relação com o mundo, partimos do princípio de que tudo o que nós pensamos,  somos capazes de expressar nas diferentes formas de viver. Desde logo, a fenomenologia tem por tarefa, a partir das possibilidades para compreender o que simplesmente se revela a partir das nossas vivências intencionais. O homem está sempre perante alternativas, das quais deve fazer escolhas. A escolha traz inquietação e a angústia que se faz presente porque o homem sabe que não pode tomar duas direcções. Diante das alternativas da vida, ele deverá eleger uma e essa eleição irá comprometer o seu destino, para assumir todos os seus inter-relacionamentos e desdobramentos frente ao seu projecto existencial; e esta angústia de ter que escolher um caminho e saber que está nas nossas mãos o nosso destino e as nossas escolhas são importantes para a nossa própria vida, gerando uma certa angústia e é neste processo que os existencialistas acham que o homem deve ser educado para fazer escolhas conscientes.





Não querendo falar dos autores existencialistas, mas que de alguma maneira, para que se saiba de quem está a falar, fazemos uma rápida referência aos existencialistas europeus mais expressivos e às máximas e aos pensamentos que lhe são mais caros. Comecemos pela afirmação de Heidegger de que a vida é existência e que enquanto tal é contingente, frágil e premiada pela angústia que causa náusea e repugnância, como nos afirma Jean-Paul Sartre. A existência é uma maneira de ser, própria do ser humano; assim, o homem é o único ser que existe, pois a sua essência é existência. É ser aí para si, o mundo, é Dasein, isto é, sendo homem no mundo, aí reside no facto de o homem ser um ser em constante auto-criação e projecto em constante devir, sempre inacabado, que nos lembra Gabriel Marcel. No entanto, esse processo de auto-criação só é possível na vida em liberdade. O homem só é livre, ele só é livre na sua liberdade. Se, por um lado, o existencialismo dá ênfase à experiência pessoal, por outro lado, ele põe em evidência a comunhão do homem com o mundo, particularmente com os outros homens, com o TU, segundo Buber, ou com a existência, o Dasein de Heidegger, a comunicação de Jaspers.
Neste tronco comum, decorrem as seguintes sub-teses: o homem, enquanto ser no mundo, é o ponto de partida e é o ponto de chegada de toda a reflexão existencialista. No existencialismo, a ciência fundamental é uma antropologia aplicada. A abordagem existencialista segue o caminho que leva da existência para a essência, antes de ser, existo. O homem faz o que vier a ser, diz Sartre. É na intencionalidade do existir que a realidade se revela. Isto pode ser ao mesmo tempo aterrador, desafiador. O homem é um ser responsável do ser que é e do que será, fundamento da liberdade. Afinal, o seu destino é somente seu, luta de sua escolha individual e a verdade é a liberdade de escolher. Quando escolho, projecto-me no futuro, dou existência àquilo que era possibilidade, o homem é homem de acções, eternamente em trânsito. O momento maior da liberdade é o encontro do EU com o TU, o diálogo para Buber e para Gabriel Marcel a presença.
Quais as implicações que estas preocupações existencialistas trazem para a prática pedagógica, para a nossa prática pedagógica enquanto professores? As teses do pensamento existencialista, consideradas fundamentais, decorrem não pelas implicações para a reflexão e para a prática pedagógica (prática de sala de aula). A primeira, é o respeito pela individualidade do aluno. Cada um é um. Não existe o aluno abstracto, o chamado aluno médio, para o qual é tantas vezes dirigida a fala do mestre. Fala para um aluno que não existe, para o meio-termo, este não existe. O que existe são alunos concretos, todos eles diferentes. Existem, sim, alunos diferentes uns dos outros, dotados cada um com elementos da sua individualidade que lhe é essencial. Na segunda consequência, é a convicção do conhecimento que não pode ser transmitido, mas é decorrente da apropriação por parte do aluno, do saber enquanto problema e das respostas possíveis ou as mais adequadas ao problema em questão. A acção dialógica entre o mestre e o aluno implica o constante questionamento que leva à descoberta de cada um. E é só aí que ele aprende. O diálogo é fundado na honestidade, não é um diálogo artificial. Só o primeiro diálogo é pedagógico, é o que gera conhecimento intelectual. Assim, para o educador existencialista, o método pedagógico por excelência é a pedagogia do diálogo, num quase retorno à maiêutica socrática, não é o ensino que importa, mas a aprendizagem, num processo que tem que ser realizado com cada um de forma individualizada. O terceiro aspecto ressalta da relação entre o aluno e o mestre, a não imposição. O mestre respeita o interesse do aluno, as suas curiosidades, as suas preocupações, sempre que possível não sacrificando a curiosidade do aluno ao programa, mas o programa às curiosidades e aos interesses das crianças, doas adolescentes, dos adultos. Acima do livro, está a pessoa. Daí que a pedagogia do projecto seja muito adequada à pedagogia existencialista. O estudante não é um espectador do processo de aprendizagem, ele é o actor do processo. O conhecimento não se faz por saberes estanques, divididos, por disciplinas, é transdisciplinar. A pedagogia do projecto ajuda a fazer esse cruzamento, transdisciplinar ou interdisiciplinar.






Vamos agora ver o papel de Delfim Santos na pedagogia existencialista portuguesa. Delfim Santos é considerado como sendo o principal introdutor do pensamento existencial, principalmente alemão, em Portugal. A sua acção difunde pela transmissão académica, já que Delfim Santos era o único catedrático de pedagogia no país, o mesmo pensamento, como também pela escrita. Vejamos, então, em linhas genéricas quais as posições filosóficas de Delfim Santos e como este pensamento é discussão existencialista. Comecemos pelo entendimento do que é a filosofia para Delfim Santos. Para Delfim Santos a filosofia é fundamentalmente a busca do conhecido, da existência concreta de cada um. Delfim Santos, como Heidegger, parte do homem situado no mundo, do homem da existência, da Dasein, ou ser-no-mundo, o sente. Este é o ponto de partida de toda a sua reflexão filosófica e é também, em simultâneo, ponto de chegada. O homem, ao tomar consciência da sua existência, percebe-se como ser finito, por mais que nos custe nós sermos finitos, somos um ser-para-a-morte. O homem tem em si mesmo a dimensão do absoluto, porque existe de forma gratuita, no próprio acto da existência. O homem tem em si a dimensão que o transcende e é nessa tensão entre o finito e o infinito que o homem permanece. Assim, diz-nos Delfim Santos que a existência remete-nos para a transcendência. O homem existe situado no mundo, na realidade dada ao homem, da qual ele não pode fugir. Está no mundo a estabelecer relações com as coisas, com os outros e consigo próprio. Essas relações têm com o mundo a preocupação, o homem preocupa-se com as coisas, buscando o sentido da sua utilização. O mundo é que é para mim. Preocupa-se com os outros, buscando um sentido para a sua cooperação, para a sua ligação com os outros e preocupa-se consigo mesmo, buscando um sentido para a sua existência. Esta preocupação pode manifestar-se autêntica ou inautêntica. Na existência inautêntica, o homem perde-se no mundo, vive a angústia de ser solitário, de ser diferente do outro e opta por ser por todos e acaba a viver a sua vida vivendo a vida dos outros. Ao contrário, a existência autêntica é aquela que resulta da plena consciência da personalidade, mas nesta o homem vive igualmente a angústia e o medo de se perder na massa anónima. A angústia está sempre lá presente: ou que eu tenha a angústia de ser diferente, ou que se tenha a angústia de não conseguir ser diferente. A angústia é aqui um valor positivo, estando para a própria condição da existência do homem. A existência é a contínua possibilidade de optar pela autenticidade, ou pela inautenticidade. É aqui que o nosso filósofo conclui pela predominância da educação, se esta for entendida como, a um tempo, palavra, para conduzir o aluno a uma actividade libertadora. Nós temos que aprender a ser autênticos. Ao perceber-se no mundo, o homem quer incorporar-se no mundo e é pelo conhecimento que o pode fazer-se. Estabelece-se aqui a primeira relação, uma relação de incorporação. Aqui Delfim Santos coloca três questões centrais. Conhecer o quê? Conhecer como? E conhecer para quê?



O primeiro problema desdobra-se em outros, cujo primeiro consiste em saber se o real é uno ou é múltiplo. Delfim Santos opta inequivocamente pela tese da multiplicidade do real e não pela sua unidade. Só na tentação do pluralismo ontológico, respeita a diversidade expressa do real; e, segundo Delfim Santos, o maior problema e a dificuldade das reflexões filosóficas ao longo da história do pensamento, dizem respeito à má determinação da realidade. Pensar, diz-nos Delfim Santos, exige preliminarmente a determinação da realidade, à qual as ideias pretendem retribuir-se. Esta é a primeira tarefa que cabe ao filósofo, a determinação ontológica da realidade. E segue-se uma outra igualmente fundamental: o assegurar cada uma dessa regiões o conhecimento que lhe é próprio. Partindo do princípio daquilo que Delfim Santos vai fazer, que não é nova, só que faz de uma maneira diferente, diz-nos que há estratos, regiões da realidade. Delfim Santos apresenta quatro: matéria, vida, consciência e espírito. Estas, por seu turno têm categorias ( a saber, causalidade, a matéria, a finalidade, a intencionalidade, a vida, a liberdade na consciência e o espírito) próprias e há formas de conhecimento adequadas ao conhecimento de cada uma dessas regiões ou estratos da realidade.
Na segunda questão, o problema coloca-se em saber que as formas de manifestação do real são coincidentes com as formas da apreensão do real, como é que o real se manifesta? Seremos dotados de capacidade de aprender as manifestações do real? Conseguimos pegar no real todo? Se conseguimos, a realidade é aquilo que nós conhecemos, ou a realidade é qualquer coisa e o que se conhece é uma parte da realidade? Quais são as nossas relações com a realidade? Há identidade entre as formas de manifestação do real ou não há identidade? E se há ou não, qual a parte idêntica e a que não é? O que queremos? Diz Delfim Santos que conhecer é sempre uma coisa de dois actos. O primeiro acto, que chama de transcensão, o sujeito sai de si mesmo para encontrar a realidade. No segundo acto, que ele chama de objecção (ou poderia ter chamado de objectivação) é quando o sujeito se torna a si mesmo. Portanto, o conhecimento é sempre subjectivo. A realidade é sempre alguma coisa independente de nós. O que nós conhecemos é o que nós conseguimos objectivar. Mas existe sempre algo que resiste ao nosso conhecer, que para Delfim Santos é trans-objectivo. E então qual é o processo da ciência da filosofia? É cada vez conseguir mais, fazer aquilo que nós não conseguimos objectivar para uma zona mais objectiva. Há muita coisa no real que nós não conseguimos perceber, há muita coisa ainda que não conseguimos objectivar.
O homem, quem é o homem, que é o que interessa à pedagogia. O homem é um ser que também tem esta camada, conseguindo fazer a síntese dessas três camadas. Mas o homem é um ser diferente da realidade. O homem também tem matéria, o homem também tem vida, o homem também tem consciência e o homem tem, para lá destas três, é o único ser que tem a quarta dimensão, o espírito. O homem faz a síntese desses estratos e esta síntese faz surgir algo de novo, a pessoa. O objectivo final do conhecimento é o conhecimento do próprio homem, o auto-conhecimento. O homem procura incansavelmente o conhecimento de si próprio para melhor entender a sua existência finita, na tensão entre o ser e o nada, entre o viver e o morrer, e com a consciência dolorosa da sua inevitável aniquilação. O homem é um ser-para-a-morte, que busca o outro pela comunicação e na cooperação pelo amor, numa fuga ao seu inevitável aniquilamento. Esta é a dimensão profundamente existencialista do pensamento de Delfim Santos. A filosofia, a ciência, todas as outras formas de saber, estão ao serviço da antropologia; e a pedagogia, para Delfim Santos, não é mais do que uma antropologia aplicada. Na sua relação e na sua intervenção, o homem percebe que conhecer o mundo não é apenas uma curiosidade, e o ser no mundo tem a finalidade de cooperar com o mundo, cooperar com o outro e o homem só pode ser na medida em que coopera com o mundo e esta cooperação faz-se através da comunicação, ou seja, poder encontrar o outro na identidade de comunicação cooperando com ele. A cooperação mais universal vai ser no plano da cultura. A cultura não é um produto individual, a cultura é um produto da nossa comunicação com o outro, daquilo que fica da nossa cooperação com toda a humanidade. É pela cultura, segundo Delfim Santos, que conseguimos vencer o nosso único fundamento, é quando nós deixámos alguma coisa, uma marca.




A obra mais importante de Delfim Santos, que vai ligar o pensamento existencial ao seu pensamento pedagógico, é a obra “Fundamentação Existencial da Pedagogia”. Aqui, a pedagogia, enquanto ciência, ainda não estabeleceu bem o seu estatuto epistemológico, ou seja, a pedagogia ainda continua a ser aquilo que Delfim Santos chama de “manta de retalhos”, A pedagogia como ciência autónoma e como método e objecto próprio ainda não se estabeleceu. Neste livro fala-nos também da questão da aprendizagem. Aqui, a aprendizagem surge como acto pedagógico, enquanto encontro e diálogo entre o docente e o discente. Da finalidade existencial da educação, dirá Delfim Santos que a tarefa principal dos mestres é levar os alunos a que pensem por si próprios, para chegarem a si próprios com mais autenticidade.

sábado, 15 de junho de 2013

Delfim Santos no Museu Bernardino Machado


No próximo dia 21 de Junho, pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado (V. N. de Famalicão), realiza-se mais uma conferência do Ciclo temático “Pedagogos e Pedagogia em Portugal”. A convidada é Cristiana Soveral, Professora Associada com Nomeação Definitiva da Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro, que vai proferir a conferência denominada “Delfim Santos e a Pedagogia Existencial”. A entrada é livre, encontrando-se as conferências do respectivo Ciclo acreditadas pelo Centro de Formação Científica/Educadores de Infância e Professores do Ensino Básicos e Secundário. Entrega-se certificado de presença.
Com a licenciatura em Filosofia pela faculdade de Letras da Universidade do Porto, mestrado em Educação/Filosofia da Educação pela Universidade Católica de Petrópolis e um Doutoramento em Ciências da Educação/Filosofia da Educação pela UTAD, Cristiana Soveral é actualmente em Portugal uma das maiores especialistas do pensamento de Delfim Santos. Para além de ter já publicado “A Filosofia Pedagógica de Delfim Santos” (2000), “Filosofia da Educação: principais linhas da filosofia moderna” (2001), assim como colaboração no V Volume da “História do Pensamento Filosófico Português” (2000), Cristiana Soveral tem no prelo alguns livros sobre Delfim Santos. Paralelamente, tem publicado e organizado, através da Fundação Calouste Gulbenkian, as Obras Completas de Delfim Santos.
Recorde-se que não é a primeira vez que Cristiana Soveral colabora com o Museu Bernardino Machado. Já esteve entre nós nos “Encontros de Outono “ de 2005 com a conferência “Reflexos do Pensamento Pedagógico de Delfim Santos no Sistema Educativo Português” e em 2009 nos Ciclos de Conferência “As Grandes Questões da I República”, falando então sobre “A Instrução e a Educação na I República”.