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O
projecto constante das cooperativas de consumo, para defesa dos consumidores
mais pobres e a concretização dos celeiros paroquiais, existindo alguns em
algumas freguesias do concelho de V. N. de Famalicão, a constituição
governamental concelhia das subsistências e de uma comissão de abastecimento
local, assim como a criação de mais uma comissão de subsistências em princípios
de Setembro, não conseguiram (através da configuração de uma Lei dos Cereais)
suster a constante especulação dos preços à volta dos mesmos e, em especial, do
milho, com a constante polémica do seu abastecimento e a sua falta, quer na
feira e no mercado, originando conflitos sociais durante o ano não só a nível
nacional, como também a nível local. Em Março, numa crónica com o título
“Abastecimento de Milho”, o cronista do “Estrela do Minho” informa que “sabemos
de lavradores que, solicitados para vender milho a alguns pobres, se têm negado
a fazê-lo”, caindo na retórica propagandista usual de que a “hora é de
sacrifícios para todas as classes.” Em princípios de Abril, anuncia-se que o
problema das subsistências “é o assunto máximo que a todo o país preocupa” e
que “é a falta de pão” que leva a “tumultos em várias terras pela falta de
milho e se assim continua não pode calcular-se onde irá parar o sossego
público.” Em Maio os famalicenses tomam conhecimento que chegaram para a
freguesia de Calendário “cerca de cinquenta carros de milho”, os quais foram
adquiridos em Viana do Castelo pela “junta de paróquia daquele freguesia, para
poder atender, ao menos em parte, à enorme falta de milho que ali tem havido.”
Depois dos conflitos sociais em Lisboa, relatados e comentados em editorial,
noticia-se os do concelho, particularmente em Oliveira Santa Maria e nos da
Vila. Veja-se a notícia destes dois acontecimentos, publicada em 3 de Junho:
Segunda-Feira
última [28 Maio], veio uma comissão de lavradores, daquela freguesia,
queixar-se à administração do concelho de que cerca de 200 indivíduos tinham
assaltado a casa do lavrador caseiro Francisco caseiro, agredindo,
barbaramente, os donos da casa e roubando todo o milho que havia para consumo e
sementes, além de 80 escudos em dinheiro e várias roupas. / Imediatamente, a
digna autoridade administrativa tratou de iniciar as suas averiguações e como
lhe constasse que os assaltos se iam repetir, seguiu para Riba d`Ave,
acompanhado do destacamento da Guarda Republicana, em serviço nesta vila,
conseguindo saber o nome dos principais assaltantes e realizando logo a prisão
de alguns deles, apesar da atitude hostil do operariado daquela região. / Nessa
ocasião requisitou mais forças da Guarda Republicana, que lhe foram fornecidas
de Guimarães. / Na Terça-Feira [29 Maio] passada correu na vila o boato de que
tinha sido lançado fogo à casa da Lavandeira, pertencente ao proprietário sr.
Narciso de Abreu, da freguesia de Oliveira, o que infelizmente mais tarde se
confirmou, tendo ardido a casa por completo e perecendo nesse criminoso
sinistro 9 cabeças de gado! / Nessa ocasião foram efectuadas mais 3 prisões,
sendo arbitrada a cada um dos presos, segundo se diz a fiança de 2000 escudos.
/ As patrulhas da Guarda Republicana têm percorrido, de noite, todos os lugares
da freguesia de Oliveira e limítrofes, estando agora a ordem pública
completamente assegurada. / Diz-se que antes do assalto houve uma reunião de
operários a que não foram estranhos certos elementos ultra-avançados de fora do
concelho, constando também que os operários de Riba d`Ave e fábricas vizinhas,
acompanhados de Pevidém, pensavam em vir a esta vila e, pela força, subtrair os
preços à acção da justiça. Para obstara isso, chegou ontem aqui uma força
militar a qual veio a requisição do digno administrador deste concelho, que tem
sido de uma actividade e energia raras, merecendo por isso os aplausos de toda
a gente. /Consta-nos também que em Riba d`Ave tem havido sempre milho à venda
por preço acessível e que os operários ainda não deixaram de ter trabalho,
motivo porque de modo algum se justificam os excessos por eles praticados e que
mais lamentáveis seriam se não fossem as prontas e enérgicas providências
tomadas pelo sr. dr. Carlos Bacelar, digno administrador do concelho.
Em
10 de Junho noticia-se que “escoltados por uma força militar, partiram
Quinta-Feira para Braga, nove indivíduos capturados por causa dos
acontecimentos de Oliveira. Estão todos pronunciados pelo crime de roubo e
agressão, sendo-lhe admitida fiança. Os presos que são todos tecelões chamam-se
José de Oliveira, David Moreira de Carvalho, Manuel Pereira, António Antunes,
João Ferreira, Manuel de Almeida, Joaquim António Cardoso e António Luís de
Araújo.” Ainda em Junho, noticia-se que o município apreendeu um carro de milho
que transitava sem guia de licença, mandando fazer pão para os pobres,
comentando-se que “é sabido que nos concelhos do norte deste distrito existe
milho em abundância, tendo já vindo bastante para os celeiros paroquiais do
Calendário e de Joane e ainda para Riba d`Ave. Para esta vila é que já há
tempos não vem nenhum e, por isso, a Câmara poderia ser a reguladora do mercado
se tivesse milho em quantidade.” Por outro lado, “se o milho que vem das
colónias é insuficiente para as necessidades da capital”, sugere-se adquirir
milho em Braga, cidade que terá, nos inícios de Julho, os seus próprios
conflitos. Até que em 5 de Agosto informa o “Estrela do Minho” da constituição
de uma Comissão Governamental das Subsistências no Concelho e de uma Comissão
de Abastecimento Local. A primeira foi representada pelas seguintes
personalidades: Delegado do Governo, Adelino Adélio dos Santos; pela Comissão
Executiva da Câmara Municipal, Domingos Lopes da Silva; Pela Associação Central
de Agricultura, António Joaquim de Sousa Veloso. Por seu turno, a segunda foi
constituída da seguinte forma: Pela Câmara Municipal, Francisco Correia de
Mesquita Guimarães, Jaime Valongo e Manuel Pinto de Sousa; Pela Associação
Comercial e Industrial, Manuel António Bouças Júnior e Augusto Pereira Sampaio;
Pelo Sindicato Agrícola, António Joaquim de Sousa Veloso, Duarte Maria Pinheiro
de Menezes. Em 9 de Setembro, é noticiada mais uma Comissão de Subsistência,
constituída por mesquita Guimarães, Bouças Júnior, Augusto Sampaio, Joaquim de
Sousa Veloso e Manuel Pinto de Sousa. Mas quem critica a propaganda do jornal
“Estrela do Minho” será a Comissão de Subsistências da Freguesia de Ribeirão, a
propósito da distribuição (o que leva a supor a existência de mais comissões
espalhadas pelas freguesias do concelho), constituída então por João José da
Silva, Manuel Dias da Costa, Manuel Dias de Sá Couto, Manuel Pereira de Araújo,
José Dias dos Santos, António Ferreira da Costa, Alberto Ferreira da Cruz
Loureiro, Manuel Joaquim Machado e Manuel Maria de Albuquerque Gerard
(regedor), cujas reivindicações serão publicadas em 18 de Novembro:
Nós,
os membros da Comissão de Subsistências da freguesia de Ribeirão, tendo lido no
seu conceituado jornal referências menos verdadeiras e justas sobre o milho que
tem transitado para esta freguesia com guias legais, vimos apressadamente pedir
a V… o favor de publicar, quanto antes, o respectivo desmentido, por serem
inexactas tais informações. / Certa desta gravíssima crise do milho nenhuma
freguesia deste concelho terá sido tão duramente experimentada como a nossa!
Nem admira, Sr. Director! / Esta freguesia consta já 470 famílias! E pelo
exacto arroteamento daquele cereal, apenas tem para a venda 60 carros de milho!
Há, portanto, um deficit pavoroso! É
necessário importar para aqui fatalmente 430 carros! / É certo que a digna
autoridade administrativa, conhecedora dos factos, tem passado algumas guias,
mas as quais algumas vezes, infelizmente, não têm sido reconhecidas por alguns
dos seus subalternos e populares. E não se diga, Sr. Director, que algum milho
de Ribeirão ou que para Ribeirão venha, com guia por nós informada passa para o
sul. / E devemos informar, em abono da verdade, que a digna autoridade
administrativa deste concelho nenhumas guias tem passado para esta freguesia,
sem previamente ouvir esta comissão sobre o assunto.
Das
actividades da Comissão de Abastecimento Local, realça-se a realização de um
inquérito ao consumo do milho, com a participação dos regedores das freguesias,
e a projecção para a formação dos celeiros paroquiais. Após a realização do
inquérito, o administrador do concelho proibiu a saída de milho e de centeio
para fora do concelho, bem como o trânsito dos mesmos. Em 30 de Setembro
noticia-se que a Comissão de Subsistências já conseguiu a implantação de alguns
celeiros paroquiais em algumas freguesias; até que, após os conflitos sociais
no Porto, receou-se em Dezembro em Famalicão pelo assalto às mercearias da
Vila, defendendo-as uma força militar:
Quarta-Feira
[12 Dezembro], ao meio da tarde, que é a hora de maior negócio nos
estabelecimentos, correu a notícia de que vinha o pessoal das fábricas de
tecidos de Riba d`Ave assaltar as mercearias da Vila, proeza a que se
associariam os operários das fábricas e oficinas daqui. O facto alarmou toda a
gente que estava na feira, que debandou logo, tratando todos os comerciantes de
encerrar as portas. / Perdeu-se quase pro co0mpleto o negócio desse mercado. O
crime não se efectuou porque os iniciadores dele, dizem-nos, não encontraram o
apoio do povo que enchia o campo da feira. / Também parece não restar dúvida de
que os assaltos foram premeditados, pois neles se têm falado já há duas semanas
– é o exemplo do que aconteceu no Porto – e tanto que já a autoridade administrativa
tem a Guarda Republicana de prevenção para evitar os assaltos.
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