A IMPRENSA E O "VERÃO QUENTE" EM V. N. DE FAMALICÃO
AGOSTO DE 1975
Investigação, Notas, Compilação
Amadeu Gonçalves
Numa altura em que se desenrolava o famoso PREC (Processo Revolucionário em Curso), este teria o seu apogeu no famoso "Verão Quente" de Agosto de 1975, entre os extremismos da direita e da esquerda, verificando-se mesmo antes. Se os acontecimentos então passados em V. N. de Famalicão ficaram para a história, numa altura em que se comemoram os quarenta anos do "Verão Quente", o que convém reter, à luz dos recentes acontecimentos com o "Habdo", apesar da realidade política, social, cultural e económica ser completamente diferente, é uma reflexão sobre os dogmatismos e as intolerâncias, numa sociedade ocidental cada vez mais paradoxal. Exceptuando num jornal ou noutro, caso do portuense "O Primeiro de Janeiro", as reportagens jornalísticas e a imprensa da época, mais do que perante os factos e os acontecimentos, reflectiram esses mesmos dogmatismos intolerantes. Efectivando até agora o levantamento pela imprensa nacional, regional e local sobre os acontecimentos então verificados em V. N. de Famalicão, começo pela reportagem do jornal "Avante".
A
ESCALADA TERRORISTA DAS FORÇAS DA REACÇÃO[1]
A
reacção fascista está desencadeando, por todo o País, uma onda de violência sem
precedentes. Juntamente com a realização de atentados, assaltos e destruições
de sedes de forças políticas progressistas, espancamentos e perseguições,
ataques às autarquias democráticas e a comissões de moradores, a reacção
conspira na sombra, preparando um novo 11 de Março. Esta é a conjura actual da
reacção, para liquidar as liberdades democráticas e instaurar uma nova
ditadura.
Os
terroristas atacam de preferência o Partido Comunista Português, mas a sua
intenção é atacar todos quanto defendam a liberdade e a democracia. Pretendem
impedir o exercício das liberdades sindicais, como ficou demonstrado com o seu
ataque à reunião dos sindicatos têxteis, em Ofir. Pretendem impedir a
libertação dos trabalhadores da exploração do grande capital, como tentaram
fazer na Têxtil Manuel Gonçalves. Pretendem impedir a criação e a luta das
comissões de moradores, como ficou bem claro em Matosinhos. Pretendem acabar
com as autarquias, como tentaram fazer em Matosinhos, Gaia e Gondomar.
Pretendem desviar os pequenos comerciantes da luta contra os grandes monopólios
do comércio, como aconteceu designadamente em Famalicão, onde procuraram
atraí-los a uma manifestação reaccionária. Pretendem impedir a aplicação da lei
do arrendamento rural, que beneficiará centenas de milhares de pequenos
camponeses.
[1] “A escalada terrorista das
forças da reacção. Assaltos, incêndios, agressões, saques revelam a verdadeira
face fascista do ataque da reacção”. In Avante.
Lisboa, 7.ª série, Ano 45, n.º 71 (7 Ago. 1975), p. 7.
Em
vários pontos do País são cercadas, apedrejadas, destruídas ou incendiadas
sedes do PCP, do MDP/CDE e de outras organizações progressistas. Militantes
comunistas, homens e mulheres democratas, são ameaçados, espancados,
anavalhados, feridos ou perseguidos. Em todo o País alimenta-se uma histeria
insultuosa e vil contra o Partido Comunista e contra os mais destacados
dirigentes revolucionários portugueses. Ainda anteontem, na Póvoa de Varzim,
quando camaradas nossos procediam à colagem de cartazes, foram ameaçados por
elementos afectos ao PPD que depois se entregaram à destruição dos cartazes.
Famalicão: vinte e duas
horas de cerco ao CT do PC
Na
sequência das actividades terroristas que têm vindo a desenrolar-se por todo o
norte, em Famalicão, a reacção mostrou mais uma vez a sua criminosa violência.
O
rastilho foi uma manifestação de apoio ao grande patrão da têxtil e conspirador
contra-revolucionário Manuel Gonçalves, pedindo o seu regresso, rejeitando a
Comissão Administrativa nomeada pelo Governo. Desta manifestação partiu-se para
a tentativa da destruição de sedes de partidos progressistas. A sede do MDP/CDE
foi devassada e destruídos todos os seus haveres. Dirigiram-se depois para a
sede do nosso Partido para fazer o mesmo.
Havia
palavras de ordem tais como vamos
queimar isto e morte aos comunistas.
Até
cerca da meia-noite tentaram mobilizar todas as suas forças, não conquistando a
adesão da massa da população de Famalicão.
Os
apedrejamentos sucederam-se.
Pouco
depois da meia-noite lançaram-se ao assalto pelas traseiras do prédio. Usando
do seu inalienável direito de defender as suas vidas e a sua casa, os
militantes comunistas dispararam tiros de caçadeira, ferindo dois dos fascistas
assaltantes e fazendo gorar o assalto.
Durante
toda a noite os bandoleiros puderam, livre e impunemente, manter o cerco.
Tocaram os sinos a rebate mas não tiveram os resultados que contavam:
prosseguiram isolados da população.
No
Sábado de manhã, com a situação inalterável, surgiram, percorrendo as aldeias
próximas, carros que gritavam a palavra de ordem morte aos comunistas. É de
frisar que toda esta acção foi realizada impunemente, com toda a liberdade. Mas
também não tiveram êxito!
Procuram
então mobilizar fascistas de localidades mais longínquas como Porto e V. N. de
Gaia.
A
ira fascista continuava no exterior do Centro de Trabalho a berrar «morte aos
comunistas», «Otelo para o Campo Pequeno», «Abaixo o MFA», insultos vários a
Vasco Gonçalves, sendo mesmo queimada uma bandeira do MFA, à frente dos
próprios soldados, que entretanto tinham acorrido ao local.
No
interior do Centro de Trabalho os militantes do Partido Comunista Português
continuaram a demonstrar a mais firme decisão de impedirem que os fascistas ali
entrassem.
Cerca
das 12 horas, chegaram mais tropas que actuaram no sentido de afastar os
manifestantes por sítios não distantes das instalações. São disparados pelas
Forças Armadas alguns tiros para o ar.
Pelas
17 e 15, três capitães das Forças Armadas dirigiram-se aos militantes
comunistas que se encontravam cercados no Centro de Trabalho por grupos
fascistas e entregaram-lhes a seguinte nota:
«Considerando-se
que se impõe prioritariamente a salvaguarda de vidas humanas e face à ordem
telefónica recebida do Quartel-General da Região Militar do Norte, ordena-se,
em nome do mesmo, que os militantes do PCP retidos por uma manifestação dentro
da sua sede em Vila Nova de Famalicão a abandonem.»
Face
a esta ordem, os militantes do PCP entregaram aos oficiais das Forças Armadas a
seguinte declaração:
«Em
nome do partido Comunista Português protestamos energicamente contra a ordem de
evacuação do nosso Centro de Trabalho em Vila Nova de Famalicão, ordem que só
aceitamos para não entrar em confronto com as Forças Armadas.»
Entretanto,
começaram imediatamente a correr boatos reaccionários segundo os quais os
comunistas teriam sido presos e no Centro de Trabalho encontradas espingardas
G3 e granadas.
Foram
22 longas horas de cerco. Nestas 22 horas em que se mantiveram firmes sob a
ameaça de assalto iminente e no momento em que tiveram de sacrificar a sua casa
para evitar confrontos com as Forças Armadas em nome dos interesse supremos da
revolução, os militantes comunistas de Famalicão mostraram possuir a coragem, a
firmeza de princípios e a disciplina que são timbres dos comunistas.
Graves incidentes se
sucederam
No
entanto, após a saída dos militantes comunistas e ocupação do Centro de
Trabalho pelas Forças Armadas, sucederam-se acontecimentos de extrema
gravidade: o saque do Centro de Trabalho.
À
noite verifica-se uma autêntica caça aos comunistas e democratas.
Com
o agudizar da situação em frente do Centro de Trabalho, acossados pelos
fascistas, as forças do exército disparam rajadas de metralhadora para o ar.
Disto resultaram três feridos e um morto.
Os acontecimentos do dia 1 e 2 de
Agosto em Famalicão são um aviso para todos os democratas e antifascistas, para
todo o nosso Povo, refere um comunicado da Direcção da
Organização Regional do Norte do Partido Comunista Português. Eles mostraram com clareza que se está
preparando no nosso país uma perigosa conjura fascista que visa afogar num
banho de sangue as liberdades e conquistas da revolução. Os acontecimentos
mostram também com clareza quem está por detrás do terrorismo e da conspiração
reaccionária – são os grandes capitalistas como Manuel Gonçalves, os bandos
hediondos dos seus homens-de-mão, é a mais negra reacção fascista.
E
a terminar este comunicado distribuído na madrugada do dia 3, a DORN frisa:
A Direcção da Organização Regional
do Norte do Partido Comunista Português, advertindo uma vez mais as autoridades
responsáveis de que não é com hesitações que se combate o terrorismo e a
conspiração fascista, reclama um profundo e rápido inquérito aos acontecimentos
de Famalicão, e o justo castigo de todos os responsáveis.
A Direcção da Organização Regional
do Norte do Partido Comunista Português apela para todo o Povo, para todas as
forças democráticas e revolucionárias, para que unam os seus esforços para
erguer uma forte barreira à violência terrorista e à conspiração reaccionária.
A reacção fascista será esmagada! A
Revolução triunfará! A aliança Povo-MFA é uma força indestrutível.
Mas
a actuação destes energúmenos não fica por aqui. Em nome das liberdades e do
povo, com ódio incontido assaltaram e saquearam a casa de homens que o povo de
Famalicão sabe que são pessoas sérias e honestas que sempre defenderam os
interessas da classe trabalhadora.
A
raiva com que os fascistas assaltaram e saquearam os escritórios dos advogados
Lino Lima e Salvador Coutinho, e do consultório do dentista Miguel Cruz, as
agressões contra militantes comunistas, os insultos e as pressões a militares,
depois de verem goradas as suas tentativas de assalto ao Centro de Trabalho do
PCP em Vila Nova de Famalicão, mostram bem que tipo de liberdade estes
reaccionários pretendem.
Analisando
estes acontecimentos, a Comissão Concelhia de Famalicão do PCP termina um
comunicado distribuído na segunda-feira e dirigido ao povo de Famalicão e do
distrito de Braga, dizendo:
Homens
e mulheres, jovens do nosso distrito: está nas vossas mãos evitar o regresso à
tenebrosa ditadura fascista de que o povo de Famalicão nestes últimos dias
testemunhou as bárbaras intenções!
Não
aos actos de vandalismo fascista, não ao terrorismo reaccionário, exigimos uma
muralha de aço em defesa das liberdades e conquistas alcançadas!
Destruído um café
Mas
em Famalicão a violência não terminou com os assaltos aos escritórios dos dois
advogados e ao consultório de um dentista. Na noite de segunda-feira,
prosseguindo a onda de assaltos e saques a instalações de pessoas tidas como
afectas ao nosso Partido, um grupo de indivíduos, e que segundo se afirma não
pertencem à vila, assaltaram perto da meia-noite o café Arcádia, mais conhecido
pelo «333», na Rua José Azevedo e que já se encontrava fechado.
No
interior do estabelecimento, os assaltantes entregaram-se à destruição de todo
o recheio. Nada escapou à fúria dos assaltantes: mobiliário, louças, garrafas,
portas, tudo ficou destruído. Após terem lançado fogo aos destroços, os
assaltantes puseram-se em fuga.
Entretanto,
na tarde de terça-feira, e aproveitando o funeral das duas vítimas ocorridas
durante a tentativa de assalto ao Centro de Trabalho do nosso Partido, os
reaccionários conseguiram desta feita entrar nas instalações do Centro,
destruindo então tudo.
Propositadamente,
o percurso do funeral foi desviado de molde que o cortejo passasse em frente do
nosso Centro de Trabalho, onde entretanto estavam de vigia forças do regimento
de Cavalaria 6, do Porto, que tinham substituído os militares do Regimento de
Infantaria 8, que desde o início tinham guardado as instalações. Perante a
confusão, elementos da multidão conseguiram forçar a entrada das instalações,
dedicando-se depois à sua fúria destruidora.
Amigos,
ResponderEliminarHá tempos tenho procurado informações sobre a possibilidade de existirem pessoas da minha família vivendo em Vila Nova de Famalicão.
Meu pai, já falecido, nasceu nessa cidade em 1902, veio para o Brasil ainda jovem e eu nâo tenho nenhuma notícia de parentes.
Alguém poderia me dar alguma dica de como fazer para tentar localizar essas pessoas? Vou viajar para Portugal em maio próximo e gostaria de conhecê-las.
Muito obrigado.