Para o Dr. Manuel Sá Marques, esta reportagem da imprensa famalicense quando o avô foi eleito Presidente da República, em 6 de Agosto de 1915.
I
“Eleição Presidencial”. In Estrela do Minho. Ano 19, n.º 1035 (1
Ago. 1915), p. 2.
Dentre
os nomes dos candidatos à Presidência da República, cuja eleição se realizará
em sessão conjunta do Congresso no dia 6 do próximo mês de Agosto, de novo se
citava ontem com bastante insistência o do sr. Duarte Leite, actual embaixador
de Portugal no Rio de Janeiro.
Não
pode prever-se, é claro, o resultado da eleição presidencial, que bem pode
dar-nos uma surpresa, à última hora; mas pelo que é lógico supor-se, são os
nomes do dr. Bernardino Machado e Duarte Leite os que até agora se presume com
maiores probabilidades de serem eleitos.
II
·
“Novo
Presidente”. In Gazeta de Famalicão.
V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 54 (7 Ago. 1915), p. 1.
Está
eleito o novo Chefe de Estado Entre todos os que se propunham ao sufrágio,
venceu o sr. dr. Bernardino Machado, que já vinha fazendo tirocínio para o
lugar desde os tempos da monarquia.
Para
nós, a quem o facto nada interessa, pouco importa que tivesse saído eleito
Pedro ou Paulo, Sancho ou Martinho, e nem sequer registaríamos o resultado se o
caso se nos não prestasse a maravilha para sobre ele bordarmos ligeiras
considerações.
Não
iremos na corrente dos que despejam sobre o novo Presidente toda a casta de
insultos, vendo na sua escolha um perigo para a Pátria, como se o Chefe do
Estado, que preside mas não governa, pudesse influir ou modificar a situação
política, concorrer para que a República, arrepiando caminho, deixasse o beco
sem saída em que se meteu, para entrar na estrada larga do Direito e da Justiça
de que se desviou logo ao nascer, como criança que, perdida num deserto, se vê
cercada de feras que acabam por a devorar. O povo, numa daquelas sentenças que
a lição dos tempos lhe ensinou, costuma dizer, como máxima infalível, que quem
torto nasce tal e mal se endireita.
Não
salientaremos também a incoerenciados que, não gostando do sr. dr. Bernardino,
ajudaram, no entanto, a elegê-lo com o seu voto, só porque essa era a vontade
do sr. Afonso Costa, tornado cacique político numa eleição que afinal já nasce
com os mesmos defeitos que têm desmoralizado o sistema constitucional, que
seria realmente o melhor se os homens o não estragassem. Quando o exemplo vem
assim do alto, aparecendo vontades que se impõem, opiniões que se fazem
respeitar e homens que para não desobedeceram às ordens dos chefes, para
cumprirem os desejos ou os caprichos dos seus senhores, calcam os ditames da
sua consciência e vão votar no candidato que mais prejudicial acham aos
interesses da nação; quando para a eleição do Chefe de Estado, em que só têm
voto os grandes da política, se procede desta maneira, nós queremos que nos
digam que juízo podem fazer de tudo isto os pequenos, os que, pelas suas
condições de vida ou pela sua pouca cultura não podem ou não sabem afirmar a
sua opinião, e se eles amanhã não têm razão para se deixarem ir com quem mais
lhes der ou prometer.
E
nós podíamos perguntar aqui ao senador local, sr. Sousa Fernandes, se o
homem que agora ajudou com o seu voto a
elevar à suprema magistratura do país, não será o mesmo que há um ano, o
máximo, o fez quebrar a perna, com que vinha defendendo a República para se
refugiar ferido e amuado na qua quinta de Mões.
Mas
o resultado da eleição, bom ou mau – os republicanos que o digam – não nos
interessa, como não interessa ao país.
Quando
muito, pode ser uma festa de família, se não for antes um motivo de novas
cisões, de mais lutas, talvez de novas revoluções.
Para
os interesses da Pátria, para a paz interna, para a consolidação da República,
tanto vale a cordialidade do sr. dr. Bernardino, como valeria o génio de Guerra
Junqueiro, a diplomacia de Duarte Leite, a aristocracia de Braamcamp ou a
democracia de Correia Barreto.
Se
levar até ao fim o seu mandato, não lhe sucedendo como ao sr. Arriaga que o não
pode concluir, ao abandonar o lugar, há-de reparar que deixa tudo como dantes,
ou mais baralhado do que antes, em política, como em finanças, em ordem como em
administração.
Ora,
sendo assim, como é, traduzindo a eleição a vontade do país, mas os desejos do
sr. Afonso Costa, e não podendo o Chefe de Estado influir na vida política e
financeira do país, sempre queríamos que nos dissessem onde está a vantagem de
termos um Presidente em vez de um Rei. As desvantagens há-de mostrá-las esta
eleição.
III
·
“Presidente
da República”. In Estrela do Minho.
Ano 19, n.º 1036 (8 Ago. 1915), p. 1.
Acaba
de ser eleito presidente da República Portuguesa o sr. Dr. Bernardino Luís Machado
Guimarães, egrégio professor, que à causa da República prestou o mais
inteligente esforço.
É
o eminente estadista quase nosso conterrâneo, pois em casa de seus pais aqui
residiu e passou o melhor tempo da sua mocidade. Por isso Famalicão se orgulha
desvanecidamente por ver um seu filho ilustre ascender às culminâncias de
primeiro magistrado da nação.
Saudamos
o grande cidadão português a quem nos quatro anos futuros estão confiados os
destinos da pátria.
Mas
não pode negar-se que o país tem disso enormemente prejudicado com as incursões
realistas, pelas intentonas, e ainda pelas dissidências deploráveis entre os
próprios republicanos.
Por
isso nestes cinco anos tem estado entravado o programa da República.
Agora
é indispensável que a lição dos factos passados traga a todos os espíritos
intuitos de política serena para tratarmos todos do rejuvenescimento do país
pelo trabalho.
Tem
sido de sobressalto e de incertezas os cinco anos decorridos das instituições
republicanas. Explica-se, é certo, o facto. Seria óptimo, que após o advento da
República, todos os portugueses esquecessem divergências e se dessem as mãos
para a obra pacificadora, iniciando esta […] as grandes reformas económicas que
as necessidades da nação reclamam. Todas as revoluções deixam, por muito tempo
ainda, os rastos dos dissídios políticos que provocavam o choque
revolucionário.
Ao
Dr. Bernardino Machado está destinada a honrosa mas difícil missão de pacificar
a família portuguesa.
Se
o eminente cidadão o não conseguir, conhecidos os seus grandes recursos
conciliatórios e diplomáticos, a ninguém, por certo, será dado o prazer de
prestar à família portuguesa o mais alto benefício que na hora histórica que
atravessamos é lícito ambicionar.
Exigem-no
o progresso e felicidade da nação e também o prestígio e consolidação da
República.
IV
“Dr.
Bernardino Machado”. In Estrela do Minho.
Ano 19, n.º 1037 (15 Ago. 1915), p. 1.
É
esperado na sua casa desta vila, em Rorigo, o ilustre Presidente da República
eleito sr. dr. Bernardino Machado.
Famalicão
orgulha-se com a presença do seu iminente conterrâneo, que em Outubro vai tomar
o honroso lugar de Chefe da Nação Portuguesa.
No
estrangeiro, como em todo o país a eleição do novo Presidente da República tem
disso recebida com agrado.
Segundo
consta, no dia em que o sr. dr. Bernardino Machado tomar posse do cargo do
Presidente da República, o que será feito com toda a solenidade, no dia 5 de
Outubro, haverá parada militar, um grande jantar no palácio de Belém, para o
qual será convidado o corpo diplomático, um grande bodo a todas as crianças
pobres protegidas pelas juntas de paróquia, e uma tourada nocturna.
V
“Dr.
Bernardino Machado”. In Estrela do Minho.
Ano 19, n.º 1038 (22 Ago. 1915), p. 1.
Honra
Famalicão com a sua presença, há alguns dias, o nosso ilustre conterrâneo e
prestigioso presidente da República eleito, Sr. Dr. Bernardino Machado.
Tem
vindo cumprimentado grande número de pessoas de Lisboa, que andam em excursão
pelo Minho, outras do Porto, Braga e de Barcelos.
O
sr. Marquês de Palamares, presidente da «Institucion Libre de Enseñanza»,
escreveu de Santander ao sr. dr. Bernardino Machado, em nome da mesma
corporação, uma carta de calorosas felicitações pela sua eleição à presidência
da República. Nessa carta lê-se o seguinte:
«Ao
felicitar v. ex.ª, felicitamos também o país irmão que soube, em ocasião tão
crítica, eleger para o representar quem, como v. ex.ª, reúne as maiores
qualidades. Para nós, alunos da «Institucion», recordando sempre e em todos os
momentos o nosso amado mestre D. Francisco Giner, a eleição de v. ex.ª para a
direcção moral desse país a que ele tanto queria, traz-nos inúmeras recordações
e faz-nos pensar no imenso prazer que ele teria sentido ao conhecer este
facto.»
O
sr. dr. Bernardino Machado também recebeu um telegrama de felicitações do sr
dr. Ferreira Botelho, director e proprietário do «Jornal do Comércio» do Rio de
Janeiro.
VI
“Trabalhar…
Dr. Bernardino Machado”. In Estrela do
Minho. Ano 19, n.º 1038 (27 Ago. 1915), p. 1.
Está
em Famalicão há alguns dias, o presidente eleito da República Portuguesa, o que
nos apraz registar com desvanecimento.
Em
Famalicão brincou a sua mocidade o professor eminente da Universidade de
Coimbra, em cuja cátedra conquistou a admiração de nacionais e estrangeiros.
Deputado
e ministro da monarquia, o Dr. Bernardino Machado descrente por essa
instituição do levantamento do povo português, abraçou o partido republicano,
do qual foi um dos apóstolos mais inteligentes e entusiastas, constituindo decisivamente
para a implantação da República em 1910.
Fez
parte do governo provisório, por ser um dos republicanos mais queridos do povo
e todos conhecem a forma inteligente e patriótica como o grande estadista soube
fazer reconhecer e respeitar pelas grandes nações a nascente República
Portuguesa.
Foi
o primeiro embaixador de Portugal na grande nação irmã do outro lado do
Atlântico, O Brasil, por ser a mais autêntica figura para o entendimento entre
os dois povos da mesma raça.
Quando
os partidos, em acesa luta, menos se entendiam, foi o Dr. Bernardino Machado
chamado a Lisboa para tomar conta do poder, conseguindo acalmar os dissídios
políticos que tanto estavam prejudicando a nação.
Finalmente,
na eleição presidencial deste mês, quase por unanimidade de votos é o Sr. Dr.
Bernardino Machado eleito Presidente da República, o primeiro magistrado da
nação portuguesa.
Felicitando
a nação pela acertada escolha dos seus representantes, Famalicão muito se ufana
com orgulho, por ser o berço do Sr. Dr. Bernardino Machado.
VII
“Dr.
Bernardino Machado”. In Estrela do Minho.
Ano 19, n.º 1039 (29 Ago. 1915), p. 1.
O
sr. dr Bernardino Machado, presidente eleito da República, recebeu de sir Artur
Hardinge, antigo ministro de Inglaterra em Lisboa e actualmente embaixador em
Madrid, a seguinte carta:
«É
com uma viva satisfação que recebi a notícia da eleição de v. ex.ª à
presidência da República, e peço-lhe que aceite por esta ocasião as minhas
cordeais felicitações. Conservarei sempre a mais grata lembrança do acolhimento
que v. ex.ª me dispensou logo após a minha chegada como ministro a Lisboa, e
das horas tão agradáveis e cheias de interesse que tive o prazer de passar no
seio da sua família. Desejo de todo o coração que o belo país onde v. ex.ª
acaba de ser chamado a desempenhar a suprema magistratura, e do qual trouxe
para sempre uma indelével recordação, goze dias felizes e prósperos e que as
relações que há tantos séculos o unem ao meu se vejam cada vez mais estreitas e
solidárias.»
O
sr. Dr. Bernardino Machado tem continuado a receber felicitações das câmaras
municipais de todo o país, tanto do continente como das colónias, além de
muitas cartas do estrangeiro.
VIII
·
“Presidente da República”. In Estrela do Minho. Ano 19, n.º 1041 (12
Set. 1915), p. 1.
Dizem
os jornais que as Câmara Municipais de muitos concelhos do país tencionam ir a
Lisboa assistir à posse do eminente estadista eleito para a suprema
magistratura do país. / Tudo merece o grande cidadão; e sendo Famalicão a sua
terra, a nossa Câmara não deixará também de prestar esta homenagem ao sr. dr.
Bernardino Machado, cujas altas qualidades muito honram a nossa terra, onde o
iminente cidadão passou o melhor tempo da sua mocidade.
IX
·
“Normalidade”. In Gazeta de Famalicão. V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 62 (2 Out.
1915), p. 1.
Com
a subida do sr. dr. Bernardino Machado à presidência da República, parece que
tudo se prepara para entrar na normalidade.
O
sr. Machado dos Santos regressou do exílio, e o sr. Pimenta de Castro e os seus
colegas de ministério preparam-se também, segundo os jornais para entrarem na
metrópole.
É
uma espécie de amnistia, como aquela que o sr. dr. Bernardino deu aos presos
políticos no princípio do governo da cordialidade.
Simplesmente
pode suceder como da outra vez: entradas de cordeiro e saídas de… leão.
Vamos
a ver. Só o tempo saberá mostrar-nos se o sr. dr. Bernardino será sempre…
Bernardino…
X
·
Maria
Feyo – “O Sr. Dr. Bernardino Machado”.
In Estrela do Minho. Ano 21, n.º 1044
(3 Out. 1915), p. 1.
Dentro
em dois dias, vai assumir o melindroso cargo de chefe do Estado o sr. dr.
Bernardino Machado. E ser chefe duma Nação, é o mesmo que investir-se das
graves responsabilidades de chefe de uma família numerosa, com todos os deveres
de zelar pelas garantias do seu bem-estar moral e material. Não apreciarei o
sr. dr. Bernardino Machado através da política. Sou uma revoltada contra todos
os efeitos dessa praga desordeira das
sociedades. Se em tese concordo que ela é um meio próprio ao funcionamento da
constituição social das sociedades de hoje, na prática observo e deploro a sua
acção destruidora, armada de mentira e adulação, aviltando caracteres,
degradando consciências e incensando ídolos que muitas vezes são os Judas da Pátria e as sanguessugas do
povo. É pois somente como chefe de família que me referirei ao futuro chefe da
Nação, porque é essa a feição mais simpática e que mais admiro no sr. dr.
Bernardino Machado. Muitas vezes tenho tido ocasião de me enternecer diante do
espectáculo, que às horas da refeição frugal e precipitada que sua Ex.ª tomava
quando Presidente do Conselho, toda a família o rodeava numa efusão de
sugestiva ternura. As filhas do sr. dr. Bernardino Machado, que uma
graciosidade modesta e simples reveste de atraente e especial encanto,
abraçavam e beijavam à porfia, numa tocante expressão de amor, o Pai que, a seu
turno, distribuía carícias e carinhosas palavras a esse bando alegre que
representa a gentileza da mocidade em flor. Era então que, liberto do contacto
dissolvente das paixões políticas, sobressaía a nobre feição do patriarca, e
que entre o bafejo imaculado da candura, da bondade e da graça espontânea e
juvenil a sua figura de ancião, viril e insinuante, incarnava a mais bela
expressão da vida que se condensa no santo e puro amor da família.
Michelet
dizia que todos os estadistas, ou dirigentes de uma Nação, deviam ter uma família
bem organizada e onde reinasse a paz e a alegria, a delicadeza de sentimentos
que exercesse o seu influxo retemperante e suave no carácter do homem em
contacto com as asperezas rudes e violentas dos combates políticos.
[…]
A
família é afinal o reflexo da sociedade. Mas para que ela seja o que deve ser,
é preciso que a mulher seja na família o que tem sido a Esposa do sr. dr.
Bernardino Machado. Respeitada e amada como senhora de pensamento e acção, ela
tem sido a direcção da casa administrada com o tino e a energia que dispensam
seu marido de agravar as fadigas políticas com outros encargos domésticos.
Estas circunstâncias deve prender a atenção do chefe de Estado para o grave
problema da reabilitação feminina. Napoleão 1.º afirmava que os males da França
provinham da falta de educação da mulher, ocasionando a falta de boas mães. Mas
não pode haver boas mães enquanto não se pense a sério no papel importante que
a mulher tem de exercer na sociedade e se lhe reconheçam e respeitem as
qualidades de valor, que não se revelam porque uma desumana repressão a
converte em revoltada. Que o chefe do Estado assim o compreenda. E que na
atmosfera doce e criadora do amor de família, o seu espírito se ilumine de
generosos reflexos para ser dentro de uma obra de concórdia, de bondade e de
progresso. Um bom chefe de Estado como tem sido bom chefe de família.
XI
·
“Retalhos.
O mais ilustre filho de Famalicão”. In Gazeta
de Famalicão. V. N. de Famalicão, Ano 2, n.º 64 (16 Out. 1915), p. 1.
Era
assim que a Câmara chamava ao sr. dr. Bernardino Machado, nos convites que fez
distribuir para a manifestação de Segunda-Feira.
Quanto
a ilustre, que não é propriamente a mesma coisa que ilustrado, não foi ainda
resolvido aquele problema que «A Nação» propôs sobre a linhagem de S. Ex.ª nem
nos parece que um regime democrático deva preocupar-se com o sangue azul dos
seus chefes; quanto a ser filho desta terra, lembrámos à Câmara que S. Ex.ª é
tanto nosso conterrâneo como o seu presidente, pois segundo documentos
autênticos que os próprios jornais republicanos têm trasladado, o chefe de
Estado de Portugal nasceu no Rio de janeiro em 28 de Março de 1851 e, quando
foi aluno da Universidade de Coimbra, ainda S. Ex.ª se considerava carioca,
tendo nessa qualidade, assinado uma mensagem de congratulação que os estudantes
brasileiros entregaram ao monarca do seu país, quando D. Pedro II visitou
Coimbra. A não ser que a Câmara queira concluir como a “Estrela do Minho” que
S. Ex.ª é nosso conterrâneo porque passou a sua mocidade em Famalicão!
De
maneira que o director da “Estrela”, que veio também em rapaz para Famalicão,
deixou por esse facto de ser natural de Vilar de Maçada, para passar a ser
nosso conterrâneo também!
E
ele fala como se realmente o fosse… Ele e o sr. Presidente da Câmara…
XII
·
“Chronicas
Sem Arte”. In Gazeta de Famalicão. V.
N. de Famalicão, Ano 2, n.º 64 (16 Out. 1915), p. 1.
Tivemos
aqui há dias o sr. Presidente da República. Achamos bem que o primeiro passeio
dado por S. Ex.ª, depois da sua ascensão aos pináculos presidenciais, fosse a
esta terra impropriamente chamada sua, onde tem certamente enraizadas
recordações, e saudades dos tempos idos e de pessoas queridas. Não sabemos se
Famalicão viu nessa visita uma honra por aí além e se, na pessoa do sr.
Bernardino Machado, via ou vê o Messias desejado, capaz de pacificar a família
portuguesa, tão dividida, chamando-a à vida operosa e sadia de outrora
interessando todos os cidadãos na resolução dos magnes problemas sociais e
económicos que nos assoberbam e avassalam.
Não
sabemos…
Não
vimos, é certo, como outrora, um certo calor de entusiasmo nas manifestações e
uma espontaneidade vibrante na expansão do sentimento popular. Pareceu-nos tudo
aquilo nimiamente oficial, demasiadamente protocolar, sem alma, sem uma
centelha daquela alegria minhota, tão vibrátil, tão ruidosa, tão portuguesa!
Não
queremos tirar ilações desta frieza, nem concluir deste quase indiferentismo
das massas…
Até
a música, de ordinário tão sugestiva, nos quis parecer monótona, sem expressão,
como que contrafeita, associando-se a uma festa
em que falava a mais essencial condição para o ser, na verdadeira acepção do
termo – o entusiasmo popular.
Demo-nos
a prescrutar as razões do caso.
Não
é o sr. Bernardino Machado a encarnação da cordialidade, a quinta-essência da
amabilidade, da doçura, da mais encantadora simplicidade, quase a roçar pela
ingenuidade infantil?
Não
será S. Ex.ª uma alma cândida de pomba, sem ódios, sem malquerenças, sem pelos
no coração?
Merece
reparos a sua persistência, a sua quase obsessão, para chegar às eminências da
cumeada política e social?
Porque
não tem sido alvo de fervorosas e nativas alegrias populares, tanto da nossa
gente, tanto da nossa raça, porquê?
Porque,
entre o próprio elemento oficial, obrigatório, tem havido, por toda a parte,
retraimentos, que são outros tantos protestos, outras tantas picadas na natural
vaidade e orgulho do homem, elevado a tais grandezas?
Se
os defeitos próprios lhe não alienam simpatias, evidentemente, sem torcer a
lógica, alienam-lhas, os que o cercam, os que o inspiram, os que o elegeram,
como instrumento das suas ambições, como garantia da sua impunidade, como
escudo protector das suas pretensões de mando…
De
sorte que é legítimo concluir que a antipatia e frieza com que tem sido
recebido o novo Presidente, são um reflexo das antipatias e friezas inspiradas
pelos homens que o empoleiraram na estofada cadeira presidencial, que, muitas
vezes, lhe parecerá eriçada de espinhos…
Pelo
que nos diz respeito, restringindo ao nosso pequeno meio estas considerações,
ainda encontramos um motivo, a mais, para tal frieza.
Quando
um amigo nosso, um cavalheiro geralmente estimado, um negociante honrado, um
filho de Famalicão, se encontra preso como conspirador, simplesmente porque não
sacrifica ao seu ideal o comodismo egoísta de tantos, que rastejam no sabujismo
das adulações mais abjectas, havíamos nós de associar-nos a festas em honra
daqueles que o perseguem, que o vexam, que o prejudicam nos seus interesses, e
ainda mais nos seus carinhos, nos seus afectos de pai amantíssimo?
Lamentamos
apenas que esse movimento de solidariedade na dor e na perseguição não fosse
mais geral, não fosse absoluto.
Nem
podemos perceber com os que associassem a tais festas colectividades de que aquele
perseguido faz parte, como membro prestante, como auxiliar valioso!
Sinais
dos tempos!
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