“… o cinema, como
espectáculo assentara arraiais em Portugal. E desde logo conquistou não só um
público popular, que no animatógrafo encontrava entretenimento barato, variado
e acessível, mas também a burguesia e certos sectores intelectuais, que não
desdenharam da novidade.”
Alves
Costa, “Breve História do Cinema Português (1896-1962), 1978.
Campo
Mousinho de Albuquerque: atrás da Igreja de Santo António, reconhece-se o velho
barracão onde funcionou o Salão de Cinema do “Pathé”. (Bilhete-Postal do
espólio do autor).
Projecto
que me tem acalentado há já alguns anos até hoje tem sido aquele que chamei de
“Em Busca de uma Identidade”, cujos primeiros tópicos podem ser lidos no livro
“Portas da História – I” (V. N. de Famalicão: Câmara Municipal, 2015). Este
projecto cultural sobre V. N. de Famalicão que engloba o teatro (cujo trabalho
de investigação sairá no próximo “Boletim Cultural” do Município Famalicense,
particularmente entre 1900 até 1926), o cinema, festas e espectáculos, as
conferências e o tecido associativo famalicense. De qualquer maneira, estes
trabalhos levam-me àquela ideia de Henry James quando nos fala do «espírito do
lugar», ou ainda aquela denominação de Gadamer a propósito do «fenómeno de
pertença»: pertença a um lugar para este ser desvendado nas suas múltiplas
facetas, comportamentos, gostos culturais da sociedade famalicense ou o
comportamento político (ver, por exemplo, o meu trabalho este ano publicado “Os
Partidos Políticos e a I República: o caso de V. N. de Famalicão (1895-1926)”.
Todos estes parâmetros de que falo, e após a sua publicação, serão pistas para
novos trabalhos para que a investigação histórica não pare nas suas múltiplas
facetas e que os permita ser uma espécie de cenógrafo histórico, não como
revisionista histórico, mas que esta cenografia histórica permita ser, nas
palavras de Paul Veyne, lida como um verdadeiro romance, diga-se, a
reconfiguração daquilo que ela é (uma ciência do social e do humano) da
comunidade famalicense e para permitir compreender aquilo que somos.
Desta
forma, e no caso que hoje aqui me traz, a aventura cinematográfica em V. N. de
Famalicão, ela tem início logo no ano de 1908, apesar de não termos
conhecimento do seu programa. Efectivamente, sabemos pelo jornal famalicense “O
Regenerador”, em 4 de janeiro de 1908, que “realiza-se hoje no nosso teatro a
primeira das 8 sessões de cinematógrafo, anunciada para o dia 2 e que por
motivos de força maior não pode ter lugar nesse dia. / Como dissemos, e segundo
nos informam, o aparelho é muito perfeito e traz fitas magníficas, provocadoras
de gargalhadas, sem ofender os costumes. / O preço de entrada é módico, pois
que há para todos os paladares e para todas as bolsas – Camarotes 600 e 500
réis, plateia 100 réis e galeria 50 réis. / Ao Pathé!”, confirmando no número
seguinte, a 11 de Janeiro, a realização das 8 sessões: “Começou efectivamente a
exibir-se no nosso teatro no último sábado uma excelente máquina Pathé,
apresentando fitas muito variadas, e algumas de muito bom efeito. / Não podemos
dizer que a nitidez do trabalho seja um non
plus ultra, atendendo principalmente à falta de luz eléctrica. / As sessões
têm agradado geralmente, a exemplo de pequenos senões que nem vale a pena
esmiuçar. / Porque, afinal, a beleza sem senão é atributo que se não encontra
nas coisas criadas…”
“Anymatographo
Avenida”, no edifício que viria a ser da Typographia Minerva, na Avenida Barão
de Trovisqueira (Imagem do autor, retirada da imprensa).
Em
24 de Novembro de 1912 será inaugurado o “Anymatographo Avenida”, de Artur
Garcia de Carvalho e António Dias Costa, o futuro edifício que será da
Typographia Minerva, uma sala com capacidades para mil espectadores. Veja-se o
entusiasmo com que foi oticiado a sua inauguração, com a informação do programa
cinematográfico; “Como dissemos, é hoje inaugurado o novo Animatografo Avenida,
provisoriamente instalado no amplo salão para as novas oficinas da «Tipografia
Minerva», na Avenida Trovisqueira, ainda em construção. / O aparelho adquirido
é novo e do sistema mais perfeito no género. As fitas são escolhidas por um
artista, o que tudo produzirá um conjunto de espectáculo como não se exibe
melhor nas grandes cidades. / O programa de hoje é o seguinte: “Cascatas do
Niágara”, natural colorida; “Nick Ynter e o Correio”, comédia; “Sapateiro
Financeiro”, cómica; “Manobras Navais Italianas”, natural; “Riqueza Mal Adquirida”;
1.ª parte de “O Barco da Morte”; “Riqueza Mal Adquirida”, 2.ª parte de “O Barco
da Morte”; “Botas de Kimba”, cómica; “Um prego num Sapato”, cómica. E como em
Famalicão nenhuma distracção existe no momento, é de crer que a concorrência
seja numerosa àqueles espectáculos, o que encorajará também os seus iniciadores
a melhorarem constantemente pela variedade e perfeição, os espectáculos do
Animatógrafo Avenida.” (“Estrela do Minho”, de 24 de Novembro).
O
“Olympia”, na esquina da Rua Alves Roçadas (imagem do autor).
Estas
mesmas personalidades famalicenses seriam os fundadores do “Olympia”, o qual já
funcionava em finais de Julho e princípios de Agosto de 1913 com a denominação
“Animatografo-Campo Mousinho”, para se efectivar a sua inauguração em 23 de Novembro.
Álvaro Carneiro Bezerra aparece como proprietário em 1916, tendo como sócio,
segundo informação da imprensa famalicense da época, Luís Terroso, surgindo em
Maio de 1919 a explorá-lo a Empresa Cine Doret, retomando novamente Bezerra a
exploração económica do Olympia em finais do mesmo ano. Um dos sucessos do
“Olympia” foi o filme “Quo Vadis”, rodado em 8 de Janeiro de 1914, de Enrico
Guazzoni. O jornal famalicense “Desafronta”, em 1 de Novembro de 1913 foi o
primeiro a noticiar a sua vinda nos seguintes termos: “O facto de saber-se que
a empresa cinematográfica desta Vila tenciona apresentar brevemente no seu
salão, ao Campo Mouzinho, a assombrosa película “Quo Vadis”, tão admirada em
todo o mundo, volta a ser lido com interesse o romance de Henryck Sienkiewicz,
tradução de Eduardo de Noronha, que há questão de uma dúzia de anos causou
também um sucesso extraordinário no nosso meio literário. / Todos querem avivar
descrições e recordar paisagens, para com mais interesse puderem acompanhar o
decorrer da fita, tão importante, que o seu aluguer, apenas para duas sessões,
custa aos empresários nada menos do que 300 escudos.” A 3 de Janeiro, o mesmo
jornal anuncia a “sensacional fita” e que “tanta gente aí espera com ansiedade”
comentando que ela é “a mais assombrosa película até hoje exibida em todo o
mundo. Em 10 de Janeiro de 1914, o “Desafronta” noticia a reacção famalicense:
““Com quatro sessões, foi exibida na Quarta-Feira, no Salão Olímpia, ao Campo
da Feira, esta aparatosa e importante fita cinematográfica que despertou, como
era de esperar, grande interesse entre as pessoas ilustradas da terra. / A fita
dá bem ideia do belo romance do brilhante escritor polaco e é uma criação
admirável da cinematografia, embora não fosse possível à empresa que, com assombrosos
sacrifícios, se arrojou a confeccioná-la, salientar todas as passagens
importantes da extraordinária obra. / No elegante e confortável salão continuam
a haver sessões todos os Domingos, com fitas escolhidas, e pelos antigos
preços, que a empresa foi obrigada a alterar nas sessões de Quarta-Feira,
atento o aluguer elevado que teve de pagar pelo “Quo vadis?” Nada como dar uma
espreitadela no sítio http://www.harpodeon.com/ para se visualizar
fragmentos de “Quo Vadis” que assombrou Famalicão em 1914.
Por seu turno, em Maio de 1934 o “Olympia” terá um novo proprietário,
Manuel Caetano da Silva, ficando até ao final do ano, solicitando ainda a
Armindo Pereira sociedade para a exploração cinematográfica. Será só em Outubro
de 1936, não havendo cinema desde Janeiro, que V. N. de Famalicão terá de novo
projecções cinematográficas, quando, uma vez mais, Álvaro Carneiro Bezerra e
Vasco Simões ficarão com o “Olympia” até Abril de 1962. O último filme será “O
Dinheiro dos Pobres”, tendo sido exibido em 29 de Abril desse mesmo ano.
Imagem do autor. Retirada da imprensa.
Inaugurando o “Sonoro” em Janeiro de 1931, o “Olympia” teve os seus
concorrentes: o primeiro, foi o Cine-Teatro Pathé-Baby (1925-1927) da
Associação Vinte Amigos Flor de Famalicão (Senra, Calendário) e a segunda com a
inauguração do Teatro Narciso Ferreira (Riba d`Ave), em 1943, com o filme
“Fátima, Terra de Fé”.
Paralelamente, e timidamente, para além da época normal da acitividade
cinematográfica, a época de Inverno, foram surgindo as primeiras projecções
fílmicas na época de Verão, ao ar livre. Aconteceu em 1935, suma sessão
organizada por um Grupo de Amigos dos Bombeiros Voluntários, o Campo da Feira; em
1936, pelo mesmo Grupo, na Avenida República e em 1937 também tivemos de novo
cinema ao ar livre na esplanada do Barreiro. Sem polémica, o “Olympia” fecharia
as suas portas, para logo de seguida, com pompa e circunstância, ser inaugurado
o “Famalicense Cine-Teatro”. Mas isso é outra história, assim como os próximos
50 anos do Cine-Clube do FAC (1968-1972), enquanto actividade cultural
alternativa no regime do Estado Novo, e, mais bem perto de nós, a Lusomundo no
Shoping Town, a sala então denominada New Line Cinemas, o “Cinema City-Famalicão” (chegou a funcionar no Centro Comercial
E. Leclerc), o FAMAFEST-Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Famalicão e
o Cine-Clube de Joane.
Imagem
do autor. Retirada da imprensa.
Sem comentários:
Enviar um comentário