quarta-feira, 9 de novembro de 2011

a clarabóia de saramago

para a cândida, assim, amorosamente

o labirinto do humano que se unifica e se bifurca

O Livro dos Saberes Práticos

e viva o sapateiro filósofo


" O tempo fluía lentamente. O tiquetaque do relógio empurrava o silêncio, insistia em querer afastá-lo, mas o silêncio opunha-lhe a sua massa espessa e pesada, onde todos os sons se afogavam. Sem desfalecimento, um e outro lutavam, o som com a obstinação do desespero e a certeza da morte, o silêncio com o desdém da eternidade." (40)

"Há palavras que se retraem, que se recusam - porque significam de mais para os nossos ouvidos cansados de palavras." (46)

" - Por que será que a palavra «belo» custa tanto a dizer? - perguntou Isaura, sorrindo.
  - Não sei - respondeu a irmã. - O certo é que custa. E, vendo bem, devia ser como qualquer outra. É fácil de dizer, são só quatro letras... Também não percebo." (47)

"- Percebo eu. É como a palavra Deus para os que creem. É uma palavra sagrada." (47)

"Mas entendo que toda a gente devia ser capaz de separar o trigo do joio. O que é mau, de um lado; o que é bom, do outro.
Cândida, que retirava os pratos do armário, ousou contrapor:
- Não pode ser. O mal e o bem, o bom e o mau, andam sempre misturados. Nunca se é completamente bom ou completamente mau. Acho eu - acrescentou timidamente.
Amélia virou-se para a irmã, empunhando a colher com que provava a sopa:
- Essa não está má. Nesse caso, não tens a certeza de que é bom aquilo de que gostas?
- Não, não tenho.
- Então, por que gostas?
- Gosto porque acho que é bom, mas não sei se é bom." (89)

"- Tudo isso é muito bonito - insistiu Amélia. - Mas quem sabe o que quer e o que tem arrisca-se a perder o que tem e a falhar o que pode querer."
- Que confusão - sorriu Cândida." (89)

"- Não é confusão, é a verdade. Há música boa e música má. Há pessoas boas e pessoas más. Há o bem e o mal. Qualquer pode escolher...
- Era bom se assim fosse. Muitas vezes não se sabe escolher, não se aprendeu a escolher..." (89)





"Ninguém sabe se esquece antes de esquecer. Se possível sabê-lo antes, muitas coisas de solução difiícil a teriam fácil." (109)

"A felicidade é ou não é." (112)

"... a vida está por detrás de uma cortina, a rir às gargalhadas dos nossos esforços para conhecê-la. Eu quero conhecê-la.
Silvestre teve um sorriso manso, onde havia uma pontinha de desalento:
- Há tanto para fazer para cá da cortina, meu amigo... Mesmo que vivesse mil anos e tivesse as experiências de todos os homens, não conseguiria conhecer a vida!" (131)

"Ter não é possuir. Pode ter-se até aquilo que se não deseja. A posse é o ter e o desfrutar o que se tem." (167)

"O prazer do sacrifício. Mas o sacrifício só é completo quando se esconde. Torná-lo visível, é dizer a toda a hora: «Sacrifico-me», é forçar os outros a não esquecer. E isso significa que ainda não se abdicou completamente, que por detrás da renúncia ainda mora a esperança, tal como, para além das nuvens, o céu continua azul." (169)

"... as palavras, as frases, os gestos, erguem-se debaixo do silêncio e giram silenciosamente sem fim." (183)


"... até quando podemos fechar os olhos, os devemos conservar abertos..." (206)

"Aprendi a ver mais longe que a sola destes sapatos, aprendi que, por detrás desta vida desgraçada que os homens levam, há um grande ideal, uma grande esperança. Aprendi que a vida de cada um de nós deve ser orientada por essa esperança e por esse ideal. E que se há gente que não sente assim, é porque morreu antes de nascer." (219)

"... a vida tem tantas surpresas..."(254)

"Não tenha medo. Só quero dizer que aquilo que cada um de nós tiver de ser na vida, não o será pelas palavras que ouve nem pelos conselhos que recebe. Teremos de receber na própria carne a cicatriz que nos transforma em verdadeiros homens. Depois, é agir..." (276)

"... o pensamento involuntário, aquele que se processa e desenvolve sem dependência da vontade..." (306)

"... as coisas alguma vez têm de acontecer e o não terem acontecido ontem não quer dizer que não aconteçam hoje ou amanhã." (323)

"... o amor espontâneo que de si mesmo se alimenta." (386)

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