quarta-feira, 2 de maio de 2012

do pessimismo que o não é





"... a solução, estando nós já na Europa, não pode agora senão estar em nós..."

Miguel Real







A edição, por si só, do texto de Manuel Laranjeira "Pessimismo Nacional", censurado no Estado Novo, é de ralçar não só pelo contexto nacional, europeu e mesmo internacional em que se vive, como igualmente, por outro lado, pela significação que em si comporta perante a época em que foi publicado, nomeadamente no jornal "O Norte", entre 24 de Dezembro de 1907 e 14 de Janeiro de 1908, e a época em que actualmente vivemos, num contexto de desorientação social, cívica, económica e politicamente. E, neste sentido, a análise contextual e épocal entre os princípios do século XX e o princípio do século XXI que Miguel Real realiza, apesar de ser perigoso uma tal análise relacional, é notável, aconselhando a leitura não só do texto de Laranjeira, como o prefácio de Miguel Real, denominado "A Actualidade de Manuel Laranjeira". Paralelamente, a republicação do texto de Miguel de Unamuno "Portugal Povo de Suicidas", retoma não só o projecto inicial do próprio autor, que pretendia escrever um livro único sobre Portugal, amigo de Laranjeira e este o seu máximo correspondente sobre a realidade mental e social portuguesa de então, revela o estado social e perigoso da sociedade portuguesa (aliás, às vezes, quando leio os textos de Bernardino Machado, tiro a conclusão prática de que Portugal, em termos mentais e educacionais, assim como políticos, falando igualmente do mesmo período histórico dos textos dee Laranjeira, e até à Implantação da República, parece não ter evoluído muito!) Quando somos governados por, realçando a expressão de Miguel Real, «jovens turcos», os quais substituiram os pais fundadores da democracia portuguesa, com políticas economicamente erradas para a sociedade portuguesa, os quais em vez de realçarem a esperança, encontram-se num estado volúvel e de sem sentido em termos governativos; em vez de exercerem uma justiça de equidade fiscal, proclamam hipocritamente que todos os portugueses, salvo seja, têm de pagar o que lhes é devido, criando assim uma sociedade pública e privada; quando os «jovens turcos» se tornam Pilatos, como tem sido o caso das pontes do Carnaval ou da Páscoa, reina simplesmente o estado amoral; quando os desempregados já passam a fasquia dos 15%, os nossos governantes, em vez de criarem politicas alternativas, avisam com ar de satisfação, que o país vai ter níveis de desemprego que nunca viu e assim também não podemos esperar nada de um estado que em vez de incentivar o trabalho, para criar riqueza, promove a emigração. Aliás, conforme a metáfora da multiplicação dos pães, tal como ouvi ontem no programa da SIC contra-corrente, a divisão para a multiplicação, não parece ser uma ideia a partilhar, na medida em que como pode haver multiplicação sem divisão (e fala-se, claro está, uma vez mais, na problemática da equidade fiscal)? E o fenómeno Pingo-Doce revela o estado social português: falta de civismo, de respeito e de educação de uns pelos outros, e, por ter sido a primeira vez que uma tal promoção aconteceu em Portugal, revelou-se a anarquia social entre o cidadão consumidor que a sociedade civilizacional promoveu e o cidadão que pretende envolver-se na cidadania, assim como as dificuldades económicas em que se vive, até porque uma promoção do género não é de perder, acaba por ser um fenómeno natural, assim se criando deuses sem o serem: pois, como dizia um cidadão, no telejornal de hoje, os políticos é que estão de olhos fechados, e o dono do Pingo-Doce é que é amigo dos pobres! Aos poucos, para pecado nosso, a teocracia, já em desenvolvimento, suplanta uma democracia que está a perder a sua consciência histórica e cívica, conforme a ditam os «jovens turcos», que, em alguns passos, estão a seguir a esquerda que governou antes deles. Na expressão de Laranjeira, tudo isto não passa por ser senão uma "ficção política". Em suma, se os dois textos, o de Miguel de Unamuno e o de Manuel Laranjeira surgem num contexto social e político avassalador, o que temos de ler em ambos esses textos é uma mensagem de esperança, ler nas entrelinhas e saber interpretá-los para que a sociedade portuguesa encontre um novo caminho. Termino com Laranjeira: "Há aí incalculáveis energias armazenadas; há aí muita vida, muita saúde, à espera de aplicação útil. Aproveitem-se, canalizem-se. Há ainda alma para refazer todo um Portugal novo." E se a solução está em nós, devemos estar com os olhos postos na Europa e no Mundo.

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