sábado, 10 de janeiro de 2015

A Imprensa e o "Verão Quente" em V. N. de Famalicão I

A IMPRENSA E O "VERÃO QUENTE" EM V. N. DE FAMALICÃO
AGOSTO DE 1975
Investigação, Notas, Compilação

Amadeu Gonçalves



Numa altura em que se desenrolava o famoso PREC (Processo Revolucionário em Curso), este teria o seu apogeu no famoso "Verão Quente" de Agosto de 1975, entre os extremismos da direita e da esquerda, verificando-se mesmo antes. Se os acontecimentos então passados em V. N. de Famalicão ficaram para a história, numa altura em que se comemoram os quarenta anos do "Verão Quente", o que convém reter, à luz dos recentes acontecimentos com o "Habdo", apesar da realidade política, social, cultural e económica  ser completamente diferente, é uma reflexão sobre os dogmatismos e as intolerâncias, numa sociedade ocidental cada vez mais paradoxal. Exceptuando num jornal ou noutro, caso do portuense "O Primeiro de Janeiro", as reportagens jornalísticas e a imprensa da época, mais do que perante os factos e os acontecimentos, reflectiram esses mesmos dogmatismos intolerantes. Efectivando até agora o levantamento pela imprensa nacional, regional e local sobre os acontecimentos então verificados em V. N. de Famalicão, começo pela reportagem do jornal "Avante". 



A ESCALADA TERRORISTA DAS FORÇAS DA REACÇÃO[1]

A reacção fascista está desencadeando, por todo o País, uma onda de violência sem precedentes. Juntamente com a realização de atentados, assaltos e destruições de sedes de forças políticas progressistas, espancamentos e perseguições, ataques às autarquias democráticas e a comissões de moradores, a reacção conspira na sombra, preparando um novo 11 de Março. Esta é a conjura actual da reacção, para liquidar as liberdades democráticas e instaurar uma nova ditadura.
Os terroristas atacam de preferência o Partido Comunista Português, mas a sua intenção é atacar todos quanto defendam a liberdade e a democracia. Pretendem impedir o exercício das liberdades sindicais, como ficou demonstrado com o seu ataque à reunião dos sindicatos têxteis, em Ofir. Pretendem impedir a libertação dos trabalhadores da exploração do grande capital, como tentaram fazer na Têxtil Manuel Gonçalves. Pretendem impedir a criação e a luta das comissões de moradores, como ficou bem claro em Matosinhos. Pretendem acabar com as autarquias, como tentaram fazer em Matosinhos, Gaia e Gondomar. Pretendem desviar os pequenos comerciantes da luta contra os grandes monopólios do comércio, como aconteceu designadamente em Famalicão, onde procuraram atraí-los a uma manifestação reaccionária. Pretendem impedir a aplicação da lei do arrendamento rural, que beneficiará centenas de milhares de pequenos camponeses.



[1] “A escalada terrorista das forças da reacção. Assaltos, incêndios, agressões, saques revelam a verdadeira face fascista do ataque da reacção”. In Avante. Lisboa, 7.ª série, Ano 45, n.º 71 (7 Ago. 1975), p. 7.





Em vários pontos do País são cercadas, apedrejadas, destruídas ou incendiadas sedes do PCP, do MDP/CDE e de outras organizações progressistas. Militantes comunistas, homens e mulheres democratas, são ameaçados, espancados, anavalhados, feridos ou perseguidos. Em todo o País alimenta-se uma histeria insultuosa e vil contra o Partido Comunista e contra os mais destacados dirigentes revolucionários portugueses. Ainda anteontem, na Póvoa de Varzim, quando camaradas nossos procediam à colagem de cartazes, foram ameaçados por elementos afectos ao PPD que depois se entregaram à destruição dos cartazes.

Famalicão: vinte e duas horas de cerco ao CT do PC

Na sequência das actividades terroristas que têm vindo a desenrolar-se por todo o norte, em Famalicão, a reacção mostrou mais uma vez a sua criminosa violência.
O rastilho foi uma manifestação de apoio ao grande patrão da têxtil e conspirador contra-revolucionário Manuel Gonçalves, pedindo o seu regresso, rejeitando a Comissão Administrativa nomeada pelo Governo. Desta manifestação partiu-se para a tentativa da destruição de sedes de partidos progressistas. A sede do MDP/CDE foi devassada e destruídos todos os seus haveres. Dirigiram-se depois para a sede do nosso Partido para fazer o mesmo.
Havia palavras de ordem tais como vamos queimar isto e morte aos comunistas.
Até cerca da meia-noite tentaram mobilizar todas as suas forças, não conquistando a adesão da massa da população de Famalicão.
Os apedrejamentos sucederam-se.
Pouco depois da meia-noite lançaram-se ao assalto pelas traseiras do prédio. Usando do seu inalienável direito de defender as suas vidas e a sua casa, os militantes comunistas dispararam tiros de caçadeira, ferindo dois dos fascistas assaltantes e fazendo gorar o assalto.
Durante toda a noite os bandoleiros puderam, livre e impunemente, manter o cerco. Tocaram os sinos a rebate mas não tiveram os resultados que contavam: prosseguiram isolados da população.
No Sábado de manhã, com a situação inalterável, surgiram, percorrendo as aldeias próximas, carros que gritavam a palavra de ordem morte aos comunistas. É de frisar que toda esta acção foi realizada impunemente, com toda a liberdade. Mas também não tiveram êxito!
Procuram então mobilizar fascistas de localidades mais longínquas como Porto e V. N. de Gaia.
A ira fascista continuava no exterior do Centro de Trabalho a berrar «morte aos comunistas», «Otelo para o Campo Pequeno», «Abaixo o MFA», insultos vários a Vasco Gonçalves, sendo mesmo queimada uma bandeira do MFA, à frente dos próprios soldados, que entretanto tinham acorrido ao local.
No interior do Centro de Trabalho os militantes do Partido Comunista Português continuaram a demonstrar a mais firme decisão de impedirem que os fascistas ali entrassem.
Cerca das 12 horas, chegaram mais tropas que actuaram no sentido de afastar os manifestantes por sítios não distantes das instalações. São disparados pelas Forças Armadas alguns tiros para o ar.
Pelas 17 e 15, três capitães das Forças Armadas dirigiram-se aos militantes comunistas que se encontravam cercados no Centro de Trabalho por grupos fascistas e entregaram-lhes a seguinte nota:
«Considerando-se que se impõe prioritariamente a salvaguarda de vidas humanas e face à ordem telefónica recebida do Quartel-General da Região Militar do Norte, ordena-se, em nome do mesmo, que os militantes do PCP retidos por uma manifestação dentro da sua sede em Vila Nova de Famalicão a abandonem.»
Face a esta ordem, os militantes do PCP entregaram aos oficiais das Forças Armadas a seguinte declaração:
«Em nome do partido Comunista Português protestamos energicamente contra a ordem de evacuação do nosso Centro de Trabalho em Vila Nova de Famalicão, ordem que só aceitamos para não entrar em confronto com as Forças Armadas.»
Entretanto, começaram imediatamente a correr boatos reaccionários segundo os quais os comunistas teriam sido presos e no Centro de Trabalho encontradas espingardas G3 e granadas.
Foram 22 longas horas de cerco. Nestas 22 horas em que se mantiveram firmes sob a ameaça de assalto iminente e no momento em que tiveram de sacrificar a sua casa para evitar confrontos com as Forças Armadas em nome dos interesse supremos da revolução, os militantes comunistas de Famalicão mostraram possuir a coragem, a firmeza de princípios e a disciplina que são timbres dos comunistas.





Graves incidentes se sucederam

No entanto, após a saída dos militantes comunistas e ocupação do Centro de Trabalho pelas Forças Armadas, sucederam-se acontecimentos de extrema gravidade: o saque do Centro de Trabalho.
À noite verifica-se uma autêntica caça aos comunistas e democratas.
Com o agudizar da situação em frente do Centro de Trabalho, acossados pelos fascistas, as forças do exército disparam rajadas de metralhadora para o ar. Disto resultaram três feridos e um morto.
Os acontecimentos do dia 1 e 2 de Agosto em Famalicão são um aviso para todos os democratas e antifascistas, para todo o nosso Povo, refere um comunicado da Direcção da Organização Regional do Norte do Partido Comunista Português. Eles mostraram com clareza que se está preparando no nosso país uma perigosa conjura fascista que visa afogar num banho de sangue as liberdades e conquistas da revolução. Os acontecimentos mostram também com clareza quem está por detrás do terrorismo e da conspiração reaccionária – são os grandes capitalistas como Manuel Gonçalves, os bandos hediondos dos seus homens-de-mão, é a mais negra reacção fascista.
E a terminar este comunicado distribuído na madrugada do dia 3, a DORN frisa:
A Direcção da Organização Regional do Norte do Partido Comunista Português, advertindo uma vez mais as autoridades responsáveis de que não é com hesitações que se combate o terrorismo e a conspiração fascista, reclama um profundo e rápido inquérito aos acontecimentos de Famalicão, e o justo castigo de todos os responsáveis.
A Direcção da Organização Regional do Norte do Partido Comunista Português apela para todo o Povo, para todas as forças democráticas e revolucionárias, para que unam os seus esforços para erguer uma forte barreira à violência terrorista e à conspiração reaccionária.
A reacção fascista será esmagada! A Revolução triunfará! A aliança Povo-MFA é uma força indestrutível.
Mas a actuação destes energúmenos não fica por aqui. Em nome das liberdades e do povo, com ódio incontido assaltaram e saquearam a casa de homens que o povo de Famalicão sabe que são pessoas sérias e honestas que sempre defenderam os interessas da classe trabalhadora.
A raiva com que os fascistas assaltaram e saquearam os escritórios dos advogados Lino Lima e Salvador Coutinho, e do consultório do dentista Miguel Cruz, as agressões contra militantes comunistas, os insultos e as pressões a militares, depois de verem goradas as suas tentativas de assalto ao Centro de Trabalho do PCP em Vila Nova de Famalicão, mostram bem que tipo de liberdade estes reaccionários pretendem.
Analisando estes acontecimentos, a Comissão Concelhia de Famalicão do PCP termina um comunicado distribuído na segunda-feira e dirigido ao povo de Famalicão e do distrito de Braga, dizendo:
Homens e mulheres, jovens do nosso distrito: está nas vossas mãos evitar o regresso à tenebrosa ditadura fascista de que o povo de Famalicão nestes últimos dias testemunhou as bárbaras intenções!
Não aos actos de vandalismo fascista, não ao terrorismo reaccionário, exigimos uma muralha de aço em defesa das liberdades e conquistas alcançadas!

Destruído um café

Mas em Famalicão a violência não terminou com os assaltos aos escritórios dos dois advogados e ao consultório de um dentista. Na noite de segunda-feira, prosseguindo a onda de assaltos e saques a instalações de pessoas tidas como afectas ao nosso Partido, um grupo de indivíduos, e que segundo se afirma não pertencem à vila, assaltaram perto da meia-noite o café Arcádia, mais conhecido pelo «333», na Rua José Azevedo e que já se encontrava fechado.
No interior do estabelecimento, os assaltantes entregaram-se à destruição de todo o recheio. Nada escapou à fúria dos assaltantes: mobiliário, louças, garrafas, portas, tudo ficou destruído. Após terem lançado fogo aos destroços, os assaltantes puseram-se em fuga.
Entretanto, na tarde de terça-feira, e aproveitando o funeral das duas vítimas ocorridas durante a tentativa de assalto ao Centro de Trabalho do nosso Partido, os reaccionários conseguiram desta feita entrar nas instalações do Centro, destruindo então tudo.
Propositadamente, o percurso do funeral foi desviado de molde que o cortejo passasse em frente do nosso Centro de Trabalho, onde entretanto estavam de vigia forças do regimento de Cavalaria 6, do Porto, que tinham substituído os militares do Regimento de Infantaria 8, que desde o início tinham guardado as instalações. Perante a confusão, elementos da multidão conseguiram forçar a entrada das instalações, dedicando-se depois à sua fúria destruidora.

1 comentário:

  1. Amigos,
    Há tempos tenho procurado informações sobre a possibilidade de existirem pessoas da minha família vivendo em Vila Nova de Famalicão.
    Meu pai, já falecido, nasceu nessa cidade em 1902, veio para o Brasil ainda jovem e eu nâo tenho nenhuma notícia de parentes.
    Alguém poderia me dar alguma dica de como fazer para tentar localizar essas pessoas? Vou viajar para Portugal em maio próximo e gostaria de conhecê-las.
    Muito obrigado.

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