sábado, 3 de setembro de 2011

portuguesia


"E para quê poetas em tempo indigente?"
Holderlin, Pão e Vinho

"Que na verdade a poesia seja também tarefa para um pensamento, eis o que ainda temos de aprender neste instante do mundo. Tomemos o poema como um ensaio de meditação poética."
Heidegger, Para quê poetas?

Longo é o caminho. Tomemos a seguinte proposição: o mundo não se encanta com o humano, nem o humano com o mundo, na medida em que o humano esqueceus-se simplemente de espantar-se consigo próprio no mundo. Não é o mundo que foge do humano: é o humano que foge de si mesmo e do mundo. O mundo também se esquece de si mesmo e do humano naquilo que ambos poderão ser. Devido ao tempo indigente dos nossos dias. Devido, possivelmente, a uma certa indiferença do humano pelo humano. Mais do que utopias neste tempo indigente, sem graça (não a divina, mas a graça humana), de um presente incerto, hoje precisamos de um novo reencantamento do mundo nessa figura protótipa e excelsa do espanto. Com o espanto nos imergimos, nascemos, para a emersão da palavra poética, da linguagem poética, enquanto mundividência, e assim temos a palavra poética em acto, a abertura. Desta forma surge a cultura, na representação dos valores do humano, naquilo que ainda se acredita em tempo indigente como o nosso. Imergir supões a interioridade em transe para a emersão de um imergir que se transcende, digamos, uma uma in-transcendência que revive a interioridade humana e a exterioridade do dizente poético no mundo. Um dizente poético que investiga, explica, representa, contempla a sua própria experimentação enquanto mundividência que se espanta perante a criação de um mundo imagético feito alegoria, e faz história, a sua e a do mundo. Clarifique-se: o dizente poético do mundo não é o dizente poético mundano. Deixa o mundo entrar nessa in-transcendência, para se reinventar a si e ao mundo entre nascimento, a vida, eros e a morte, em palavra aberta enquanto clareira, que se arrisca no apalavramento poético, para o clarear da casa. Assim será possível o reencantamento do mundo espantando-se no espanto na origem do questionamento permanente. Reencaminhe-se o espanto para uma nova luz neste tempo indigente, para uma nova desocultação daquilo que somos ou pretendemos ser no mundo. O caminho é longo e tudo tem um novo iniciar.

Texto lido na "Portuguesia: Festa da Poesia Lusófona", 3.ª edição, em S. Miguel de Seide, Centro de Estudos Camilianos, 3 de Setembro de 2011

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