Para o Dr. Manuel Sá Marques, esta prenda de aniversário, neto de Bernardino Machado, e que tenho o privilégio da sua amizade, enchendo-me constantemente de atenções, este texto ainda inédito que vai sair brevemente, numa análise da I Grande Guerra através do jornal famalicense "Estrela do Minho" e com V. N. de Famalicão naquele tempo, neste caso no ano de 1914. O meu grande abraço de amizade fraterna, agradecendo a sua amizade, sempre saudosa da sua companhia única e inesquecível.
Bilhete-Postal cedido pelo Arquivo Municipal Alberto Sampaio
… somos o Édipo
da História, ou, por outra, a História é que é realmente a Esfinge. Não é a
solução, a resposta, é a questão em si mesma, e nós estamos sempre a ser
questionados sem cessar por aquilo que somos, por aquilo que fazemos. A
História não é outra coisa que não seja o que fazem os homens. Não há História
fora do nosso próprio fazer. A história é a ficção das ficções.
Eduardo
Lourenço
Actividade cultural
e associativa em V. N. de Famalicão. Bernardino Machado, Presidente do
Ministério. O Inquérito do Governo de Bernardino Machado sobre a Lei da
Separação da Igreja do Estado. A questão de Riba d`Ave. Portugal neutral?
Logo
no início do ano novo, a comunidade famalicense, sabendo-o já por antecedentes
notícias, vai assistir a 7 de Janeiro ao filme, sensação da época, “Quo
Vadis?”, o qual foi então exibido no Salão Olímpia, numa Quarta-Feira. Houve
quatro sessões nesse mesmo dia: a primeira, realizou-se às duas horas da tarde;
a segunda, às quatro e meia; a terceira, às oito da noite, e a quarta às dez e
meia. O preço dos bilhetes da sessão das oito horas foi o seguinte: Balcão, 40
centavos; Cadeiras, 30 centavos e Geral, 20 centavos. Por seu turno, nas outras
sessões, para o Balcão 30 centavos, Cadeiras, 25 centavos e geral, 15 centavos.
Como já se leu, as quatro sessões realizaram-se numa Quarta-Feira e, segundo o
“Estrela do Minho” de 4 de Janeiro, foi “devido ao elevadíssimo custo do filme”
que “a empresa não pode exibir ao Domingo, como era seu desejo.” Foi um
sucesso! Também logo no início do ano, a já mais do que afamada Associação dos
Empregados de Comércio, com sede na Rua Adriano Pinto Basto, elegia os seus
novos corpos-gerentes, ficando na presidência da Assembleia-Geral Delfim Joaquim
da Silva e para a presidência da Direcção Jaime Mesquita. Nestes
corpos-gerentes, entre outros, encontram-se personalidades que irão fazer
história no futuro de Vila Nova, principalmente no Estado Novo, caso de Álvaro
Marques, que veio a ser Presidente da Câmara Municipal, sendo nomeado na
associação focada como segundo secretário. Ainda em fins de Janeiro, o
Sindicato Agrícola promoveu a conferência de Bento Carqueja no Salão Olímpia,
discursando sobre o crédito agrícola, numa sessão presidida por José de Azevedo
e Menezes, estando presentes Duarte Maria Pacheco Menezes, Presidente da
Assembleia-Geral do Sindicato Agrícola, e Delfim de Carvalho. Este último, no
final da sessão, anuncia que o Sindicato Agrícola vai organizar a Exposição
Regional de Famalicão, mais propriamente, A Exposição Agrícola, Industrial e
Pecuária, a qual se realizou entre 27 a 30 de Setembro, sendo incluída no
programa das festas de Setembro. A Comissão Executiva da Exposição foi
constituída pelos seguintes cavalheiros: Presidente, José de Azevedo e Menezes;
Secretário, Jaime Valongo; Tesoureiro, Francisco de Correia Mesquita Guimarães;
Director da Secção Agrícola, Delfim de Carvalho; Director da Secção de
Pecuária, Duarte de Menezes; Director da Secção Industrial; Alfredo Costa; Presidente
do Sindicato Agrícola, António Joaquim de Sousa Veloso; Presidente da
Associação Comercial e Industrial, Amadeu Pereira. Outras personalidades
estiveram ligadas a esta Comissão, nomeadamente: Jaime Mesquita, Francisco M.
de Oliveira e Silva, Nuno Simões, Adelino Santos, Luís Cunha, Manuel A. Bouças
Júnior, António Maria Pereira e João Cabral de Araújo Álvares. Os prémios foram
constituídos em dinheiro e em objectos de arte, sendo o júri composto por
agrónomos e veterinários vindos de fora.
Bernardino
Machado, Presidente do Ministério
Entretanto,
Bernardino Machado, “o homem de ciência, como exímio estadista”, já vinha no
Avon a caminho da Pátria, uma Pátria sem governo, e já se estabeleciam
contactos para chefiar o próximo governo. Ministro de Portugal na Legação do
Rio de Janeiro e o primeiro Embaixador português no Brasil, já que foi o
fundador da embaixada portuguesa, Bernardino Machado será, de facto, nomeado
por Manuel de Arriaga, então Presidente da República, para constituir o novo governo
de Portugal, como sendo, segundo notícia do “Estrela do Minho”, o “único capaz
de fazer acalmar as paixões políticas que no momento exacerbam os nossos
políticos.” A “glória da nossa terra” constitui o seu governo da seguinte
forma: Justiça, Manuel Monteiro (Deputado e Vogal do Supremo Tribunal
Administrativo); Finanças, Tomás Cabreira (Senador, Major de Infantaria, com o
curso de Engenharia Civil e Lente de Química da Universidade de Lisboa);
Guerra. Pereira de Eça (General de Artilharia e Director do Arsenal do
Exército); Fomento, Aquiles Gonçalves (Deputado e Vogal da Junta de Crédito
Público); Marinha, Augusto Neuparth (Capitão de Fragata, Engenheiro Hidrógrafo
e Chefe da 3.ª Repartição do Ministério da Marinha); Colónias, Lisboa de Lima
(Chefe da 3.ª Repartição do Ministério das Colónias) e Instrução, Sobral Cid
(Professor da Universidade de Lisboa). Termina assim a informação noticiosa
deste novo Ministério, em 15 de Fevereiro: “Folgamos com a entrada na
presidência do ministério do nosso ilustre conterrâneo sr. Dr. Bernardino
Machado, um primoroso carácter, servido por um grande talento. Por isso, o seu
programa de amnistia e discussão da Lei da Separação, cremos bem que trará a
concórdia e paz à família portuguesa.” Acrescente-se, p projecto da lei
eleitoral e, paralelamente, devido aos acontecimentos europeus, a entrada de
Portugal na I Grande Guerra, não tão neutral como se julga. Será com este
ministério que, presidido por Bernardino Machado, em 7 de Agosto de 1914 (e com
a declaração de guerra de Portugal à Alemanha em 10 de Março de 1916, era então
Presidente da República Bernardino Machado, tendo já o segundo país declarado
guerra ao primeiro no dia anterior), Portugal será autorizado a intervir
militarmente na política externa, colocando-se ao lado da Inglaterra, tal
autorização concedida ao Governo na reunião extraordinária do Congresso,
convocada por decreto de 4 de Agosto. A mesma confirmação, e rectificação, irá
surgir numa nova reunião extraordinária do Congresso, por decreto de 17 de Novembro,
e realizada em 23 de Novembro. Relativamente à sessão de 7 de Agosto, o
“Estrela do Minho”, a 9, dirá o seguinte aos famalicenses: “Reuniu ontem
extraordinariamente o Congresso Nacional, a fim de autorizar o governo a usar
dos meios necessários na emergência de acontecimentos que por ventura a guerra
que se está digladiando entre os maiores países da Europa nos imponha. / Por
unanimidade de votos, os representantes da nação aprovaram a proposta
apresentada pelo chefe do ministério, dando ao governo plenos poderes para
zelar pela dignidade da nação no grave momento histórico que atravessámos.”
Quem esteve para ser Ministro da Justiça, neste Governo de Bernardino Machado,
a convite deste, foi o famalicense jurista Eduardo José da Silva Carvalho, que
neste ano publica “Manual do Processo do Inventário”, a quem os republicanos em
1920 conferem-lhe o Grau de Grande Oficial de S. Tiago de Espada, devido à
publicação de vários trabalhos de carácter jurídico.
Fevereiro
é tempo de Carnaval e faz-se publicidade ao “grande sorteio na Papelaria
Minerva”, com “lança perfumes estrangeiros, serpentinas e confettis”, material
apropriado para os festejos, realçando-se os bailes de Carnaval no Palacete
Folhadela nos dias 22 e 24 de Fevereiro. Se a actividade teatral em Famalicão
foi praticamente escassa neste ano de 1914 (aparecendo apenas Os Comediantes de
Lúcifer em 8 e 15 de Novembro), a vida da comunidade famalicense decorria
normalmente, quando se reivindica a organização de uma planta para o
ordenamento da então Vila, quando se realiza a Festa da Árvore e se
propagandeia a Associação do Culto da Árvore, vindo a Famalicão o seu promotor
(José de Castro), se homenageia o famalicense de torna-viagem Manuel Joaquim
Pinto da Silva, noticia-se e realiza-se a conferência agrícola, com o agrónomo
do distrito, com o tema “Adubações Químicas”, eis que surge o escândalo de Riba
d`Ave a concelho, o qual seria, segundo o cidadão famalicense Manuel de Araújo
Monteiro, numa carta dirigida ao Presidente do Ministério, um “concelho de
talassas e inimigos da República”.
A
Questão de Riba d`Ave
Entretanto,
Sousa Fernandes, republicano famalicense e a desempenhar o cargo de Senador,
informava o Município famalicense com uma carta, a qual o “Estrela do Minho” publica
a 10 de Maio, que dizia o seguinte: “Em reunião de ontem, a que assistiu o Dr.
Afonso Costa, Directório e alguns ministros, resolveram por unanimidade os
senadores e deputados republicanos que constituem a maioria do Congresso
Nacional, não propor nem votar nenhum novo concelho, já por isso enfraquecer os
actuais municípios que só por fortes e grandes é que podem corresponder à obra
da descentralização em que a República está empenhada, e já porque, importando
um aumento de despesa, então, por isso, essas novas criações administrativas
incursas na lei de 15 de Março de 1913. / Pode, portanto, V. Ex.ª tranquilizar
o povo de Famalicão sobre a pretendida criação de um concelho em Riba d`Ave. /
Ele não será votado pelo único partido parlamentar que tem a maioria no
Congresso; e caso qualquer deputado dos grupos da oposição fosse apresentada –
o que importaria uma reconsideração grave para os correligionários que eles
possam ter na nossa terra, não passaria dessa apresentação, caindo, ante a
primeira votação decisiva.” Conclui: “Por tudo isto acho desnecessário que, por
agora, nem a Câmara, nem as Associações de Classe, nem as comissões políticas e
juntas paroquiais se empenhem em qualquer cruzada de protesto.” Era então
Presidente do Município de V. N. de Famalicão Zeferino Pereira e a carta de
Sousa Fernandes tem a data de 6 de Maio. Contudo, contra a sugestão de
Fernandes, em 22 de Maio a Associação Comercial promove uma reunião com todas
as associações locais, pretendendo iniciar o movimento de protesto contra a
criação do concelho de Riba D`Ave, o qual seria constituído por Riba d`Ave,
Oliveira S. Mateus, Pedome, Bairro, Carreira, Delães, S. Simão, Ruivães e Bente
(do concelho de V. N. de Famalicão), Lordelo, Guardizela, Serzedelo e Gondar
(do concelho de Guimarães) e a de S. Miguel das Aves (do concelho de Santo
Tirso) e que tinha o apoio dos evolucionistas e dos unionistas; e a 24, um
comício que estava marcado para o Salão dos Paços do Concelho, teve que ser
realizado nos jardins do mesmo, devido a uma enorme assistência. Presidiu a
esse comício Delfim de Carvalho (Subdelegado de Saúde), tendo sido secundado
por Domingos Portela (em representação da Associação Comercial) e Mesquita
Guimarães (vereador municipal). No seu discurso, Delfim de Carvalho referiu-se
ao problema de seguinte forma: o “concelho que se pretende formar é para fins
particulares e não uma questão de interesse público.” Ainda falaram Nuno Simões
(a convite do Sindicato Agrícola), Jaime de Mesquita (em nome da Associação dos
Empregados de Comércio), Alfredo Costa, que realizou uma representação ao
Senado municipal “que foi acolhida com entusiasmo pela assistência) e João
Rebelo (em representação da União Operária). A 25 de Maio todos os
estabelecimentos comerciais e industriais da Vila fecharam as suas portas em
forma de protesto contra a criação do concelho de Riba d`Ave, realizando-se uma
manifestação pelas ruas principais: “Foi uma imponente manifestação, como já há
muito não temos visto, percorrendo os operários e os empregados de comércio,
com os respectivos estandartes, as ruas da Vila, dando vivas à integridade
deste concelho e reunindo-se por fim na Praça da República onde improvisaram
outro comício e onde continuaram afirmando o seu amor a esta terra e o desejo
de não verem fragmentado o seu concelho.” A 31 de Maio novo comício de protesto
contra a pretensão da constituição do novo concelho, em Delães. Falaram,
segundo notícia do “Estrela do Minho” em 7 de Junho, neste comício Delfim de
Carvalho, Jaime Valongo, Ernesto Lopes, Adriano Varela e Alfredo Costa. Delfim
de Carvalho foi de opinião que a criação do concelho não visava “dar aos povos
dessa região um melhor bem-estar”, já que poderia aumentar a “contribuição
predial”. Em contrapartida, Jaime Valongo afirmou que “a maior parte dos
habitantes daquela região não deseja a criação do novo concelho, ao qual não
pode chamar com verdade de Riba d`Ave, mas sim da fábrica de Riba d`Ave”,
enquanto que Ernesto Lopes, da comissão municipal do Partido Republicano
Evolucionista, “ia ali manifestar o seu aplauso ao protesto que se estava
lavrando e afirmar o propósito que o seu partido mantinha de se dissolver, caso
o projectado concelho obtivesse os votos dos seus correligionários”; por seu
turno, Adriano Varela afirmou que ao criar-se o referido concelho, “os
proprietários daquela região iriam pagar muito mais”, diga-se, impostos, e, por
outro lado, alegou que se os operários fizessem uma greve logo após a criação
do respectivo concelho, “Narciso Ferreira, que seria o mandão daqueles sítios, faria
encher as cadeias”. Finalmente, Alfredo Costa diria à assistência “que o novo
concelho só poderia ser criado se o povo o reclamasse”! E a 5 de Julho, os
famalicenses suspiraram de alívio com a seguinte notícia: “Podemos estar
sossegados, que nada foi conseguido para que se criasse o tão falado concelho
de Riba d`Ave, que nenhum motivo razoável justificava. / O Parlamento não tomou
conhecimento do pretendido município, para o que é de justiça que se diga,
muito contribuiu o senador Sousa Fernandes na missão bem grata de defender os
interesses de Famalicão.”
O
Inquérito do Governo de Bernardino Machado sobre a Lei da Separação da Igreja
do Estado
No
primeiro trimestre do ano, a Tipografia Minerva abriu as portas da sua
“Papelaria” e em Landim, no início de Julho, nas propriedades de António
Joaquim de Sousa Veloso, realizou-se um torneio de tiro aos pombos, o mesmo
sucedendo, no fim do mesmo mês, na “Festa do Club dos Caçadores”. A Tuna da
Associação dos Empregados do Comércio têm novo regente, Armindo Costa, Nuno
Simões alarga as subscrições para o busto de Camilo de Diogo de Macedo, e em
inícios de Outubro a Tebaida de Seide recebe a visita de Eugénio de Castro,
Visconde de Villa-Moura e Mário Beirão. Fizeram as honras famalicenses José de
Azevedo e Menezes e Nuno Simões e de Barcelos António Ferraz. No almoço que
José de Azevedo e Menezes ofereceu na sua Casa do Vinhal, esteve também
presente Júlio Brandão. A deslocação a Seide destes ilustres visitantes foi
para projectarem o “Museu Camilo”. Em Setembro e Outubro, o Salão Olympia
exibirá filmes sobre a guerra, tendo “o nosso público ocasião de apreciar
várias cenas da maior guerra que tem havido em todos os tempos.” Entretanto, os
monárquicos, os conservadores e alguns dissidentes republicanos, mais da
Comissão Municipal do Partido Republicano Evolucionista, fundavam, com Joaquim
José da Rocha à frente o jornal “A Gazeta de Famalicão”, enquanto que a crise
das subsistências é um tema a considerar. De facto, apesar do governo de
Bernardino Machado ter proibido em 10 de Agosto a elevação dos preços dos
géneros alimentares para assim evitar a especulação, a verdade é que os
famalicenses, assim como no geral do país, se iriam encontrar com a
problemática da carestia de vida, conforme a crónica com o mesmo título de 8 de
Novembro. Facto estranho, será o “Estrela do Minho” nunca referenciar a
polémica no Senado Municipal a propósito do Inquérito do Governo de Bernardino
Machado sobre a Lei da Separação da Igreja do Estado, referente à reforma que
pretendia realizar sobre a mesma lei e enviado aos governadores civis, os quais
enviariam aos municípios, para estes responderam. Os famalicenses tomaram
conhecimento desta problemática pelo jornal “A Gazeta de Famalicão”. O
“Inquérito” é um documento único para a compreensão da nossa comunidade nos
seus mais variados aspectos, passando pela mentalidade política, social e
cultural; e, contudo, nem tudo o que parece é: as respostas do então Presidente
da Câmara Municipal, Zeferino Bernardes Pereira, parecem respostas mais de foro
pessoal do que propriamente institucionais. Por exemplo, esquivou-se de
responder à terceira pergunta, já que em 1912 houve em V. N. de Famalicão a
polémica do caso da Fonte Santa de Mouquim.
1.
Tem
havido nesse concelho conflitos motivados pela Lei da Separação?
Tem havido.
2.
Por
que motivo e quantas vezes?
Não posso saber quantas vezes e os
motivos. Tem sido somente a má vontade do padre contra a lei, pois que, na sua
grande generalidade, não se confina ainda com ela, hostilizando-a sempre que
podem.
3.
Quem
dirigiu esses movimentos? Os padres, os agentes destes, a massa dos fiéis
provocada por eles, ou o povo em movimento espontâneo?
São sempre os padres; e esses movimentos
restritos ao que anteriormente fica dito. Dos fins colectivamente nunca aqui se
levantou conflito algum, nem movimento algum de protesto.
4.
O
povo sente e manifesta a necessidade do culto religioso? Por simples culto de
tradição, por divertimento e gozo ou por má-fé?
O povo não sente necessidade alguma
neste sentido. Tem o culto religioso por tradição e educação e até por um
costume resultante do meio em que vive. Parece-me haver quem especule com a
religião e haver quem vá à igreja simplesmente para se mostrar.
5.
Parece-lhe
que a República será prejudicada se a Lei da Separação não sofrer qualquer
modificação no sentido de se facilitar o culto externo? Há, porventura, no
momento quem reivindique a causa das congregações religiosas?
Não me parece, pois a República não é
incompatível com a Lei da Separação e assim ela deverá ter apenas pequenas
modificações. Ninguém aqui reivindica a causa das congregações religiosas, a
não ser alguns espíritos obcecados pela ignorância ou pelos interesses, mas
estes são infelizmente em número muito pequeno neste concelho.
6.
O
povo ou qualquer associação tem reclamado contra a aplicação da citada Lei?
Não tem reclamado ninguém, além da
reacção política e religiosa.
7.
Foram
expulsos desse concelho alguns padres? Quantos e porque motivo?
Expulsos superiormente só foram dois,
por desacato às leis do Estado. Há quatro que fugiram por conspiradores e mais
dois foram processados por juízo, sendo absolvidos.
8.
Os
padres expulsos têm sido substituídos? Quando regressaram, qual foi a atitude
do público e dos fiéis: favorável, hostil ou indiferente?
Sim. Foram substituídos – um por
indicação do mesmo expulso, outro por escolha dos fiéis. Dos expulsos, um fugiu
para o Brasil, onde está, o outro incorporado em virtude da amnistia. Não
sabemos como será recebido.
9.
A
concorrência aos templos tem aumentado ou diminuído depois da Revolução da
República?
Não tem aumentado. É a mesma coisa.
10.
Quantos
padres pensionistas há? Têm sido perseguidos? Por quem e que motivo é alegado
para a perseguição?
Houve três, destes morreu um, foi outro
para o Brasil, restando apenas um só. Têm sido perseguidos pelos outros padres,
sob protesto de que foram traidores à classe. O que foi para o Brasil, foi
fugido a esta perseguição.
11.
Nota-se
fanatismo nesse concelho? Com que intensidade?
Existe, mas em moderna escala. É mais
pronunciado nas mulheres.
12.
Quantas
igrejas há? Quantas se criaram depois da proclamação da República? Quantas se
fecharam? Quantas se reabriram? Quantas foram interditas?
Há pelo menos 50 igrejas, tantas como
paróquias. Também há bastantes capelas. Após a proclamação da República, nem se
criaram, nem se fecharam igrejas nenhumas.
13.
Que
mais se lhe oferece dizer sobre o assunto?
Que a Lei da Separação deve ser aprovada
pelo Parlamento quanto antes, visto que, após a amnistia, os inimigos dela
podem por qualquer meio procurar hostilizá-la.
Guerra
A. Vinardell Roig (1852-1937)
Até
que, em 12 de Julho, o cronista-mor do “Estrela do Minho”, A. Vinardell Roig,
entre 1914 a 1918, e mesmo antes de 1914, e nos anos posteriores face à
Conferência da Paz, justificando-se agora todo o interesse “a «Parisiana», do
nosso ilustre cronista de Paris”, na sua crónica de 12 de Julho intitulada
“Tragédias da História”, diz logo no início que “apesar de parecer já tarde
para falar do horrível atentado de que foram vítimas em Serajevo (Bósnia) o
Arquiduque herdeiro do trono e sua esposa, posso afirmar que aqui, em Paris,
onde contudo costumam esquecer depressa os sucessos da véspera, o triste
acontecimento continua sendo de grande actualidade”, para, mais à frente,
reflectir no seguinte: “Alguma coisa há, porém, na história dessas terríveis
catástrofes, que tenha na sua explicação, já que não podemos dizer sua
justificação em termos absolutos. Razões de pura moral opor-se-ão sempre a
admitir a possibilidade de cohonestar o cometimento dum atentado pessoal,
quaisquer que sejam o delinquente e a vítima. Entendo, porém, que assim como na
virtude há gravitações, também as há, ou deve havê-las no delito. Se, em tese
geral, prova-o a necessidade jurídica, se pode aceitar – até nos maiores crimes
– as circunstâncias atenuantes não são de modo algum admissíveis.” Após esta
reflexão ética, na parte final do texto, anuncia que o assassinato do
arquiduque “foi sem dúvida um primeiro estalido dessa grande conspiração que um
dia pode transformar-se num levantamento geral, se outra centelha não causar a
conflagração europeia que tanto se receia e de que tão ameaçados estamos.” Não
se enganou muito! A 16 de Agosto, na crónica “Alea Jacta Est”, leram então os
famalicenses que “rebentou o tão terrível e temido incêndio europeu e, quem
havia de dizê-lo!, foi a Alemanha, o povo que tem a fama de ser o mais
civilizado, o mais seriamente culto da Europa, que o provocou. Que grande
responsabilidade a dela perante o mundo!” Por seu turno, quando se dá a
mobilização em França, Roig dirá que “todos se levantaram como um só homem,
levando no coração, mais do que nos lábios, a convicção profunda que desta vez
a pátria em perigo vai fazer um supremo esforço para vencer o inimigo
legendário”; e mais à frente: “vede os milhares de jovens e adultos nacionais e
estrangeiros que solicitam ardentemente serem alistados como combatentes
voluntários. E tudo aquilo se faz sem barulho, com uma calma aparente que quase
atinge o sublime. É mister ver como os recrutas e reservistas vão para a
estação procurar os comboios que hão-de levá-los para os pontos de
concentração. Ninguém dá um grito; despedem-se das famílias sem lamentações,
convencidos de que com eles vai o ideal da pátria; só quando partem os comboios
é que se ouve sem estridor o hino santo da Marselhesa
ou o comovedor Canto da Partida. É
simplesmente belo!” Perante estas palavras de A. Vinardell Roig, entre o sentido
telúrico do dever e o misticismo patriótico, os famalicenses não devem ter
ficado indiferentes. Com o desenrolar da Batalha das Fronteiras (Ardenas, Charleroi,
de Mons, Le Cateau e a do Marne, Roig conta aos famalicenses, em 18 de Outubro,
que “apesar de todos falarem da possibilidade do cerco de Paris pelos alemães,
considero tal eventualidade cada dia menos provável. / Houve um tempo em que
toda a gente o julgou quase certo. Os alemães tinham-no anunciado com tanto
alarido, que a ideia chegou a tomar corpo, e desde aquele momento a terça parte
dos parisienses emigrou para evitar o incómodo do sítio.” E a propósito da
batalha do Marne, Roig que em 13 de Setembro, “Joffre, o taciturno, como aqui
lhe chamam, mandou ao governo, que o publicou, o primeiro boletim de vitória.
Depois do terrível fracasso de Charleroi, na Bélgica, que obrigou as tropas
aliadas a retrocederam para a fronteira francesa, é esta a primeira vez que o
ilustre general falou abertamente de triunfo. Foi com efeito um triunfo incontestável
o da batalha do Marne. Joffre afirma-o em linguagem sóbria, e diante da sua
afirmação categórica todos se inclinaram com júbilo e admiração. O último
combate desta memorável batalha foi encarniçado. Os alemães lutaram com fúria,
sem poderem repelir a investida não menos furiosa dos aliados. Houve horas
deveras épicas. As perdas de um lado e de outro foram enormes. Depois da sua
derrota, que vão fazer os alemães?” A partir de 25 de Outubro, os famalicenses
tomarão contacto com os acontecimentos da batalha de Aisle e irão perceber que,
entre a censura à imprensa e a propaganda à volta da I Grande Guerra, nas
palavras de Roig, a 25 de Outubro, “a imaginação do público” está “sempre pronta
para as grandes ilusões.” A 1 de Novembro, saberão os famalicenses que “a
cidade de Antuérpia, como era de recear, acaba de ser tomada pelos alemães.”
Mas
a 9 de Agosto, os famalicenses poderiam ler no editorial “Portugal e a Guerra”,
qual a posição portuguesa perante o conflito, se era neutro ou não. Portugal
neutral? Enquanto que em Setembro e Novembro já temos, respectivamente, a
primeira e a segunda expedição africana, em Outubro uma divisão portuguesa
“parte para o teatro da guerra”, segundo leram os famalicenses em 18 do mesmo
mês. A notícia continua nos seguintes termos: “Soldados nossos vão combater ao
lado dos ingleses, nação nossa aliada, cumprindo assim, honradamente, o nosso
tratado de aliança…” Por seu turno, a primeira expedição militar para Angola e
Moçambique, segundo notícia de 13 de Setembro, comandada por Alves Roçadas e
Massano de Amorim, a segunda expedição, em notícia de 8 de Novembro, desta vez
para o teatro de operações angolanas, será constituída essencialmente por
marinheiros da Armada. Em 23 de Agosto, o editorial com o título “A Guerra”,
evidencia um optimismo falsificado frente à realidade da guerra, numa altura em
que os alemães pretendiam uma guerra rápida, encontrando-se a resistência e a
vitória dos aliados, característica, aliás do jornal nos próximos quatro anos,
para a salvaguarda da pátria e no resgate de heróis, como exemplos de
civilidade para o bem-comum e de incentivação à participação. Mas leia-se o
editorial referido, sem indicação de autor: “Do teatro da guerra temos, em
resumo, após sangrentos combates parciais dos exércitos aliados e alemães, o
próximo e terrível choque de 3 milhões de soldados que há alguns dias estão em
contacto, se é que essa inenarrável difusão de sangue não começou já. Não pode
haver dúvida de que no campo da batalha morreram já muitas dezenas de milhares
de soldados, mas a grande hecatombe, que em algumas horas trucidará – oh
irrisória civilização dos povos – centenas de milhares de homens, está em
véspera de chocar-se! / Parece não restar dúvida de que até agora as vantagens
pertencem aos aliados, que continuam a invadir a Alsácia e a Lorena, ao passo
que nenhum alemão pisou ainda o solo francês. / Na Áustria também os valorosos
sérvios têm vencido os seus adversários, infringindo-lhes grandes derrotas, ao
passo que correu com o inimigo para além das suas fronteiras. / Os russos
também estão invadindo a Alemanha e a Áustria, tendo-se feito já os primeiros
combates, com vantagens dos soldados do Czar. / Nos mares é a Inglaterra com a
sua enorme frota, a que se junta a da França, que estão senhoras da navegação.
/ A frota alemã, acolheu-se prudentemente nos canais do norte ou protegida
pelas fortalezas do seu litoral, não se aventurando por ora, ao grande combate
que tem de chocar-se entre os dois colossos dos mares em que um deles ficará
esmagado. / Presume-se que dentro de alguns dias, do teatro da guerra, hão-de
vir-nos notícias retumbantes, pavorosas cenas de sangue.” Mas repare-se no
optimismo das crónicas “A Guerra Europeia”, publicadas neste ano entre Agosto e
Setembro”, particularmente em alguns títulos: Tiremont bombardeada – combate-se
nos arredores da cidade; os franceses novamente em Mulhouse – a tomada de
Mulhouse foi um brilhante feito de armas; a cavalaria alemã ocupa Bruxelas; Um
sucesso na Alsácia e um insucesso na Lorena; os sérvios derrotam duas divisões
austríacas; os russos apoderaram-se de duas linhas férreas de penetração; os
russos defrontam os alemães em Stalluponen – confirma-se uma vitória dos
russos; o movimento dos alemães pode custar-lhes caro; os alemães repelidos no
norte e com a retirada cortada em Compiegne? Os famalicenses lerão em 27 de
Setembro, num texto com o título “Notícias da Guerra” o seguinte: “O que não
pode resultar dúvida é que o triunfo caberá no final da contenda aos aliados,
da Liberdade contra o despotismo militarista que é necessário esmagar para o
triunfo da Civilização.”
Abraços cordiais de gratidão!
ResponderEliminar