A Casa de Camilo antes do incêndio
Há,
indiscutivelmente, dois acontecimentos que marcam a comunidade famalicense em
1915: o incêndio na Casa de Camilo em 17 de Março e a eleição presidencial de
Bernardino Machado, eleito Presidente da República em 6 de Agosto. Entretanto,
os famalicenses tomarão conhecimento dos novos corpos-gerentes da Caixa de
Crédito Agrícola, sendo constituídos com as seguintes personalidades:
Assembleia-Geral, Presidente, José Elísio Gonçalves Cerejeira; Secretários,
Joaquim Moreira Pinto, Elpídio Augusto Ferreira; Direcção, Presidente, António
Joaquim de Sousa Veloso; Vice-Presidente, Manuel Alves Correia de Araújo;
Tesoureiro, Duarte Maria Pinheiro de Menezes; Secretário, António José Barros
de Faria; Vogal, José Correia; Substitutos, João António Lopes, António Gomes
da Silva Brandão e Manuel António Joaquim dos Santos; Conselho Fiscal,
Francisco Maria de Oliveira e Silva, Francisco Machado da Silva e João Cabral
de Araújo Álvares. Lerão as crónicas de Emília de Sousa Costa, o folhetim de
Nuno Simões, o texto de Teófilo Braga “Crenças e Tradições. De Maio”,
visualizarão uma fotografia da Casa de Camilo, ainda mesmo antes do incêndio,
dando destaque à Acácia do Jorge, enquanto o camilianista Jorge de Faria verá o
seu texto “Avarentos de Camilo. “O Bento”, da Morgada de Romariz” publicado no
jornal famalicense em três partes. Reivindica-se uma escola agrícola para o
concelho, o professor António Nogueira crítica a Festa da Árvore, considerando
que foi adulterada nos seus princípios educativos, e os famalicenses tomam
conhecimento que na Papelaria Minerva se encontram disponíveis os livros de
Sousa Costa, “Coração de Mulher”, e o de Antero de Figueiredo, “Doida de Amor”,
este último a grande novidade literária do ano, do falecimento de José Robalo
Ferreira, que escrevia no “Estrela do Minho” com o pseudónimo José Rouge, e do
de Visconde de Gemunde e de que o Salão Olímpia vai ter obras de ampliação para
ser adaptado às actividades teatrais. A seguir ao incêndio da Casa de Camilo, a
4 de Julho, a Associação dos Empregados de Comércio organiza a conferência de
Paulo Alberto de Azevedo Osório, então Presidente da Federação dos Caixeiros
Portugueses (Zona Norte), tomam os famalicenses conhecimento que Álvaro de
Castelões toma posse como Director dos Caminhos-de-Ferro-do-Minho-e-Douro, de
que o Colégio Almeida Garrett, do Porto, visita a vila e após o almoço no Hotel
Central visitaram o Quartel dos Bombeiros Voluntários, a Associação dos
Operários, as fábricas J. Carvalho & Irmão e de Domingos Cancela, assim
como visitam os estudantes a Tipografia Minerva.
Até
que no dia 17 de Março tomam conhecimento do incêndio na Casa de Camilo,
ficando a comunidade constrangida, mas com força para a reconstrução da Casa,
assim como para a fundação, ideia vinda já do ano transacto, do então designado
“Museu Camilo”. Praticamente logo de seguida, republicanos e monárquicos e a
sociedade civil, tal como aconteceu com a fundação da Biblioteca Municipal
Camilo Castelo Branco em 1913, constituíram uma Comissão Promotora de Homenagem
Póstuma a Camilo Castelo Branco. Um grupo de admiradores e de amigos de Camilo
Castelo Branco, entre os quais Visconde de Pindela (Presidente da Assembleia
Primária de Pessoas Gradas), José de Azevedo e Menezes, Nuno Simões (primeiro
secretário) e José Robalo (vogal), escrevem uma carta-convite dirigida à
comunidade famalicense, assinada pelos três primeiros, a convocá-la para uma
reunião que então se realizou a 11 de Abril, pelas 11h00 da manhã, no Salão
Olímpia. Desta reunião, saiu a Comissão referida, assim constituída:
Presidente, José de Azevedo e Menezes; Secretários, Daniel Augusto dos Santos,
Manuel Pinto de Sousa; Tesoureiros, Francisco Correia de Mesquita Guimarães,
Francisco Maria de Oliveira e Silva; Notário, Rodrigo Terroso e Escrevente
Aires Rodrigues Alves. O “Estrela do Minho” constituiu na época, transcrevendo
as notícias, de uma autêntica hemeroteca nacional e internacional à volta do
incêndio e da tragédia que aconteceu na Casa de Camilo (Caso de jornais
brasileiros, por exemplo, “O Portugal Moderno” e o “Jornal do Comércio”, ambos
do Rio de Janeiro, ou entre nós, do “Portugal” (Lisboa), “Prosperidade”
(Porto), “Portugal Previdente” (Porto), “O Futuro” (Lisboa), “Fraternidade”
(Braga), etc.), e a 21 de Março informa os famalicenses do incêndio da seguinte
forma: “Quarta-Feira tivemos a tristeza notícia de ter ficado destruída por um
grande incêndio, a Casa de Camilo Castelo Branco, em S. Miguel de Seide. / Os
Bombeiros Voluntários embora para lá seguissem logo que avisados pelo pároco de
Seide Reverendo Manuel Francisco de Carvalho, que veio de bicicleta, quando lá
chegaram já da casa do grande escritor do “Amor de Perdição” apenas restavam as
paredes e a chaminé. / O retrato de Camilo e o sofá em que o «grande
desventurado» morreu, foram salvos. Era o que dele da casa tinha ficado. / Como
se sabe, os livros e outras recordações de Camilo não existiam já no prédio,
mas na casa de Silva Pinto, adquirida pelo Visconde de S. Miguel de Seide,
filho de Camilo, onde actualmente vivem os netos do grande escritor. / Também a
histórica «Acácia do Jorge» e a lápide comemorativa da visita de António
Feliciano de Castilho e Tomás Ribeiro a Seide estão intactas, no jardim onde o
incomparável romancista mentalizou talvez as suas melhores produções
literárias. / A destruição da Casa de Camilo representa uma grande perda, não
resta dúvida, mas, para os admiradores do genial escritor, não desapareceu o
motivo da sua romagem a S. Miguel de Seide, pois a casa pode facilmente
reconstruir-se com a antiga topografia e lá ser colocado o Museu Camiliano,
para o qual existem relíquias preciosas. / Não devem, por isso, desaparecer os
admiradores do grande mestre da nossa literatura, pois agora, mais do que
nunca, devemos todos trabalhar para que se reconstrua a vivenda de Camilo, que
está ao lado da Acácia do Jorge por ele plantada, e do mirante do jardim, onde
tudo parece recordar-nos ainda a figura do maior romancista português de todos
os tempos. “ Este texto termina com a seguinte “Nota Curiosa”, em jeito
profético: “ Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1815. / Se
fosse vivo tinha completado na passada Terça-Feira 90 anos. Na Quarta-Feira 17
ardeu a sua vivenda de que tanto gostava e onde viveu um quarto de século. A
constituição do “Museu Camiliano” ou ainda “Museu Camilo”, como na época assim
se designava, será focado na crónica editorial de 28 de Março, sem indicação de
autor, com o título “A Casa de Camilo”. Tal como aconteceu com a Biblioteca
Municipal Camilo Castelo Branco, uma onda de solidariedade cívica e cultural,
institucional e de algumas personalidades, começarão a realizar doações para a
reconstrução da casa e da constituição do “Museu Camiliano”. Foi o caso de
Alberto de Oliveira, então cônsul português no Rio de Janeiro, que remeteu uma
letra no valor de 231$34 a José de Azevedo e Menezes; por seu turno, a Câmara
Municipal da Póvoa de Varzim doou 50$00, o senado municipal doou a verba de
100$00, a Câmara Municipal de Arcos de Valdevez doou a quantia de 25$00,
enquanto que a de Paredes de Coura a quantia de 10$00.
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