António
Joaquim Pinto da Silva – Imagens de
Famalicão Antigo, 1990
Com
o Armistício assinado em 11 de Novembro de 1918 e o Tratado de Paz em 28 de
Junho de 1919, os países beligerantes da I Grande Guerra ficaram com um enorme
vazio ontológico. No caso de Portugal, a I República tentou criar, no
pós-guerra, um ritualismo simbólico e cívico para a conciliação de uma
identidade colectiva, criando, ao mesmo tempo, espaços públicos de memória
entre os Monumentos aos Mortos da Grande Guerra e a inscrição toponímica do 9
de Abril (em V. N. de Famalicão aconteceu em plena ditadura militar, no ano de
1927). Se esta busca ritual e cívica não deu para a I República a sua
reestruturação ideológica, estamos perante uma questão que não cabe aqui ser
tratada perante o fim deste trabalho, assim como a problemática à volta dos
monumentos na sua configuração estética. Se as comemorações do 9 de Abril
suplantaram as do Armistício, estas nunca se verificando em V. N. de Famalicão,
senão esporadicamente. Iniciadas em Portugal em 1919, ano em que o “Estrela do
Minho” publica o texto de Matos Sequeira a propósito da “acção heróica do
capitão Braz de Oliveira á frente de uma bateria portugueza”, na Batalha de La
Lys, pelo meio, em V. N. de Famalicão, ressalva-se a Festa da Paz e a
consagração aos Soldados Desconhecidos, cujas comemorações foram as primeiras
do 9 de Abril em terras de Vila Nova, comemorando o 14 de Julho de 1919, dia
que seria feriado nacional; e na notícia de 13 de Julho, informa-se que a
“Câmara concedeu uma verba para as festas e amanhã em Famalicão haverá o ruído
esfusiante da música e da dinamite estalando nos ares”, lembrando o cronista
que se não deve esquecer o “Bodo aos Pobres”. Veja-se como decorreram as
respectivas Festas da Paz em V. N. de Famalicão: “Famalicão festejou
ruidosamente o 14 de Julho corrente, Segunda-Feira, solenizando a assinatura da
Paz. / Todas as corporações embandeiraram assim, como muitas casas
particulares, destacando-se um grande troféu com a bandeira francesa e das
nações aliadas, com que o sr. Rodrigo Carvalho engalanou a sua casa, como já o
tinha feito no dia da Assinatura da Paz. / Uma música percorreu as ruas da
Vila, sendo a cerimónia mais útil e comovedora a do Bodo aos pobres, que
receberam 400 broas de pão. / À noite, ostentava-se na Praça da República
finamente iluminada à electricidade, sendo de lindo efeito a fachada da Câmara
Municipal, ás árvores do jardim com lâmpadas coloridas e a fonte luminosa.
Tocou também a música, o que foi notório para toda a população ali ir gozar
algumas horas bem passadas, para o que a noite de calor muito se prestou. / Foi
uma festa animada e linda.”
Não
se comemorando ainda o 9 de Abril em V. N. de Famalicão em 1920, com uma
chamada de atenção do republicano famalicense Manuel Pinto de Sousa na sua
crónica de sempre intitulada “Trabalhar” de 11 de Abril (veja-se o discurso
tipicamente ideológico e telúrico: “Passou anteontem o 9 de Abril comemorativo
do feito heróico dos nossos soldados na grande guerra, que deve ser sempre
recordado pelos portugueses com páginas de ouro das mais belas da história
pátria”), será na festa da raça de 10 de Junho que o município famalicense
apresentará o projecto para a edificação do padrão comemorativo e memorial dos
combatentes famalicenses na I Grande Guerra. Em 1921, aqui sim, o 9 de Abril
será comemorado pela primeira vez na comunidade famalicense perante as
homenagens tumulares aos soldados desconhecidos. Será Bernardino Machado, na
presidência do seu ministério, que realizará o projecto-lei de Março que
projectará as comemorações aos soldados desconhecidos, no qual se diz que “é
autorizado o governo a trasladar para o Panteon da Batalha os cadáveres de dois
soldados desconhecidos, mortos em combate, um em África e outro em Flandres”,
considerando o mesmo que o dia 9 de Abril de 1921 seja feriado nacional. Neste
âmbito, o “Estrela do Minho” apresenta de antemão o programa das comemorações
em V. N. de Famalicão, convidando o município “todos os antigos vereadores,
associações locais, pessoas gradas, o povo, enfim, solenizando assim a
homenagem prestada aos soldados desconhecidos mortos na grande guerra”,
convidando também “as mães dos soldados do concelho, que na guerra morreram.”
Salienta-se aqui, nesta notícia, a estranha e a enigmática projecção da
inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra em V. N. de Famalicão, a
qual não se concretizou, a ser então edificado na Praça da República! Mas no
dia 9 de Abril de 1921, para além da sessão solene nos Paços do Concelho de V.
N. de Famalicão, o município famalicense fez-se representar no cortejo da
Batalha com Júlio de Araújo, Horácio de Azevedo e Adelino Sousa, assim como a
Associação dos Empregados no Comércio, que esteve presente com o seu
estandarte, representado por Angelino Mesquita, Joaquim Portela, Fernando
Folhadela Marques, Alberto de Sousa Araújo e Flávio Marques. Paralelamente, a
Escola Primária Superior associou-se aos festejos municipais e “as associações
locais tiveram todas hasteadas as suas bandeiras, além da Câmara e Hospital da
Misericórdia.” Mas veja-se o acontecimento nos Paços do Concelho (com a
enigmática insistência da inauguração do Monumento, agora, segundo o cronista,
na Praça da Mota, à qual, imagine-se, “assistiu muito povo, tocando durante a
acção, a música dos Bombeiros Voluntários”, para além da missa promovida por
Monsenhor Torres Carneiro na Igreja Matriz, assistindo “elevado número de
eclesiásticos e muitos fiéis”, tendo sido “chocante o «momento de silêncio»,
anunciado pelo repicar dos sinos”), edificando a ideologia unificadora
republicana.
A
comunidade famalicense volta a comemorar o 9 de Abril em 1922 e veja-se este
estranho e paradoxal texto minimalista à volta da Batalha de La Lys, entre a
tragédia e a heroicidade: “Passa hoje o aniversário da Batalha do Lis, em que o
nosso exército, embora vencido pelo número esmagadoramente superior, deu provas
eloquentes de valentia do soldado português de todos os tempos.” Na mesma data
publica o “Estrela do Minho” o telegrama do Governador Civil de Braga enviado à
administração do concelho para a realização das comemorações em V. N. de
Famalicão: “Exmo ministro do interior encarrega-me de comunicar a V.
Ex.ª procurar conseguir dois minutos de silêncio, glorificando o magnífico
esforço da República intervindo militarmente na Grande Guerra, às 17 horas
precisas do dia 9 do corrente, seguidos de todas as manifestações festivas que for possível
organizar.” Por seu turno, a 16 de Abril, noticia-se que “Famalicão comemorou
também a data para nós gloriosa da Batalha do Lis, embandeirando a Câmara e
Associações, sendo observados rigorosamente os dois minutos de silêncio,
momento deveras impressionante, no seu significado de respeito e de saudade
pelos que defendendo a Pátria, morreram gloriosamente por ela.” No mesmo ano, o
“Estrela do Minho”, em 7 de Maio, publica o “Edital” da Comissão Executiva da
Câmara Municipal para a adjudicação da construção do Monumento. Ficando a obra
a cargo da Empresa de Mármores do Porto, Ld.ª, os famalicenses ficam a saber
quem é o escultor do Monumento em Outubro, nomeadamente Luís Esteves de
Carvalho, do Porto, o qual, na sua estada no Brasil, realizou “trabalhos de
alto valor artístico”, a saber, as esculturas do Barão do Rio Branco e da
Princesa Augusta Vitória.
O
ano de 1923 ficará marcado a nível nacional, assim como em V. N. de Famalicão,
pela proposta da Comissão Central dos Padrões da Grande Guerra, a qual foi a
realização de palestras nos estabelecimentos escolares, sendo a temática o 9 de
Abril. Em 1 de Abril, o “Estrela do Minho” noticia que a Câmara se comprometeu
a inaugurar em Famalicão “o padrão dos mortos na guerra”, o qual será edificado
na Praça do Conde de S. Cosme do Vale, questionando-se se “será realmente nesse
dia tirado o taipal no monumento”, para a 8 de Abril comentar que serão
“inaugurados muitos padrões comemorativos.” Contudo, as seguintes notícias
leva-nos à conclusão de que o monumento ainda não deveria estar pronto nesta
altura, até porque em 8 de Julho comunica-se que “já chegaram as pedras para o
monumento”, sugerindo-se que na sua inauguração estivesse presente o Presidente
da República, estando prevista a sua visita à Casa de Camilo; e em 2 de
Setembro informa-se a comunidade famalicense que “está a chegar o resto do
material”, encontrando-se em Famalicão “quatro artistas enviados pela casa a
quem o monumento foi adjudicado.” Ainda em Setembro notifica-se a
característica estética, referindo-se a “um dos mais formosos padrões
comemorativos” e em Outubro dir-se-á que “o monumento está concluído e o seu
belo conjunto artístico muito honra os seus executores”, para acrescentar o
cronista que é uma “bela obra de arte, uma das melhores que conhecemos,
superior até às que para o mesmo fim se levantaram em algumas cidades”,
faltando a “beleza do conjunto, o ajardinamento da Praça Conde S. Cosme do
Vale” para que “seja feito com arte e bom gosto”. Será em Novembro que se
começa a exigir ao município famalicense a inauguração do Monumento, levando a
supor que por esta altura já se encontraria pronto. Os desejos dos famalicenses
serão concretizados em 9 de Abril de 1924. Anunciando a 9, a 16 e a 30 de Março
o programa provisório da inauguração do respectivo Monumento, nesta última data
projectando que “não faltarão contingentes dos regimentos de Braga; as mães e
viúvas dos soldados do nosso concelho que na guerra morreram; as crianças
escolares de todas as freguesias, devidamente ensaiadas para cantarem o hino da
Pátria ao desfilarem ante o monumento da Praça Conde S. Cosme do Vale. / Também
não deve faltar o convite aos soldados do concelho que estiveram na guerra,
para comparecerem ao cortejo, com as suas fardas de campanha. / A sessão
solene, no salão nobre dos Paços do Concelho, há-de ter o significado
compatível com a data que se soleniza”, solicitando-se que “as paredes das
casas da praça sejam lavadas, branqueadas.” A 6 de Abril, o “Estrela do Minho”
publica o seguinte programa: “Pela manhã, alvorada com bombas e uma banda de
música, ao mesmo tempo que outras músicas tocarão pelas ruas da vila, durante o
dia. / Às 9 horas, recepção na estação do caminho-de-ferro do Ex.mo Ministro
do Comércio [Nuno Simões], ilustre filho desta terra, que, a convite da Câmara
Municipal, vem expressamente de Lisboa tomar parte nesta grandiosa consagração.
/ Às 14 horas haverá sessão solene no Salão Nobre da Câmara Municipal, sendo
oradores, além do Sr. presidente da Câmara, o Sr. Desembargador Eduardo
Carvalho, José de Azevedo e Menezes, dr. Delfim de Carvalho, Sousa Fernandes,
António José Nogueira e Abade da Carreira. / Em seguida, organizar-se-á o
cortejo, em direcção ao Monumento, composto de um contingente de Infantaria n.º
8, com a respectiva bandeira e com a música deste regimento, mães e esposas dos
soldados do concelho que morreram na guerra, alunos das escolas, Associação dos
Bombeiros Voluntários, convidados, etc., inaugurando-se em seguida o Monumento,
onde usará da palavra o você-presidente da comissão executiva. / Às 17 horas
terão início os 2 minutos de silêncio que serão anunciados por três tiros de
dinamite.”
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