domingo, 23 de julho de 2017

António José da Silva Pereira, O Cidadão


ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA PEREIRA (Fânzeres, Gondomar, 24/01/1864-Bairro, V. N. de Famalicão, 19/12/1941), O CIDADÃO
Uma Viagem Pela Imprensa

Por Amadeu Gonçalves


“A minha felicidade é feita pelo bem que distribuo.”
António José da Silva Pereira, entrevista ao jornal “A Voz”, de 1 de Maio de 1938.

 Amadeu Gonçalves, José Leite (Junta de Freguesia de Bairro), Prof.ª Maria de Fátima Castro
Foto Rui Pereira

Hoje é dia de Festa. Foi dia de festa, precisamente, há 85 anos, neste mesmo local, hoje sede da Junta de Freguesia de Bairro, na qual foi inaugurada a Creche-Maternidade e, em frente, com a colocação da primeira pedra, as célebres escolas do sexo masculino e feminino, ambas as instituições patrocinadas por António José da Silva Pereira, precisamente em 24 de Janeiro de 1932. Do respectivo programa constava o seguinte:

Às 10 Horas – Missa na Paroquial de Bairro, mandada celebrar pelo pessoal da fábrica, em acção de graças pelo sr. Silva Pereira.
Às 11 Horas – Bodo aos Pobres da Freguesia
Às 12 Horas – Almoço Íntimo.
Às 14 Horas – Lançamento da 1.ª Pedra para dois edifícios escolares, seguindo-se a inauguração solene da Creche-Maternidade e um «Porto de Honra» aos convidados.

O local encontra-se caprichosamente ornamentado e duas Bandas far-se-ão ouvir. Haverá também várias sessões de fogo.

Estiveram presentes as mais altas individualidades da época, nomeadamente o Presidente do Conselho, o general Domingos de Oliveira, amigo pessoal de Silva Pereira, assim como O Ministro do Comércio, João Antunes Guimarães, com uma carga forte de presença de militares. Não é de estranhar. Estávamos na fase plena da ditadura militar. O Município de V. N. de Famalicão não ficou indiferente à vinda do então Presidente do Conselho e este foi recebido em festa, antes de se dirigir para Bairro:
“Assim, às 15 horas, e a convite da Câmara, encontravam-se na estação do caminho-de-ferro, as corporações e individualidades locais, bombeiros, escuteiros, autoridades civis e judiciais, funcionalismo, componentes das comissões administrativas das juntas de freguesia, regedores, clero, etc. / Quando o comboio entrou nas agulhas, ouviu-se uma girândola de foguetes, enquanto uma banda executava a «Portuguesa». / Ergueram vivas à Ditadura, ao presidente do Governo, ao Dr. Oliveira Salazar, ao general Carmona, à Pátria, sendo a República também aclamada. / No Largo Heróis de Monsanto organizou-se então um cortejo em direcção aos paços do Concelho, onde foram das as boas-vindas ao Sr. general Domingos de Oliveira e onde s. ex.ª foi novamente alvo das homenagens dos representantes de Famalicão.” (“Estrela do Minho”, 24 Janeiro 1932).


 "O Primeiro de Janeiro" (25 de Janeiro 1932)


O programa, segundo a imprensa da época, local, regional e nacional, foi cumprido à risca. Do que não estava anunciado, foi, segundo informação do “Estrela do Minho”, em 31 de Janeiro de 1932, o voo sobre Bairro do “avião militar da Amadora, o n.º 12, tripulado pelo Tenente Sr. Sarmento Pimentel, que desceu até junto aos telhados, lançando de bordo, uma saudação ao sr. Silva Pereira.” Houve muitos discursos no acto da colocação da primeira pedra das escolas, assim como na inauguração da Creche-Maternidade, instalada “num edifício amplo, de linhas elegantes, onde a luz entra a jorros alegrando os aposentos confortáveis e asseados.“ Continha então duas enfermarias “com todos os requisitos de higiene e várias dependências convenientemente instaladas para assistência clínica e cirúrgica.” (“Estrela do Minho”, 31 Janeiro 1932). Estiveram presentes, para além das associações famalicenses, caso da Associação Comercial e Industrial, a União Artística Vila Realense e a Corporação dos Bombeiros Voluntários do Porto. O auditório, nos vários discursos que se proferiram, ouviram ainda algo do género e tão estranho: ”A bondade dentro de um estado forte e nunca com o terror e a perseguição de um estado fraco.” As escolas seriam inauguradas em 24 de Janeiro de 1933, com a presença do amigo de sempre, General Domingos de Oliveira.





Mas como seria Bairro antes da vinda de Silva Pereira? Segundo o “Jornal de Notícias”, de 25 de Agosto de 1929, reportagem à qual voltarei, “uma terra que há bem poucos anos estava coberta de pinheiros e matos, e que hoje se encontra transformada numa cidade dentro muros com um belo estabelecimento fabril”. Rebelo Mesquita, com o seu pseudónimo Óscar Flecha, também nos dá um retracto singular, melancólico e poético de Bairro. Veja-se:

“Quando chegámos ao Monte de Laçocos e nos pusemos a olhar por aquela estrada larga que vai até lá, ao fundo, à estação do caminho-de-ferro – começamos a pensar o que era em tempos, há talvez uma dezena de anos – aquela freguesia hoje próspera e linda, industrial e comercial. / Não iremos longe de verdade se afirmarmos que aquele lugar – como mirante para o Ave que passa lá em baixo – devia ser extremamente bucólico. / Ermo, talvez triste, de caminhos intransitáveis, devia ter sido aquela aldeia que hoje, a nossos olhos, tem alguma coisa de belo, de extraordinário, graças ao seu progresso e à sua indústria. / Bairro é, entre todas as nossas freguesias, aquela que está em pleno progresso e actividade. / Do lugarejo triste e abandonado – não há muitos anos – é, hoje, uma terra próspera, atraente, cheia de beleza.” (“Notícias de Famalicão”, 10 Outubro 1936).


O primeiro retracto sobre a Fábrica de Fiação e Tecidos, pelo menos aquele que conheço, é do “Jornal de Notícias”, de 25 de Agosto de 1929. Informa que “tem amplo salões de Fiação, Tecelagem, Tinturaria, Cardação e grandes armazéns para matérias-primas, etc., todos eles providos de muita luz e ar, sendo todas as secções bem determinadas e amplas onde se nota estar o operário à vontade e não acumulados em pequenos recintos e espaços insuficientes para s maquinismos”. Mais à frente, que a fábrica possui um “consultório médico” e possui “todos os maquinismos modernos, é movida a energia eléctrica do Lindoso e tem a mais bem instalada central, sem dúvida, do Norte do País, sendo todos os motores e material eléctrico fornecidos pela casa «ASEA», da Suécia. Por intermédio dos seus representantes sr. Jaime da Costa, Ld.ª, da cidade do Porto”. Escoava os seus produtos para Portugal, as colónias e para o mercado brasileiro e especializa-se segundo a publicidade, no fabrico de cotins, cobertores, dos mais simples aos mais artísticos e riscados de diversas qualidades. A primeira casa de Silva Pereira ficava entre o depósito de ferro para óleo e a central eléctrica, na qual viveu entre 1916 a 1922, mudando então para o seu palacete. Dos actos de benemerência, fala-se na projecção das escolas para o sexo feminino e masculino, uma creche para crianças e a Avenida que terá o seu nome. Será, contudo, no “Diário da Manhã”, de 22 de Maio de 1932, que temos referência pela primeira vez às “casas para os operários”. 1932 será um ano marcante não só pela colocação da primeira pedra das escolas, como da inauguração da Creche-Maternidade, mas será inaugurada igualmente a Cabine Telefónica, com a representação da Associação Comercial e Industrial de V. N. de Famalicão. Presidente da Direcção da referida Associação em 1931, e não em 1932, como alguns jornais nacionais pretendem assinalar, a mesma Associação transforma-o em Sócio Benemérito em 1935. Homenagem mais do que justa, merecendo a distinção de Narciso Ferreira, este Presidente Honorário. Mas isto deve-se a outros conflitos. A Avenida Silva Pereira já estaria pronta em 1934, segundo informação do “Estrela do Minho”, de 20 de Maio: “… a Avenida Silva Pereira, com as suas escolas já prontas, harmonizando nas suas linhas com o gracioso edifício da creche e outros edifícios elegantes que se vão estendo ao longo dela” é exemplo do que afirmo. Possivelmente, a última aparição pública de Silva Pereira revestiu-se no duplo centenário da fundação de Portugal, cujas comemorações foram celebradas em Bairro, segundo o “Notícias de Famalicão”, de 8 de Junho de 1940:



“De manhã foi arvorada no adro da Igreja a bandeira da Restauração entre o estrelejar de numerosos foguetes. De manhã, missa em acção de graças, assistindo à mesma as crianças das escolas garbosamente vestidas, as agremiações das freguesias e o grupo desportivo com a sua nova equipa. / No final da missa dirigiram-se em cortejo para a Escola do Sexo Masculino onde houve uma sessão solene sob a presença do sr. dr. José Lacerda, ladeado pelo Sr. A. J. da Silva Pereira e P. Carlos de Lacerda, digno pároco desta freguesia, estando presente diversas individualidades e muito povo… / Também na Segunda-Feira, dia 3, as mesmas colectividades chefiadas pelo sr. Padre Carlos de Lacerda, seguiram em cortejo até á vizinha freguesia de Rebordões, para saudar o venerando Chefe do Estado na sua passagem a Guimarães, e lhe ofereceram lindos bouquets de flores.”

Não quero deixar de fazer referência ao majestoso “In Memorian” que o jornal de V. N. de Famalicão “Notícias de Famalicão”, em 20 de Dezembro de 1941, realizou a propósito do cidadão António José da Silva Pereira. Dando-nos a informação que trabalhava já como corrector de algodões, o que lhe permitiu então angariar alguma experiência profissional no ramo, caracteriza Bairro como uma “freguesia rural” e, paralelamente, “triste, taciturna, tinha apenas o romantismo do Ave e das suas margens.” Só que Silva Pereira chegou para revolucionar Bairro, dando-lhe “uma nova feição e tornava aquele lugar num centro industrial que se urbanizava de dia para dia.” Bairro despediu-se “daquele tom triste e passou a ser um grande e próspero centro industrial. À sua actividade industrial, construiu uma outra, a de benemerência, "de tal modo que o Governo da Nação conferiu-lhe a Comenda da Ordem de benemerência.” Mais à frente, explora este “In Memorian” a sua actividade de benemérito: “… mandou construir uma creche e um lactário, anexando-lhe, num magnífico e amplo edifício, uma maternidade… mandou construir as escolas de Bairro, para ambos os sexos, num amplo e magnífico edifício.” Ainda ao nível da obra social, Silva Pereira criou “uma cantina para o pessoal e nessa mesmo colocou sala de divertimentos, com bilhares e jogos… Abriu por sua iniciativa particular uma Avenida e uma estrada que passando pelo lugar da Granja ligou Bairro à Carreira, encurtando quatro quilómetros da sua freguesia à sede do concelho.” Relativamente à Igreja Paroquial de Bairro, Silva Pereira ofertou o altar-mor e as imagens dos santos, entre os quais o São Pedro, padroeiro de Bairro. No “Diário da Manhã”, já referido, lê-se, a dada altura, “que desgraçadamente nem todos o compreendem, ou querem compreender.” Julgo que hoje os seus conterrâneos não o esquecerão, perpetuando cada vez mais a sua memória e valorizando as suas acções, em prol do bem comum, em quatro áreas, a saber: vias de comunicação, instrução, “solidariedade social” e na religiosidade.

Muito obrigado.