AOS HERÓIS SILENCIOSOS
Aniceto Afonso,
Carlos de Matos Gomes, Portugal e a
Grande Guerra: 1914.1918, 2013
Numa
altura em que se comemora um pouco por todo o país o início da I Grande Guerra
Mundial, cujas comemorações se alongarão até 2018, com “Os Dias da Memória” na
Assembleia da República, convém recordar um pouco como foi essa mobilização
sentida em V. N. de Famalicão. Será no governo de Bernardino Machado em 7 de
Agosto de 1914, numa reunião extraordinária do Congresso e convocada por
decreto de 4 de Agosto, que Portugal intervém militarmente, colocando-se ao
lado da Inglaterra, o mesmo será dizer ao lado dos Aliados. A mesma confirmação
irá surgir numa outra reunião extraordinária, esta autorizada por decreto de 17
de Novembro, na sessão do dia 23 do mesmo mês: e se a problemática
relativamente a Portugal, que se coloca num plano de neutralidade ou não, o que
é certo é que logo desde o primeiro momento Portugal intervém militarmente, não
só com uma mobilização em Outubro de 1914 para França, como igualmente com duas
expedições africanas. A mobilização geral, digamos assim, concretiza-se em 1917,
a partir do momento em que Portugal declara guerra à Alemanha em 10 de Março,
tendo este último país feito o mesmo a Portugal no dia anterior,
estando em causa a problemática dos navios alemães. Será neste contexto
histórico-militar e, num primeiro momento, radicalizando-se o teatro das
operações em África, que muitos famalicenses serão mobilizados e, num segundo
momento, para França. Se até ao momento, se conseguiu o levantamento de mais de
duas centenas de militares famalicenses que estiveram presentes no teatro das
operações africanas e europeias (Manuel Pinto de Sousa, na sua afamada crónica
“Trabalhar” no jornal famalicense “Estrela do Minho” ora aponta quatro ou oito
centenas!), para além de uma reconstrução de um memorial famalicense, assim resgatando
esses heróis silenciosos, o que convém perceber, precisamente, é a razão da
duração de uma guerra desgastante e, por outro lado, como a comunidade
famalicense na época, entre 1914 a 1918, viveu essas quase quatro décadas. Se
não é este o meu propósito nestas breves linhas (ficando para um trabalho que
será publicado brevemente e que terá o título “A I Grande Guerra no olhar do
“Estrela do Minho” e V. N. de Famalicão nesse tempo – o monumento”), o que me
interessa aqui focar é a mobilização que se realizou no concelho de Vila Nova
de Famalicão. De facto, perante a segunda mobilização, os famalicenses tomam
conhecimento que muitos rapazes conterrâneos incorporaram-se em vários
regimentos, partindo em 17 de Abril para a frente ocidental. Famalicão despediu-se.
Num texto “Os Nossos Soldados”, num apelo para a união e a despedida (tendo
sido provavelmente um acontecimento invulgar), diz-nos o seguinte (publicado em
15 de Abril no jornal “Estrela do Minho”): “Partem depois de amanhã bastantes
rapazes da nossa terra, para incorporar-se nos seus regimentos, a fim de
seguirem para França, no cumprimento do seu dever de soldados. Vão unir-se aos
seus camaradas que já se estão batendo nos campos de batalha, e, como eles,
hão-de saber honrar as tradições heróicas do exército português. Famalicão deve
ir à despedida dos seus conterrâneos, encorajá-los na hora em que se despedem
dos seus lares, das suas mães, quantos deixando as suas noivas, todos os
afectos mais queridos da sua alma. Estua no coração desses rapazes o generoso
sangue dos seus avós, a sua lendária bravura, que não conhece o temor em frente
do inimigo. Sempre assim fomos. / Mas o leão das batalhas possui ao mesmo
tempo, no remanso da paz, um coração cheio de sensibilidade e para que ele não
fraqueje na hora da partida, é necessário que, junto ao abraço de despedida,
lhes lembremos que desde esta hora eles estão já defendendo a pátria, que neles
confia os seus destinos e que, embora longe, eles vão servi-la honrando-a, para
amanhã a ela honrando-a, para amanhã a ela regressarem vitoriosos, aureolados
pela satisfação de um grande dever cumprido, pela gratidão imorredoura dos seus
concidadãos, que hão-de recebê-los em jubiloso triunfo.” Por seu turno, em 22
de Abril, no mesmo jornal, e falando mais uma vez nos mobilizados famalicenses,
publica a seguinte local: “A fim de se incorporarem no seu Batalhão de
Infantaria n.º 8, que ontem seguiu para Lisboa, foram do nosso concelho muitos
soldados para França, sendo alguns da Vila. Todos eles se apresentam satisfeitos
e embora o momento de separação de suas famílias lhe seja doloroso, os nossos
rapazes hão-de distinguir-se nos campos de batalha, na defesa da Pátria que a
todos nos viu nascer e à qual – temos essa fé – a maior parte breve há-de
voltar, pois o inimigo já se retira e não tardará a pedir a paz.” Um texto que
então fazia eco da propaganda, para sossego dos espíritos. Desta mobilização, e
até ao momento, o levantamento realizado, mais de duas centenas de militares, entre
soldados, cabos, sargentos e oficiais, os famalicenses foram mobilizados para
as seguintes unidades militares, de norte a sul do país: Batalhão de Lanceiros,
Batalhão de Morteiros, Batalhão de Sapadores C./Ferro, Batalhão de
Telegrafistas de Campanha, Companhia de Telegrafistas de Praça, Escola de
Equitação, 8.º Grupo de Metralhadoras, 1.ª Companhia de Reformados, Regimento
de Artilharia n.º 5, n.º 7, Regimento de Obuses de Campanha, Regimento de
Artilharia de Montanha, Regimento de Cavalaria n.º 2, n.º 3, n.º 5, n.º 9, n.º
11, Regimento de Infantaria n.º 3, n.º 5, n.º 6, n.º 8, n.º 9, n.º 17, n.º 18,
n.º 20, n.º 21, n.º 23, n.º 28, n.º 29, n.º 31, Regimento de Sapadores
Mineiros, 2.ª Companhia de Reformados, Terceiro Grupo de Administração Militar,
Terceiro Grupo de Companhias de Saúde e Terceiro Grupo de Metralhadoras. A homenagem aos heróis silenciosos famalicenses será feita, precisamente em 9 de Abril de 1924, cujo monumento aqui reproduzimos, com a seguinte significação: entre a simbologia cívica, profana e religiosa,
o Monumento aos Mortos da Grande Guerra (que se encontrava coberto com “a
bandeira verde-rubro da República, foi descerrado pelo sr. Ministro do
Comércio, ante a apresentação de armas dos soldados, o som guerreiro da
«Portuguesa» e de vivas calorosos à Pátria, ao exército e à República”, segundo
a reportagem publicada no “Estrela do Minho” em 13 de Abril) tem a encimá-lo a
Cruz de Cristo (na significação do sofrimento terreno e da garantia salvífica
eterna), seguida da esfera armilar e pelo escudo, pelo anjo da vitória (para G.
K. Chesterton, em “Ortodoxia”, “os Anjos voam porque se encaram a si próprios
com ligeireza […] Recordem-se os anjos de Fra Angelico, que parecem quase
borboletas”, dando “a impressão de estarem a preparar-se para levantar voo,
para flutuar nos céus.”) e, finalmente, a representação imagética do leão,
entre a força e a nobreza em serenidade. Não sabendo de antemão os critérios
que o município adoptou para a inscrição e a selecção dos trinta e sete
combatentes, foram seleccionados trinta e dois de França e apenas cinco de
África.
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