quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Nos 150 anos de Manuel da Silva Mendes

MANUEL DA SILVA MENDES
 (1867-1931):
OS 150 ANOS DE NASCIMENTO
ENTRE O ANARQUISMO E O TAOÍSMO

Filósofo, político e pedagogo português. Quando nasceu em S. Miguel das Aves (23/10/1867), esta freguesia pertencia ao concelho de V. N. de Famalicão, e com a reforma administrativa de de 23 de Junho de 1879 pasa a integrar o concelho de Santo Tirso. Realça-se, indiscutivelmente, no plano filosófico, o divulgador das ideias do socialismo libertário ou anarquismo nos finais dos século XIX com a obra Socialismo Libertário ou Anarquismo: história e doutrina.
Tirou o curso de Direito na Faculdade da Universidade de Coimbra, termiando o mesmo em 1895, casando nesta mesma cidade com Helena Berta Augusta Danke no dia 6 de Abril de 1901, perceptora dos filhos de Bernardino Machado. Exerceu a advocacia em V. N. de Famalicão e, nesta fase, publica, em 1896, Reflexões Jurídicas: acção de processo ordinário: contrato de empreitada.
No plano cívico-social, em V. N. de Famalicão, chegou a ser Presidente da Direcção da Real Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de V. N. de Famalicão (1898), dinamizando a Banda Musical da mesma instituição social; participa activamente nas campanhas do Partido Republicano; é amigo dos principais elementos do Partido Regenerador, caso de Santos Viegas, e do Barão de Trovisqueira, do Partido Progressista, tecendo-lhes, aliás, rasgados elogios públicos e colabora na imprensa famalicense, nomeadamente i) O Porvir, ii) O Minho e o iii) Regenerador. A colaboração no primeiro cingiu-se a quarto textos: i) Reformas, Aposentações, Direitos Adquiridos, ii) A Dissolução da Banda dos Bombeiros Voluntários, iii) Creta e iv) Canovas del Castillo. Enquanto que o primeiro é notável pela profecia que evoca perante a reforma da Administração Pública, nomeadamente no combate contemporâneo dos direitos adquiridos, os quais foram, na sua acepção, uma ideia do estado liberal e da burocracia, dos funcionários do Estado, o segundo fala-nos, tal como o próprio título o indica, da decisão da direcção da Associação dos Bombeiros Voluntários ter dissolvido a respectiva Banda, a qual faz parte dos estatutos da mesma instituição, defende a alteração dos mesmos. Por seu turno, evoca-nos o terceiro o conflito entre a Grécia e a Turquia, pretendendo a primeira nação a ilha de Creta na posse da segunda, e do papel das potência europeias que, entretanto, se envolvem no conflito. Finalmente, o último pode ter já incidências filosófico-políticas, já que assinala a confusão que a imprensa da época efectuava entre os falsos e os verdadeiros libertários. No segundo, publica um elogio ao Barão da Trovisqueira, o self mand-man famalicense, e efectua uma recensção ao livro de Eduardo de Carvalho com o título Formas do regime Matrimonial: da eeparação de bens e simples comunhão de adquiridos. Finalmente, no último, efectua uma outra apologia, desta vez a Santos Viegas, ao lado de nomes como Augusto Monteiro; Delfim de Carvalho, Pinto Novais, Abade de Avidos, A. Dias Costa, entre outros (personalidades ligadas ao Partido Regenerador) e escreve um texto intitulado A Questão da China, assinando simplesmente com as iniciais S. M., comentando a guerra que os chineses tinham desencadeado com os «diabos» estrangeiros, sendo assim que então os orientais designavam os europeus que então lá se encontravam estabelecidos. Ainda escreve um monólogo, entre a opereta e a comédia, para o Grupo Dramático Visconde de Gemunde (1898), participando na Tuna Famalicense (1900), sob a regência de Daniel Correia.
Considerado pelos seus inimigos políticos famalicenses como sendo o mais “ateu”, o mais “anarquista”, o mais “vermelho” dos republicanos de V. N. de Famalicão (tal como ele nos conta no seu texto de memória Macau: impressões e recordações, com uma edição em 1979 e republicado na Antologia dos Autores Famalicenses, em 1998), enquanto que nas suas palavras se cognomina como “republicaneiro” do que propriamente um “republicano”, o seu livro Socialismo Libertário ou Anarquismo (1896), foi considerado por Sampaio Bruno como um “livro notável”, ou, ainda, mais recentemente, como é o caso de João Freire (que prefacia a reedição facsimilada da obra em 2006): “a obra de Silva Mendes tem uma informação e um tratamento mais alargado no plano histórico e ideológico” do que Eltzbacher com o título As Doutrinas Anarquistas (1908), aproximando-se do socialismo utópico quando afirma que “é uma utopia formidável ou uma fatalidade social”, ou então quando nos fala da sua obra nos seguintes termos: “nem defende, nem aconselha, nem aplaude, nem provoca, expõe. E quem pretende, simplesmente expor, fica bem atrás da tela.” O que poderia ser uma defesa relativamente à então Lei de 13 de Fevereiro de 1896 contra qualquer actividade anarquista, ameaçando os seus autores com a deportação, revela uma indignação moral, como foi a chamada de atenção na recensão da obra que Sousa Fernandes efectuou. Aliás, ao longo do livro, Mendes simpatiza-se com Fourier e Bakounine, elogia Proudhon e mantém com Marx uma postura de recusa e de aproximação, clarificando o ideal do anarquismo individualista. Nesta perspectiva, não será em vão que traduz, em 1898, o poema de Schiller Guilherme Tell, personagem em que revê o individualismo anárquico-metafísico, o qual lhe irá abrir caminho para o taoísmo. Será, precisamente, o livro Socialismo Libertário ou Anarquismo que lhe irá trazer alguns dissabores perante a elite famalicense conservadora.
Foi leccionar para o Liceu de Macau (através da influência de Santos Viegas) em 1901, no qual exerceu o cargo de Reitor-Interino por duas vezes (1904-1907 e 1909-1914), leccionando português e latim, tendo como colegas de docência Camilo Pessanha e Wenceslau de Morais. Para além da docência, exerceu a advocacia, tendo sido Juiz de Direito e do Procurador da República. Para além deste âmbito, teve uma actividade cívico-social e político-cultural de destaque, tendo sido Presidente do Leal Senado e Administrador do Concelho, é conhecido como um reputado sinólogo (um colecionador notável da arte chinesa). Aliás, convém salientar, senão mesmo destacar, que o Museu Luís de Camões, em Macau, foi constituído com base no seu espólio particular, o qual foi então adquirido pelo Estado português. Como tal, foram publicados postumamente os seus estudos Barros de Kuang Tung (1967) e Arte Chinesa: colectânea de artigos (1983).
Manteve uma colaboração notável na imprensa macaense, nomeadamente Vida Nova, O Macaense, O Progresso, A Pátria, O Jornal de Macau, A Voz de Macau, assim como também nas revistas Oriente e Revista de Macau. A sua colaboração na imprensa macaense foi reunida em sete volumes por Luís Gonzaga Gomes: Colectânea de Artigos (1949-1950) e Nova Colectânea de Artigos (1963-1964).
Em alguns autores existe a teorização de que não há continuidade no seu pensamento após a sua ida para Macau. Antes pelo contrário: a radicalização do individualismo ético-social do socialismo utópico (a liberdade natural) vai encontrá-la na Filosofia Oriental, mais propriamente no Taoísmo. Estas ideias vão ser detectadas em textos como Lao-Tzé e a sua Doutrina segundo o Tao-te-King (1908) e no famoso Excertos de Filosofia Taoista (1930) ou mais recentemente Sobre Filosofia, uma edição organizada por António Aresta, com uma introdução do mesmo.
No campo pedagógico, pressupõe Mendes uma reorganização do ensino em Macau, tal como o demonstra nos textos seleccionados para o livro Introdução Pública em Macau (1996), numa organização e com uma introdução de Aresta, o qual nos diz que “estamos perante um pensamento pedagógico, que nunca encontrou terreno para uma discussão aberta”, tendo sido “o primeiro grande subsídio para a compreensão global do fenómeno educativo de Macau. Nestes  textos, temops questões de educação e ensino, nos quais temos projectos de reforma, assuntos vários relacionados com o Liceu e o curso comercial, o estado do ensino em Macau, o ensino moral e a co-educação liceal.”




Bibliografia
Amadeu Gonçalves – Manuel da Silva Mendes: com Vila Nova de Famalicão e em Macau: o anarquismo e a filosofia oriental, 2007: Antologia de Autores Famalicenses,  1998; António Aresta – Manuel da Silva Mendes e a Poética do Taoísmo, 1990; Manuel da Silva Mendes: historiador do Socialismo libertário, 1991; Manuel da Silva Mendes, Professor e Homem de Cultura, 2002; António Pedro Mesquita – Republicanos e Socialistas, 2002; Biografia de Autores Famalicenses, 1998; Carlos Miguel Botão Alves, Silva Mendes e o Taoísmo, 1991; Dicionário Cronológico de Autores Portugueses – III, 1997; Dicionário de Educadores Portugueses, 2003; Isabel Nunes, Museu Luís de Camões: a sua criação, 1991; Manuel Teixeira – Liceu de Macau, 1986; Pedro da Silveira, Silva Mendes: notícias biobibliográficas, 1966; Sampaio Bruno, O Brasil Mental, Porto, 1997; Vanessa Sérgio, Manuel da Silva Mendes, entre fascínio e sortilégio, 2009; Vasco César de Carvalho, Aspectos de Vila Nova: a justiça, 2005; Victor de Sá, Um Anarquista Famalicense em 1896: Manuel da Silva Memdes, 2005.

PROJECTO EM CURSO

“Dicionário de Literatura e Cultura Famalicense: século XVI – século XX”
Amadeu Gonçalves