quinta-feira, 17 de novembro de 2011

in memoriam filipe oliveira




A MINHA HOMENAGEM
Filipe José de Lima Oliveira
(Brufe, V. N. de Famalicão, 05/03/1962; Porto, 13/11/2011)

“Sou como a borboleta que voa”
Filipe Oliveira

Há textos, como este, que nunca deveriam ser escritos. Não existe racionalidade possível, ou a razoabilidade possível de escrever estas linhas de um amigo que desapareceu. Talvez predomine a emoção, não sei, apenas se fica suspenso a pensar nesta vida; e quantas memórias se avizinham. Conhecemo-nos no Colégio das Caldinhas e quando lá entrei já ouvi-a falar do Filipe como organizador do teatro, sob a influência de um mestre comum, o Dr. Manuel Simões. Ao longo dos anos tivemos as nossas desavenças, é certo, mas quantas ideias não partilhamos à volta da cultura, passando pelo teatro, pela literatura (especialmente a poesia, que sempre o comparei a um escritor e a um poeta que ele também admirava, o Assis Pacheco), e pelo jornalismo.




Em 2006 pedi ao Filipe o seu curriculum e nunca imaginei que seria utilizado para escrever estas linhas, mas sim para o projecto do Dicionário dos Escritores Famalicenses – século XVIII a XX. Nesse mesmo curriculum, informa-nos logo no início que se iniciou no jornalismo nos jornais A Voz Portucalense, O Progresso da Foz (1980-1982) e no jornal Vila Nova. Uma outra das suas paixões, dentro do jornalismo, eram as rádios-livres, trabalhando no Jornal Universitário do Porto (1989) e na Rádio Universitária do Porto (1985). Na época, estudava ainda Direito e quantas vezes não cheguei a ir com ele ao Porto a assistir a uma ou outra peça de teatro, ou a ir a essa mesma Rádio, um cubículo, na qual já coordenava os noticiários. Também chegamos a andar pela Ribeira, em cujos bares, um amigo comum da época, ia lá tocar piano. Regressando ao tempo do Colégio, e já mesmo mais tarde, na tertúlia do Nápoles, em Famalicão, e no Centro Comercial Aro, onde funcionava a Rádio Pirata, e num Bar então aí existente, não me lembrando já do nome, o Filipe mostrava-me os seus próprios cadernos poéticos, os seus livres poéticos, textos dactilografados, e por ele encadernados; e sempre lhe dizia, e lhe disse ainda ultimamente, porque não publicava a sua poesia num só volume, e ele dizia-me que a poesia não dava dinheiro, o jornalismo, pelo contrário, sim. Aliás, será precisamente em 1989 que ganha o Prémio Vasco de Carvalho, instituído pela Câmara de Famalicão, com o trabalho Rádios Livres do Minho e publicado no jornal bracarense Diário do Minho. Na introdução deste mesmo trabalho diz-nos o seguinte: “Pretende-se com este trabalho dar a conhecer o espectro rádio-eléctrico minhoto entre inícios de 1980 e finais de 1989. / Na década de 80 multiplicaram-se estações de rádio alternativas pelo Minho, como nas restantes partes do País. Primeiro surgiu uma rádio-pirata. Depois apareceram as rádios-livres. E mais tarde chegaram as rádios de transicção, algumas entretanto licenciadas como rádios-locais… O temo da clandestinidade já acabou, mas foi útil para a maior parte destas rádios que hoje reivindicam um estatuto de estações locais de rádiofusão.” Fica, assim, na história do mesmo prémio, que teve vencedores como José Viriato Capela (1988), Maria do Rosário Costa Basto ( (1998) e de Augusto Castro Pereira (2000).


Passa, entretanto, pela redacção de O Século Ilustrado (1991), colabora na Rádio Vila Nova (1992) e no jornal Opinião Pública (1992), assim como no Jornal de Santo Thyrso (1995) ou ainda no Jornal da Trofa (1997) Falávamos e criticávamos os nossos textos, então publicados no Opinião Pública. Talvez as nossas desavenças começam a nascer nesta fase, por algumas afirmações públicas que então fez e nunca foram do meu agrado. Dizia-lhe, como nestes últimos anos lhe dizia, a propósito das suas biografias, que os impressionismos, às vezes, também devem ser científicos. Exerce funções de chefia na Rádio Triângulo (da qual foi fundador em 1983, ao lado de Pedro Fonseca e de Augusto Almeida) e na Rádio Famalicão (chefe de redacção, 1987). No ano de 1988, foi autor de programas informativos na Rádio Antena Minho (1988) e, neste mesmo ano, foi o sonoplasta do vídeo de Alberto Sampaio editado pela Câmara de Famalicão, comemorando-se então o 80.º Aniversário de Falecimento do Historiador da Proto-História. Em 1989 é, novamente, chefe de redacção na Rádio Atlântico e, no ano seguinte, na Rádio Linear. Chegou a ser Delegado do Vale do Ave do Semanário Minho (1990) e em 1991 é autor, realizador e apresentador da TV/PAF-Produções Audio-Visuais de Famalicão. Em 1992 reencontramo-nos nas II Jornadas de História Local: Vila Nova de Famalicão – Memórias de um Século (1892-1992) e, como não podia deixar de ser, o tema seria a imprensa para a descodificação da história famalicense. A sua comunicação chamava-se, então, A Imprensa Local Famalicense e a História, cujo texto se encontra publicado na 2.ª série do Boletim Cultural da autarquia famalicense (n.º 13, 1994/1995). Em 1997 é correspondente de Famalicão no jornal portuense Jornal de Notícias; e ainda me lembro, porque tenho o recorte, entre outros, sobre a revista famalicense Soneto Neo-Latino.
Colabora sempre na imprensa famalicense, nomeadamente Opinião Pública e na Rádio Digital FM, em O Povo Famalicense e em outros jornais, tal como, por exemplo, de Baião ou no Jornal das Beiras (1997). Só conheceu a profissionalização após um estágio curricular na ANOP, em O Comércio do Porto, RDP, RTP (1995), trabalhando na Rádio Renascença (1986), no Correio do Minho (1987) e na Gazeta dos Desportos (1987). Trocou o curso de Direito (1983) pelo curso de jornalismo, tirado na Escola Superior de Jornalismo, Bacharelato (1985). Passa pelo ensino, chegando a ser professor de jornalismo no ensino secundário, na escola Alberto Sampaio (1989) e ainda é monitor-formador de um curso de jornalismo no Teatro Construção (1990). Em 1996 é autor do projecto de comunicação na FL-Filomena Lamego e no ano seguinte é assessor de imprensa da Associação Vento Norte.

Para além da sua paixão de sempre, o jornalismo, também se dedicou, como já vimos, à investigação histórica da imprensa, e, mais recentemente, às biografias. Aqui temos a do cineasta famalicense Ricardo Malheiro (2001) e a do edil famalicense Álvaro Folhadela Marques. Um extracto desta última personalidade famalicense foi publicada no Boletim Cultural da Câmara de Famalicão (n.º3/4, 2007/8). Preparava, para publicação, mais duas biografias: a do poeta famalicense Fernando Carneiro e a de José de Carvalho, o benemérito famalicense do Louro, mais conhecido por Carvalho de Travassos. Publicou em 2010 a Antologia Jovens Poetas do Baixo Minho e muito falámos sobre esse projecto, incentivando-o, quando me contava as dificuldades, outras vezes apenas ouvindo-o, todo entusiasmado. O que o Filipe nunca soube é que o Sérgio Sousa aparecia-me por casa com os textos poéticos para seleccionar e a sua posterior publicação na respectiva antologia. Ofereceu-me um exemplar um dia quando nos encontramos na Central de Camionagem.
Em 1996 ganha mais um prémio, o dos Jogos Florais Cidade Hoje. Costumava dizer que os autores locais, e não só, com o seu exagero beneplácito, era com o autor destas linhas. Vaticinou que eu ganhasse o mesmo prémio em 1997 sobre os escritores famalicenses, tendo sido então o meu pseudónimo Bloom, a personagem mítica de Ulisses de James Joyce. O do Filipe foi, não poderia deixar de ser, “Rochinha”. Costumava dizer que Joaquim José da Rocha era o protótipo dos jornalistas famalicenses e que tem sido esquecido por ter sido monárquico. Ainda há bem pouco tempo, caro Filipe, descobri, nas minhas investigações pela imprensa, que a Typographia Alliança era dele, a rival da Minerva. Nada como fazer um trabalho sobre o “Rochinha” um dia destes…
No campo da poesia publica Há 20 Anos que Respiro (1995) e Há 25 Anos que Respiro (2000), textos dos quais me ofereceu com uma dedicatória afectuosa, de amigo para amigo. As amizades não se esquecem. Denominou essas duas brochuras de Livro-Branco de Poesia, impressão fotocopiada e edição pirata de 180 exemplares, com o apoio da Câmara de Famalicão e da Rádio Vila Nova / Jornal Opinião Pública. Apresentou então um notável espectáculo no auditório da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, um recital único, tendo no acompanhamento musical Carlos Carneiro, Ivo Machado, João Junqueira e Fernando Jorge e como declamadores o próprio Filipe, Francisco Carneiro, Carmen Regueiras e João Regueiras. Este é o Filipe que pretendo recordar, assim como alguns textos publicados na imprensa, o declamador poético que se maravilhava a si próprio e ao público que se encantava, que lia a sua e a poesia dos outros, que construíssemos, nos tempos do Nápoles, os famosos cadáveres esquisitos dos surrealistas que ele tanto admirava. Os deuses, neste momento, estão a fazer cadáveres esquisitos surrealistas com o sorriso cândido e beneplácito, sob a orientação maravilhada e enérgica do Filipe.

2 comentários:

  1. Amadeu, gostei muito de ler este teu texto.
    Sei que tens sofrido com ausência de um amigo, mas as recordações essas ninguém te pode tirar.
    É bonita a homenagem que lhe fazes, eu sei que o vais trazer sempre na memória.
    Obrigada por me dares a conhecer muitas das facetas do Filipe.

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  2. Sempre me espantou a qualidade dos muitos amigos dele no meio de tanta oscilação e aparente fragilidade ao longo da sua vida curta. A sua intensidade e intencionalidade, a criatividade ímpar, a capacidade de trabalho concentrado chegavam a extenuar quem com ele privava, mas a sua morte deixou um vazio que não será fácil preencher. Agora percebo que ser poeta e ter uma missão como jornalista estavam muito para além da sua vontade. Viveu essas dimensões como um desígnio, uma inevitabilidade. Morreu de facto antes do tempo, com a vida por completar, mas fazendo a diferença ainda hoje nas memórias de tanta gente. Um personagem este meu irmão mais velho!...

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