sábado, 28 de janeiro de 2012

júlio brandão e manuel laranjeira

Júlio Brandão - "Commigo". In Gazeta de Espinho. Espinho, Ano 12, n.º 582 (24 Mar. 1912), pp. 3-4.


Este livro, a não ser para os íntimos do autor, deve ter causado uma certa surpresa: a surpresa que nos trazem as obras dos artistas e poetas, que nos habituaramos a ver quase sempre como espíritos críticos. / Nos trabalhos de Manuel Laranjeira ressalta um espírito ávido e brilhantíssimo, que se compraz nas ventanias salutares das ideias, no choque por vezes contraditório das teorias, homem de ciência, e homem de arte, certamente (provam-no até os seus notáveis estudos críticos), mas que não nos deixava adivinhar aquele poeta, capaz de, em formas simples, e, por isso mesmo, , mais belas, cristalizar as suas emoções e os seus oensamentos revoltos. / Era um mar bravo, que dificilmente julgaríamos capaz de ficar límpido e profundo no cristal dos versos... / Pois ficou! Este livro Commigo é «um diálogo do poeta com a sua alma». Tanto melhor para Manuel Laranjeira. Os poetas são ainda, , na derrocada de tanta coisa bela, os enviados da Beleza eterna. No marulho sinistro da vida, são eles ainda os mergulhadores misteriosos, que vão encontrar, como num velho conto escandinavo, certa flor que ninguém via... E não são apenas os poetas entusiásticos e intensamente líricos; são também os negativistas, como Manuel Laranjeira. Cantar é ainda crer: pelo menos é crer em que vale a pena cantar. / Os seus versos são, decerto, dum pessimismo melancólico. Eles não vão pisar afinal, como os de Antero, na «mão de Deus, na sua mão direita». Assim, o último terceto do volume, que fecha um dos sonetos dignos do grandepoeta suicida, exclama:

«E não me assusta a morte! Só me assusta
Ter tdo tanta fé na vida injusta
... e não saber sequer pra que a vivi!"

Mas não! O poeta lutou e, portanto, amou e creu.

«Vida de luta é um credo
Rezado em actos...»

Diz o autor. Viveu-a para isso - como todos os que vão, pouco a pouco, no deserto enorme, deixando de ver miragens.

«E que pesadas que são
as asas que já perderam
A derradeira ilusão!»

De acordo; mas para as perder, viveu-as!... E é daí que vem a dor antiga e longa, que passa como um bater de grandes asas negras pelos seus versos e pela sua alma. / Entretantp, quem diz ao poeta que não podem transformar-se as suas quimeras? Quem poderá afirmar-lhe que na vida profunda das emoções e das ideias não nascerá outra ilusão que valha tanto como a verdade? / Aí está uma poesia a que nós chamaríamos filosófica, se o termo não estivesse absolutamente desacreditado e deturpado por alguns mistificadores insignificantes. A forma de Manuel Laranjeira não tem exuberâncias plásticas, opulência de ritmos, arrebatamentos peninsulares: é emotiva, lúcida, transparente. Como Antero, procura as linhas nobres e simples. E como esses versos são pessoais e evidentemente vividos, eles trazem um calor e um fulgor singular. A larga poesia de abertura, os Versos à Tarde, o Prefácio Lírico e Alguns Sonetos, entre outras, são poemas dum verdadeiro, dum original, dum admirável poeta. Desses versos - que pena que sejam tão poucos! - poderia dizer-se o que um grande pensador disse dos períodos de Montaigne: «Se os cortássemos, deitariam sangue». / É que não há outra receita para poemas verdadeiros: é preciso sofrer, é preciso amar - é preciso viver. Os versos de Manuel Laranjeira trazem as emoções das suas ideias, e muitas vezes o bater do seu coração. Commigo é um livro infelizmente pequeno, mas que não se esquece nunca.

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