domingo, 25 de março de 2012

a citânia de briteiros (II), camilo, martins sarmento e o "burro arqueológico"

para a cândida, amorosamente



Numa altura em que Vila Nova de Famalicão se increve nas actividades culturais da Capital Europeia da Cultura - Guimarães 2012, através da Casa-Museu de Camilo perante as comemorações dos 150 anos da publicação das "Memórias do Cárcere" e, ao mesmo tempo, com a visita recente do Ministro da Educação ao concelho famalicense, prometendo que Camilo iria estar presente no curriculum nas escolas do secundário (esperando que não seja uma promessa daquelas que o tempo leva) nada como trazer à lembrança a relação de amizade entre Camilo Castelo Branco e Francisco Martins Sarmento, numa altura em que o primeiro andava fugido do crime que era acusado, de adultério! Foi o que se pode chamar uma visita arqueológica amorosa, realizada ontem, a calcorrear a terra dos celtas e dos romanos, e, ao mesmo tempo, cultural, numa revisitação ao exílio de Camilo em casa de Sarmento. Quem já estudou essa relação profícua, entre a cultura e a amizade, foi precisamente Artur Sá da Costa em "A Tertúlia do Ave: Camilo, Martins Sarmento, Alberto Sampaio, Bernardino Machado e amigos". Pretendo realçar aqui, hoje, o quanto Camilo é devedor dessa amizade para com Martins Sarmento, através de citações; e este incentivava Camilo a visitá-lo, assim como a sua Citânia, lembrando-se muitas vezes Sarmento dos conselhos arqueológicos de Camilo. Aliás, Sarmento chega mesmo a propor a Camilo, já que este lhe tinha prometido uma visita, não só a ele como à Citânia, acrescentando que "se tem medo de subir o monte, arranjo-lhe um burro arqueológico, que o leva lá mansamente." Camilo nunca se esquecerá de Martins Sarmento, não só o mencionando nas suas obras, como lhe dedica "No Bom Jesus do Monte" e "O Regicida". Parece que afinal, depois de se conhecer estes textos, não houve nenhum "burro arqueológico"!



"Não vi onde encontrar a cabeça febril [na fuga desaustinada] e lembrou-me que tinha ali um conhecido, um poeta, um homem de existência amargurada. Procurei o conhecido, e achei um amigo, como usam raramente ser os irmãos, em Francisco Martins."

                                                                  Camilo, Correspondência de Camilo Castelo Branco - V


"Pernoitei no ergásbulo da Senhora Joaninha, e fui no dia seguinte para as Caldas das Taipas esperar que Francisco Martins me lá desse um leito em sua casa, e um talher à mesa. / Este remanso deu-me alma para ir de rosto contra os novos trabalhos. Francisco Martins consolava inadvertidamente, contando desgostos incomensuráveis da sua vida, tão em princípio ainda. Entretinha praticando em coisas de literatura amena, que a tem copiosa e variada. O meu quarto estava abastecido de bons livros, em que prelevavam clássicos portugueses, e os mais laureados romances da época. Algumas horas de entardecer passámo-las no rio ASve, em um barquinho, revezando-nos na fadiga de remar, e cismando cada um nas suas saudades, ou nas suas esperanças, mas ambos tristes, quando o dizia o silêncio. Na vinda do rio, estanciávamos pela Assembleia, cujo director, o Senhor Matos, nos contava com veemências de espírito civilizador os seus projectos de dar um baile estrondoso, a despeito dos estorvos com que uma assembleia rival estava empecendo a tão digna manifestação da cultura da terra."

Camilo, Memórias do Cárcere



"Se você, hoje, por volta de duas horas da tarde, subisse à espinha das serras que sobranceiam o seu majestoso palácio de verdura, e apontasse de lá o seu óculo para estas eminências do sul, via-me num cabeço de outeiro, que chamam aqui o Castelo de Vermoim. No penhasco mais a pico me assentei, olhando por essas pradarias fora, até onde a corda de serros me abalizava o horizonte, para além do qual se transmontava o meu espírito a visitar Francisco Martins entre os seus milhares de amigos - milhares de livros, quero dizer. / Eu bem sabia que você, dobrando a página da brochura, e acendendo o quinquasésimo cigarro, acolheria o hóspede desenfastiadamente, perguntando-lhe: / - "Que faz no Castelo de Vermoim a matéria que te mandou, espírito?"

Camilo, No Bom Jesus do Monte





"Quando eu estava na casa de Francisco Martins, de Guimarães, em Briteiros, na raiz da serra da Citânia, ensaiando forças para as solidões do cárcere... ( sempre que posso, trago estas recordações a molde: não vejo outro jeito de expiar a tolice, se não confessando-a e relembrando-a)."

Camilo, No Bom Jesus do Monte




"O Sr. Francisco Martins é poeta. O seu livro pertence todo ao coração. O estilo dele tem a encantadora desordem dos ímpetos que o fizeram sair, como pedaços de lava, que saltam da cratera, antes da inteira explosão. / Depois de lido, fica um desejo: não direi que é o do segundo volume, assim cortado da angústia, porque seria isso desejar cruelmente ao seu autor a causa dum grande sofrimento prolongado. O que eu de bom ânimo lhe desejo é que a sua alma receba uma nova semente de comoções, e lhe prospere colheita de frutos menos agros."

Camilo, Esboços e Apreciações Literárias



"No Brasil deve saber-se que existe em Guimarães um homem, que, a expensas suas, trabalha há doze anos na exumação duma «cidade» céltica ou fenícia. É Francisco Martins de Morais Sarmento, homem rico, um estudioso indefeso e arqueólogo irrivalizável. Em Espanha, França, Inglaterra e Alemanha são conhecidos os seus trabalhos da Citânia e reproduzidos os exemplares da sescavações, acompanhados da sua profunda crítica, muito assinalada pela modéstia com que o doutíssimo explorador se apresenta."

Camilo, Ecos Humorísticos do Minho


Sem comentários:

Enviar um comentário