sexta-feira, 6 de julho de 2012

histórias de pindela, famalicão



À ESQUINA DO CAETANO[1]

O Condeixa, apesar deste tempo invernoso, veio até à minha esquina no desejo de esclarecer a confusão do novo simpático vizinho da «Esquina do Mesquita».
Em boa hora o Ego Sum abriu a sua caixa de recordações, para nos falar dos homens do passado, naquele poder descritivo e elegante com que o sabe fazer. Servido por uma memória pouco vulgar, poderia, do outro lado da rua, notar as deficiências deste, quando o nevoeiro do tempo já passado nos não deixe ver tão claramente como desejávamos.
 – Lembro-me bem do barbeiro Braga, diz-me o Condeixa.
Olha, na Rua de Santo António, haviam nesse tempo, e todas do mesmo lado, quatro barbearias: a do Braga, a do Machado, do Toca e a do Barãozinho. O Ego Sum já disse onde se situavam as do Braga e do machado, mas eu digo-te onde ficavam as outras: a do Barãozinho onde está hoje mais ou menos o café garantia e a do Toca, na casa que foi do Seara Toucinheiro, em frente do prédio da família Costa Júnior e que, nesse tempo, era pertença do Nunes Barateiro.
Ficava, como te disse, quase no fundo da rua, ou pelo menos, mais próxima da Praça da Mota, que das nossas esquinas
O Braga foi o barbeiro de todos aqueles Homens que ele aponta, mas quando morreu, parte dos seus fregueses foram para o Toca e, entre outros, o Visconde de Pindela.
Em determinados dias ia ao Solar daquele fidalgo e quantas vi o cocheiro da Casa de Pindela, com a sua libré verde, à porta da barbearia, dar ordens ao mestre João e levá-lo naquela charrett tão pequena, como o pequeno garrano que a puxava!...
Duma vez, passou-se um facto que bem define a forma de ser daquele barbeiro, que no Inverno se cobria até aos pés, com um varino negro.
Lembras-te do mordomo de Pindela? O Mota, um homem alto, forte, de grandes suíças brancas, bem tratadas, impecavelmente asseado, muito cortês…
Sempre que o Toca ia a Pindela, era sempre com ele que primeiramente se avistava e era sempre ele, que findo o serviço, dava ao mestre João, um copo e um cá te espero.
Um dia, depois do seu trabalho concluído, o Visconde de Pindela, disse-lhe como sempre:
 – Agora. Sr. João, vá almoçar.
O nosso João, acompanhado pelo Mota, encaminhou-se para uma das dependências do Solar, onde já lá estava o costumado cá te espero e o respectivo copo que começou a saborear.
Mas, contra o costume, o Visconde passa e vê que o almoço do João, se resume áquilo…
 – Então o sr. João não almoça? – pergunta o Visconde.
E ante a atrapalhação do Mota que ia começar as suas primeiras desculpas, o nosso João responde-lhe:
 – Hoje, não me apetece, Sr. Visconde, muito obrigado a Vossa Excelência.
O mordomo de Pindela nunca esqueceu a lição. Na verdade, o João Toca, era um homem que encobria, sobre aquele ar simples e humilde, sentimentos de dignidade pouco vulgares…
Afinal, continua o Condeixa, quis desfazer uma confusão e pus-me para aqui a palrar… Desculpem-me…
E lá se foi sob a chuva impiedosa que cai e tudo alaga…
















[1] Nihill – “À Esquina do Caetano”. In Estrela da Manhã. V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 105 (8 Abr. 1962), pp. 1-2.

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