XVI
ENCONTROS DE OUTONO
2013
“VIOLÊNCIA E PODER POLÍTICO
(1910-1974)”
SESSÃO DE ABERTURA
Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão
Dr.º Paulo Cunha
“Bernardino Machado teve uma propensão para a investigação. Queremos que este incentivo à investigação seja uma imagem de marca do nosso município. Queremos criar bons hábitos para a investigação. Até porque, quem quiser fazer uma tese, um estudo sobre a I República tem que vir a Famalicão, ao Museu Bernardino Machado, conhecer a sua obra.”
Prof. Norberto Cunha
Coordenador Científico do Museu Bernardino Machado
“O tema deste ano dos “Encontros de Outono” é a “Violência e o Poder Político”. É um tema aparentemente trivial, não só pelo Estado ter o monopólio da violência legítima (como disse Max Weber), e mantém a coesão social, graças a uma violência potencial, ainda que limitada, mínima, mas porque esse monopólio não impede que surja numa sociedade focos de violência, gerada ou por movimentos terroristas, ou por grupos de massas descontentes que, frequentemente, têm o conflito como desenlace quando a sua acção ultrapassar determinados limites. Mas se a violência, que em sentido restrito, se caracteriza por modificações danosas, já a violência do poder político nos deixa muito mais apreensivos, pela magnitude e pelas consequências dos seus efeitos. O poder político, que detenha o monopólio da violência legítima, não se confunde com ela, nos comportamentos dos seus destinatários., A violência, de per si, muda o estado e o corpo ou das suas possibilidades ambientais ou instrumentais. Naturalmente que a intervenção física pode ser utilizada por um meio para exercer o poder político, isto é, intervindo sobre a vontade dos outros, pode-se obter hipoteticamente qualquer conduta externa, ou interna, tanto numa acção como numa omissão, tanto no querer, como no não querer, mas a violência só pela violência, isto é, pela intervenção sobre o corpo do outro, apenas se pode obter numa omissão: imobilizando ou encarcerando a vítima, podemos impedi-la de realizar qualquer acção socialmente relevante, alterando o seu estado físico, nem sequer podemos induzir a fazer algo socialmente relevante. Há que ter em conta a distinção entre a violência e o poder político; e ainda que se possam implicar, essa implicação, implica uma distinção entre a violência em acto e a ameaça da violência. Esta distinção é importante nas relações do poder coercitivo, a violência intervém sobre a forma de punição, apenas quando a ameaça não alcança o seu fim. A violência política não é, portanto, um fim, mas um meio. Não é, pois, a violência do poder político que aflige propriamente os cidadãos: essa violência é parte do poder político, não é o seu fundamento. A sua utilidade também advém de um amplo consenso, expectativas de valores; mas a violência do poder político tem o monopólio da violência: dizer que ela é o seu meio específico e literalmente exclusivo, se é verdade, não é afirmar que a violência é o fundamento exclusivo, nem o principal fundamento do poder político. E está longe de ser aceitável que o motor da violência seja o único motivo pelo qual os membros de uma comunidade obedeçam às ordens de um Governo. Quando se qualifica legitima a violência que o Governo monopoliza, indica-se apenas uma certa zona de consenso, e se a legitimidade da violência exercida dentro e certos limites, não é apenas uma pretensão dos governantes, é também, digamos assim, uma intenção dos governados, tendo a sua adesão. Por isso se pode dizer que o poder político se funda, em parte, sobre a violência e, em parte, sobre o consenso. O consenso baseia-se, em parte, na prossecução dos interesses próprios, mais ou menos estabelecidos entre os cidadãos, em parte sobre a crença em determinados valores. O conflito surge quando este consenso é desmoronado, e só resta ao poder político e aos cidadãos a violência. Então perguntamos: como se justifica esta violência, quando efectivamente os fins justificam os meios e se esboronou? A escola jus-naturalista justifica a violência como um meio ao serviço de determinados fins, sejam justos ou injustos, mas não regulamenta essa relação entre meios e fins. O mesmo não acontece, por exemplo, no direito positivo, onde efectivamente há uma regulamentação dos meios, dos quais há uma legalização a utilizar para a sua aplicabilidade. A questão que se põe é a seguinte: até que ponto, manobrando-se os fins e justificando-se a violência enquanto meio, ela continue dentro da esfera do direito. É uma questão, hoje, de uma enorme impertinência, levantada pela primeira vez, nos tempos mais recentes, por Walter benjamin, tendo sido já levantada igualmente por Sorel, que dizia que, afinal, esta legalidade e as condições da sua aplicabilidade, mesmo numa relação em que os fins se malogravam, acaba por ser um logro, acaba por ser uma patologia do poder, um expediente para o poder se autoconservar-se e, portanto, uma violência imoral; e isto põe em causa o monopólio da violência legítima do Estado. Esta questão da violência do poder político não é, pois, uma questão tão trivial: deparamo-nos com ela no dia a dia, estamos com ela permanentemente."
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