sexta-feira, 27 de abril de 2012

d. manuel clemente e bernardino machado - breves reflexões

para o dr. manuel sá marques, com o meu abraço de amizade fraterna e saudoso




Saiu este ano o livro de D. Manuel Clemente com o título "Igreja e Sociedade Portuguesa: do Liberalismo à República", o qual tem sido um prazer de ler inquestionável, assim como o foi "Porquê e Para Quê? Pensar com esperança o Portugal de hoje" (lembrando-me, muitas vezes, do jesuíta Manuel Antunes). Rui Ramos, logo no início do seu texto, como uma espécie de introdução ao livro de D. Manuel Clemente, "O Liberalismo Português como Problema Religioso", salienta que "os estudos e intervenções reunidos neste volume abrem uma porta fascinante sobre a história contemporânea de Portugal. Não era uma porta fechada, mas era uma porta que precisava de ser aberta assim, com este saber e largueza de vistas." Nestes textos agora reunidos de D. Manuel Clemente, encontramos "a relação da Igreja com o Estado durante a época do Liberalismo, entre o princípio do século XIX e o princípio do século XX. Mas estão também incluídas aqui importantes e sugestivas investigações e reflexões sobre a vida paroquial em Lisboa no século XX, as esperanças e as angústias de Raul Brandão num «mundo anticristão», ou a «nova religião» desejada por alguns líderes da I República, como Bernardino Machado." Aliás, o texto que D. Manuel Clemente agora publica é a sua conferência realizada nos I Encontros de Outono organizados pelo Museu Bernardino Machado no já ido ano de 1998 então denominado "O Homem, O Cientista, o Político e o pedagogo". A fotografia que aqui publico é, precisamente, desses mesmos "Encontros de Outono". Contudo, as simpáticas reflexões de D. Manuel Clemente perante o pensamento "religioso" de Bernardino Machado, e outras, merecem uma especial atenção, uma atenção informativa e axiomática. Ora, em termos informativos, Bernardino Machado não foi "ministro regenerador entre 1882 e 1895", foi, isso sim, em 1893 no governo de Hintze Ribeiro; e, em 1914, não foi Ministro dos Negócios Estrangeiros: em 1914 foi Primeiro-Ministro, como o afirma de seguida D. manuel Clemente! Surge o primeiro problema reflexivo e de ordem axiomática, ao citar Elzira Machado Rosa, para a qual Bernardino Machado "transitou de um ideário pedagógico para um ideário político"! Respeitando esta opinião, tanto o ideário pedagógico e o ideário político não se encontram separados, antes pelo contrário: em Bernardino Machado o ideário pedagógico complementa-se no ideário político, porque o primeiro se desenvolve institucionalmente no segundo: disto tinha consciência Bernardino Machado. Mas o problema que surge antes deste, é quando D. Manuel Clemente, citando Oliveira Marques, pretende colocar Bernardino Machado na Geração de 70: um mito que Marques construiu: Machado é da geração de João Penha, Alberto Braga, entre tantos outros, e que ficariam amigos de Machado para além da Universidade. Finalmente, a terceira reflexão pessoal a acrescentar às reflexões pessoais de D. Manuel Clemente, que, numa primeira fase do pensamento de Bernardino Machado, o coloca ao lado do Cristianismo e do Catolicismo, e, num segundo momento do seu texto, nos evoca uma "religião totalmente humanizada" em Machado. Antes pelo contrário: se enquanto em 1914 a República com Bernardino Machado acaba por ter um papel mais moderado, apesar de alguns conflitos, como em Coimbra, podemos estabelecer, tal como o fez D. Manuel Clemente, duas perspectivas em Machado: em primeiro lugar, a ruptura, no caso do pedagogo e do cientista, e mesmo do maçónico, com a sociedade oitocentista: é o caso, em algumas situações, no texto das "Notas Dum Pai", no qual, em alguns momentos, surge-nos uma linguisticidade de espírito maçónico com o "olho" de Deus na transcendência terrena, finita, isto é, da transcendência teológica para a transcendência do mundo, de uma cosmologia teológica para uma antropologia - eis o novo paradigma para uma nova secularização do mundo. Acima de tudo, um humanismo imanente e sociabilizador para o progresso de uma cidadania mais plena. Deste modo, o que está em causa para os republicanos e para Bernardino Machado é o ideal roussouniano da «religião cívica». E, se de facto, os republicanos, e o próprio Bernardino Machado não colocavam em causa o próprio Cristianismo, é porque, como nos diz Machado, "nós somos tolerantes para todas as religiões, mas não consentimos que, em nome de Deus, ou de Cristo, venham atiçar ódios contra os que predicam um ideal de bondade e de amor aos seus concidadãos." A mudança de paradigma, de uma verdade teológica para uma verdade antropológica,  registo-a na seguinte citação das "Notas Dum Pai": "Todos os sistemas Morais se podem, logicamente e também cronologicamente, reduzir a duas categorias, conforme colocam o centro da vida fora ou dentro do universo. Os primeiros geram-se na meditação melancólica dos que descrêem do reinado da justiça sobre a terra e apelam para as perspectivas duma estância melhor, onde ela triunfe eternamente; mas, pregando o sacrifício de todos, a sua doutrina, para extirpar o mal, ameaça tudo destruir. Filha do amor, quantas veze sse converte em instrumento de ódio e cobre os campos de cadáveres e os corações de luto! Inspiradora não só do desprezo das grandezas terras e da própria mortificação, mas até do desapego do trabalho útil e das legítimas afeições, ela cria um egoísmo de beatificação, que, rompendo a solidariedade de cada homem com as outras criaturas, excita-o, numa febre niilista, a espalhar diante de si o extermínio, como que em busca, através das ruínas e da morte, das regiões gloriosas de além-túmulo. / Para outros, o reino do Senhor é o deste mundo. E, contanto que ninguém incorra, orgulhosamente, no erro antropocêntrico de supor que tudo conviria em seu proveiro, não há doutrina mais salutar. Melhorar o mundo, torná-lo cada vez mais habitável e habitado por almas livres, eis o verdadeiro ideal de paz e de amor. O fim do homem é a criação, não a mortificação." (itálico meu) O problema, é que a República criou, em alguns casos, as mesmas intolerâncias mortificantes que no Liberalismo e no seio do próprio Cristianismo inquisitorial e a pacificação, entre o público e o privado, nas mudanças de mentalidade, leva o seu preço temporal. E se os republicanos, tal como Bernardino Machado, acreditavam que a mudança mental e social passava pelas instituições, tal não sucedeu: o caso de Vila Nova de Famalicão, e provavelmente como um pouco por todo o País, foi sintomático: os adesivos é que tomaram conta das instituições de solidariedade social, cívica e cultural e entravam nas comissões municipais, nascendo, entretanto, uma nova geração que, tal como os adesivos, se iriam encontrar no Estado Novo. Agradeço a D. Manuel Clemente estas breves reflexões.

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