segunda-feira, 29 de setembro de 2014

1918 A Crise das Subsistências em V. N. de Famalicão


Hemeroteca Digital


Publico mais um extracto do meu futuro trabalho "A I Grande Guerra No Olhar do "Estrela do Minho" e V. N. de Famalicão Nesse Tempo. O Monumento aos Mortos da Guerra", o qual sairá brevemente no "Boletim Cultural" do Município famalicense


Independentemente da criação do Ministério da Agricultura, da criação do celeiro paroquial da Vila, do apelo constante nas páginas do jornal “Estrela do Minho” aos lavradores do concelho para alargarem a área das sementeiras, da criação da comissão de subsistências sidonista, da criação da lei da restrição e do racionamento das subsistências, da criação do decreto n.º 4506 de 20 de Junho (castigando os açambarcadores dos géneros alimentícios), da criação do celeiro municipal, tais medidas não evitaram a projecção dos conflitos sociais e a escassez dos géneros alimentícios, agravando-se cada vez mais o problema da fome. De facto, o texto publicado em 16 de Junho com o título “Cultivar mais a terra”, evidencia precisamente o abandono da agricultura em Portugal, relacionando-a com países como França, Inglaterra e Itália e como estes a desenvolveram para combater a fome:

Em França, como na Inglaterra e Itália, o governo ordenou por todas as formas a intensificação da cultura de cereais para evitar a fome dos seus concidadãos, vista as dificuldades da navegação motivadas pela guerra. Fizeram mais ainda que foi o Estado mandar cultivar por conta dos proprietários os terrenos incultos ou mal aproveitados e ainda cultivar de pão os jardins públicos. / Em Portugal, nada disto se tomou a sério, apesar de nos faltar um terço do pão necessário ao consumo. A agricultura pré-histórica, terrenos mal aproveitados, tudo ao Deus dará, pois nem o Estado nem os particulares trataram de intensificar o cultivo dos cereais.

Para além das tentativas do delegado do agrónomo distrital em V. N. de Famalicão, o qual até à constituição da comissão de subsistências seria o responsável no concelho pelo serviço das mesmas, de nome Guilherme Costa, este estará presente numa crónica de 17 de Fevereiro, sendo aquela personalidade que “com a melhor vontade se tem esforçado por obter milho para as classes operárias poderem abastecer-se de milho”, tendo, aliás, “recebido promessas de o milho não faltar para o consumo local mesmo vindo de outros concelhos.” Algo que parecia tão simples, vai criar em Famalicão um conflito social em Fevereiro, existindo incidentes provocados pela população da Vila a seis carros de milho destinados a Ribeirão, assaltando os carros e os sacos esfaqueados. Aliás, tais acontecimentos servirão a Guilherme Costa para escrever uma carta-justificação ao director do jornal “Estrela do Minho”, evocando não só questão dos arrolamentos que se encontrava a tratar, assim como a questão de ter passado as guias de trânsito para os respectivos carros se deslocarem até Ribeirão. A revolta deveu-se, segundo Guilherme Costa, não só às atitudes de “certos figurões”, como se notava “uma má vontade na aquisição de milho para aquela freguesia por os lavradores dali, naturalmente por espírito de ganância, terem vendido para fora toda ou a maior parte da sua produção”. Contudo, a questão é mais difícil como à primeira vista parece ser, envolvendo questões políticas, como já iremos ver.
O celeiro municipal, em princípio, parece que vinha colocar ordem na distribuição e nos conflitos sociais. Falando-se já do celeiro municipal em Fevereiro, começará a funcionar institucionalmente em 15 de Março, tendo sido organizado pela comissão paroquial da Vila e tendo obtido duas doações monetárias: da Casa Pinto & C.ª e do cidadão António Gonçalves Pinto, respectivamente a quantia de três contos. Em meados de Março surge a Comissão de Subsistências de V. N. de Famalicão, cujos corpos-gerentes ficaram assim constituídos: Presidente, Henrique Machado; Secretário, Guilherme Costa; Vogais, Machado da Silva, Alferes Baptista Pinto, António Melo, Manuel Alves e Álvaro Bezerra. Guilherme Costa não ficaria muito tempo no cargo de secretário da respectiva comissão, pedindo a demissão no final do mesmo mês, justificando-se num texto publicado em 7 de Abril, constando-se que tinha conflitos com o celeiro paroquial e com a comissão de subsistências, para além do conflito de Ribeirão, o qual será assinalado num comunicado no mesmo número e assinado por José Joaquim Santos e António dos Santos, publicando o “Estrela do Minho” o texto com o título ”Para a História da Conciliação Sidónia. Um Regedor à Altura”.

O sr. Joaquim da Costa Painço, regedor da freguesia de Ribeirão, aproveitando-se da situação favorável, quer e tenta apoderar-se dum terreno público em frente da sua casa e junto duma propriedade do sr. António dos Santos. / Na Quarta-Feira passada vedou ele, a toda a pressa, esse terreno com uma parede e, na Sexta-Feira, às duas horas da tarde, vários indivíduos que se julgam prejudicados, demoliram-na. / Pois nesse mesmo dia, o tal sr. regedor, para se vingar, passou guias de fornadas a toda a painçada, parentes e aderentes e, às 10 horas da noite, junto com a quadrilha, apresentou-se em casa do sr. Jacob Joaquim dos Santos a exigir-lhe a venda do milho que tinha para seu consumo. / O pároco da freguesia tinha anunciado à missa, no último Domingo, em nome da comissão de subsistências, que o milho arrolado na freguesia para o celeiro estava esgotado e que o distribuído esta semana era de empréstimo até chegar o que a comissão tenha adquirido. Além disso, o pároco também anunciou há tempos que a distribuição das guias e do milho só se fazia aos Domingos de manhã, o que até agora se tem feito. / Pois o sr. regedor, sem se importar com estes avisos da comissão apresentou-se nesse mesmo dia em que demoliram a parede, e a tais horas, 10 da noite, para esse serviço! E se não fosse o auxílio dos vizinhos e a intervenção de um membro da comissão de subsistências a quem o sr. Santos avisou, veria este a sua casa invadida e talvez assaltada…

Entretanto, a par dos açambarcadores, das controladeiras e/ou das regateiras, tínhamos nas feiras e no mercado os espanhóis, que compravam tudo fora das horas estipuladas, levando clandestinamente galinhas e ovos, ficando depois os géneros alimentícios a preços elevadíssimos para a população famalicense. Em Abril, o ministério das subsistências cria os celeiros municipais, para em Agosto dotar ao de V. N. de Famalicão a verba de 45 mil escudos, para se constar no início de Dezembro que já não existia o celeiro municipal, em plena Monarquia do Norte. Mas a meio do ano, para além de se saber que tem havido alguns assaltos a lavradores em todo o concelho, no mês de Julho acontece na Vila o assalto a uma mercearia, que foi narrado da seguinte forma:

… a nossa terra apresentou-nos o espectáculo tristíssimo da desordem e indisciplina social que jamais esperamos presenciar na pacata Famalicão. Um grupo numeroso de operários e gente sem medo de vida estacionou largas horas em frente à mercearia dos srs. Azevedo & irmão, da Rua Pinto Basto. Coincidiu o facto com a ida para Riba d`Ave da maior parte da Guarda Republicana, da qual só ficaram aqui dois soldados. Deu-se, por acaso, também a circunstância de aqui vir nesse dia em inspecção, o sr. tenente-coronel da Guarda Republicana. Claro que, no cumprimento do seu dever, o sr. administrador do concelho devia vigiar de perto o ajuntamento e de tratar procurar os meios de dispersá-lo, a bem da ordem pública e segurança da propriedade dos cidadãos. Afirma-nos pessoa que merece todo o crédito, que o não fez, e pior ainda, quando a sua acção se tornava mais necessária, retirou-se para fora da terra, justamente quando o grupo mais engrossava e, açulado por desordeiros sem escrúpulos, mais ameaçadoramente se manifestava. / Resultado desta imprevidência, que não tem desculpa, foi principiar o arrombamento da casa aludida, seguido de invasão selvagem e ladravaz do saque a quanto no estabelecimento se encontrava – no valor de muitos contos de réis. Mais ainda, a malvadez ou inconsciência desenfreadas, começou a destruir tudo o que não pode arrastar para fora, quebrando garrafas, vertendo líquidos, quebrando louças, numa fúria selvagem de fazer mal!

Enquanto que em 9 de Agosto de realizava o comício da Associação dos Operários em V. N. de Famalicão, solicitando às entidades governamentais e municipais a descida dos preços dos géneros alimentícios, em Setembro seria publicado o Edital n.º 1 do racionamento das subsistências e, no mesmo mês, o “Estrela do Minho” publicava o manifesto da União Operária Nacional.



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