domingo, 11 de março de 2018

Nos Cinquenta Anos da Secção de Cinema do F. A. C.





 Do espólio do autor. Imagem retirada do cartão de sócio, cedido gentilmente pelo Ex.mo Sr. David Vieira de Castro, então sócio n.º 735 da respectiva secção.



NOS CINQUENTA ANOS DA SECÇÃO DE CINEMA DO FAC
A CONTRA-CULTURA FAMALICENSE NOS ANOS 60


Por Amadeu Gonçalves


“… quando assumi a Presidência da Direcção do Famalicense Atlético Clube…, procurei imprimir à sua gestão uma índole democrática e torna-la uma porta aberta a todas as iniciativas culturais e desportivas de interesse para a nossa terra. / Assim, acolhi favoravelmente a sugestão do Dr. Macedo Varela , Dr. Joaquim Loureiro e José Augusto Rego…, de fundar um Cine-Clube, como uma secção integrada na colectividade, mas com autonomia administrativa e financeira.”

Eugénio Mesquita, “Momentos de Resistência: Depoimentos”, 2000

“O Cine-Clube de Famalicão – como era conhecido dentro e fora do concelho – desenvolveu e estreitou relações com outras organizações congéneres, designadamente com os Cine-Clubes do Porto, Guimarães e Coimbra. / As sessões realizavam-se no ex-Cinema Augusto Correia… / A maioria das exibições dos filmes era precedida de breves intervenções explicativas do filme e do seu realizador.”


Macedo Varela, “Momentos de Resistência: Depoimentos”, 2000


Na realidade, com o fim do Salão Olympia em Abril de 1962, tendo sido transmitido o filme “O Dinheiro dos Pobres” (de Artur Semedo, do ano de 1954, com António Silva, Armando Cortez ou Isabel de Castro), mais propriamente a 29, e com a inauguração do Famalicense Cine-Teatro em Maio de 1962, com o filme “Os Canhões de Navarone” (de J. Lee Thompson e Alexander Makendrick, do ano de 1961, com actores como Gregory Peck, Anthony Queen ou a actriz Irene Pappás, entre outros), o qual passaria nos dias 27 e 28, a realidade cultural famalicense, no início dos anos sessenta não terá grandes alterações: o cinema português, centrado na comédia de costumes, oriundo dos finais da I República e início da ditadura militar; a projecção construtiva das salas de cinema um pouco por todo o país, não fugindo V. N. de Famalicão como exemplo, caso do Cine-Teatro), nas quais o cinema estrangeiro, particularmente o norte-americano, ganha as suas evidências (tendo neste momento um levantamento fílmico entre 1962 até 1989, faltando ainda o seu estudo sistemático), passando, no início de cada sessão, documentários pedagógicos e políticos para a propaganda de Portugal, tida como a fase documentarista portuguesa; o pouco teatro que passa por V. N. de Famalicão, salvando-se, em 1959 o Teatro de Ensaio Raúl Brandão, em 1959, num espectáculo promovido por Santos Simões e incorporado, espante-se, nas Festas Antoninas de 1959; em 1965 Raul Solnado com a sua Companhia, em 1966 a Companhia de Vasco Morgado, vindo novamente em 1968 com Laura Alves, e esta com a sua Companhia em Abril de 1972, o panorama cultural famalicense altera-se a partir dos meados dos anos sessenta. Mesmo com a inauguração do Teatro Narciso Ferreira, em Riba d`Ave, com o filme “Fátima, Terra de Fé”, de Jorge Brun do Canto, de 1943, o panorama não se altera. Se na cultura popular os famalicenses retomam as “Festas Antoninas” no seu segundo ciclo, mas numa imagem salazarista e ruralista, pontificando o Ateneu Comercial e Industrial com os seus serões culturais e as suas homenagens personalísticas, novos espaços de socialibilidade e de culturabilidade irão nascer em V. N. de Famalicão a partir dos meados dos anos sessenta: é o caso da Biblioteca Móvel da Gulbenkian (1966, mas já oriunda como Biblioteca Itinerante n.º 8, dos finais de 158); do Centro Académico de Famalicão (1966), a secção de cinema do Famalicense Atlético Clube (1968), a Livraria Fontenova (1969) e a Livraria Júlio Brandão (1971), a Cooperativa de Consumo Cooprave de Riba d`Ave (1970) e, nos inícios dos anos 70, o nascimento da Associação do Teatro Construção, em Joane (Artur Sá da Costa, “Resistência Cultural ao Fascismo as décadas de 60 e 70 no concelho de Vila Nova de Famalicão”, 2000). 




Foto retirada do jornal “Estrela da Manhã”, de 27 de Maio de 1962.


De qualquer maneira, pontificando apenas com estes exemplos primordiais, e tomando o que aqui me traz, os cinquenta anos da Secção de Cinema do Famalicense Atlético Clube, recordo os corpos-gerentes do ano de 1968 nos quais nasceram a respectiva Secção:



1968

Assembleia-Geral
Presidente, Padre António Guimarães
Vice-Presidente, Luís Gonçalves
Secretário, Joaquim José Correia

Direcção
Presidente, Eugénio Mesquita
Vice-Presidente, Luís Santos
1.º Secretário, Manuel Início Lima
2.º Secretário, Rodrigo Veloso
1.º Tesoureiro, Camilo Veloso
2.º Tesoureiro, Manuel António Lopes
Vogal, Aires Balsemão Barbosa

Conselho Fiscal
Presidente, Álvaro Gil Marques
Relator, Simpliciano Fernandes
Secretário, António Barbosa


Por seu turno, a direcção enviaria ao jornal “Estrela da Manhã” o seguinte comunicado, o qual seria publicado em 20 de Janeiro:

“A Direcção do F. A. C. tem o prazer de comunicar a todos os associados e ao público em geral que, no exercício da sua actividade cultural, vai proceder à criação duma secção de cinema. / Logo que esta secção seja aprovada em Assembleia-Geral, a mesma entrará em funcionamento, se possível no próximo mês de Março. / Todas as pessoas poderão ser associadas da secção de cinema, mediante o pagamento mensal de 12$50, tendo os sócios do F. A. C. u m desconto de 2$50. As quotas só começarão a ser pagas quando a secção funcionar. / Esta secção proporcionará, aos respectivos associados, duas sessões de cinema por mês. / Todas as pessoas que se quiserem escrever esta secção, poderão fazê-lo nas listas existentes a sede do F. A. C., o Centro Académico de Famalicão e a Confeitaria Moderna. / A Direcção do F. A. C. espera o melhor acolhimento por parte de todos, para esta iniciativa cultural.”

Na realidade, a primeira sessão de cinema decorreu a 15 de Março de 1968 com o filme “Ricardo III” de Laurence Olivier, precedida por uma palestra proferida por Henrique Alves Costa, enquanto a segunda foi no mesmo mês, a 29. Os famalicenses saberiam do acontecimento da seguinte forma, no jornal “Estrela da Manhã”, em 9 de Março:

“No próximo dia 15, pelas 21h30, o Cine-Teatro Augusto Correia, inaugura a Secção de Cinema do F. A. C. as suas actividades com a exibição do célebre filme “Ricardo III”. / O filme será precedido de uma curta palestra proferida pelo sr. Henrique Alves Costa, fundador e dirigente do Clube Português de Cinematografia e conhecido crítico cinematográfico.”


Mas, para além dos nomes que Eugénio Mesquita cita em epígrafe, Macedo Varela vai mais longe e aponta outros jovens que deram corpo ao projecto, lembrando Eduardo Perez Sanchez, Telmo Machado, Artur Sá da Costa, Manuela Granja, António Cândido, entre outros.




Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, Fundo Local, Espólio Joaquim Loureiro



Ao longo de quatro anos, até Abril de 1972, tendo sido o último filme “Duelo no Pacífico”, foram aparecendo filmes de John Ford, René Clair, Claude Chabrol, Jean Renoir, Ingmar Bergamn, Jean Luc Godard, Todashi Mita, François Truffaut, Roman Polanski, Joseph Leo Mankiewicz, John Huston, Frederico Fellini, Jacques Tati, Alfred Hitchcock, entre outros. Em cada sessão, a secção de cinema distribuía um folheto de quatro páginas, ilustrado, os quais, para além da ficha técnica do respectivo filme, possuía textos interpretativos não só do realizador, como do respectivo filme e do que diziam do mesmo. Muitos desses textos eram retirados da “História do Cinema Mundial”, de George Sadou, ou, entre outros autores, conforme o filme apresentado, caso de Jean Mitry, Pierre Billárd, Lauro António, Júlio C. Arete, Vasco Pinto Reis (a propósito da nova vaga cinematográfica), Gilbert Salachas, Eisenstein, Eduarda Geada, entre outros, ou de revistas cinematográficas, caso da “Vértice”, “Nuestro Cine”, “Films ad Filming” ou “Télé-Cine”. Muitos destes folhetos encontram-se na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco. Novas visões cinematográficas para uma nova interpretação de um mundo em mudança.









sábado, 3 de março de 2018

Expedicionários Famalicenses - José Ribeiro Barbosa (1887-1930)


Expedicionários Famalicenses
Capitão José Ribeiro Barbosa
(Joane, V. N. de Famalicão, 29/01/1887-Braga, 12/02/1930)
Por Amadeu Gonçalves


Fez os seus estudos no Liceu de Braga, na Universidade de Coimbra e na Escola do Exército. Em 1914 foi cumprir uma missão de serviço na colónia da Guiné, tendo estado dois anos no distrito de Oío. Integrando o Corpo Expedicionário Português, prestou serviço em França, tendo sido mobilizado em 1917. Fez parte dos revolucionários que, sob a orientação do General Gomes da Costa, prepararam o 28 de Maio. Na ditadura militar foi o primeiro Governador Civil do Distrito de Braga (1926-1929).



"Correio do Minho". Braga (13 Fev. 1930)


2.ª Divisão. 4.ª Brigada de Infantaria. 3.º Batalhão. 3.ª Companhia. Regimento de Infantaria n.º 29. Tenente. Casado com D. Maria da Luz Braga Ramalhete Barbosa. Filho de José Ribeiro Barbosa e de D. Francisca Ferreira Salgado de faria. Natural da freguesia de Joane, concelho de V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo era sua esposa, residente em Braga. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Desembarcou em Lisboa em Junho de 1919. Pronto da instrução de granadeiro e do emprego de baioneta em 6 de Junho de 1917. Terminou em 19 do referido mês o curso da Escola de Metralhadoras Ligeiras. Capitão por Decreto de 29 de Setembro de 1917. Louvado em 27 de Setembro porque, enquanto desempenhou as funções de director da escola do Emprego de baioneta, da Brigada, demonstrou notável zelo, aptidões e competência profissional, conseguindo os melhores resultados na instrução da sua especialidade. Colocado no Batalhão de Infantaria n.º 29 em 20 de Outubro. Louvado pela muita competência, zelo e sangue frio, demonstrado no ataque inimigo de 22 do corrente e pela forma como dirigiu, na 1.ª linha, os subordinados, dando-lhes belos exemplos e incutindo-lhes a serenidade de que estava possuído. É colocado como comandante da 2.ª Companhia do Grupo, em 30 de Dezembro, no qual se apresentou em 19 de Janeiro de 1918. Licença de campanha por 53 dias, desde 24 de Janeiro. Passou a comandar o Grupo em 9 de Agosto. Em 1917, como subalterno da 3.ª Companhia de Infantaria n.º 29, guarnecendo a 1.ª linha, tomou parte na defesa do subsector de Bentilherie [Fleur Baix] no ataque alemão de 23-24 de Agosto em que o Batalhão repeliu o inimigo e fez prisioneiros. Tomou parte no combate de 10 de Novembro no sector Ferme de Bois (Richebourg). Comandando a referida Companhia na 1.ª linha, dirigiu a defesa do sub-sector de Ferme de Bois II no ataque alemão de 22 e 23 de Novembro, sendo o inimigo repelido e deixado prisioneiros. Em 1918, comandando o Grupo da Companhia, tomou parte na Batalha de La Lys em 9 de Abril. Embarcou para Portugal a bordo do transporte inglês “North Western Miller” em 5 de Junho de 1919. Condecorado com a Medalha Militar de Prata da Classe de Comportamento exemplar, em 20 de Julho de 1918; Cruz de Guerra de 4.ª Classe em 18 de Setembro. Por Portaria de 14 de Janeiro de 1919 foi-lhe conferida a Cruz Vermelha de dedicação; Medalha Comemorativa com a legenda – França – 1917-1918”.

O seu louvor e a sua condecoração com a Cruz de Guerra são notícia na imprensa famalicense da época, nomeadamente na “Gazeta de Famalicão. Com o título “Oficiais Louvados”, a “Gazeta de Famalicão”, de15 de Dezembro de 1917, informa a comunidade famalicense do respectivo louvor nos seguintes termos, fazendo referência também a José Hermínio Barbosa, ambos famalicenses: “Foram louvados pela sua coragem e valor os bravos oficiais da Infantaria n.º 29, batendo-se em França em defesa da Pátria, os srs. Capitão José Ribeiro Barbosa… e alferes José Hermínio Barbosa. / Louvamos os briosos militares que pertencem a um regimento de guarnição do norte, motivo de mais satisfação ainda para nós.” A propósito da Cruz de Guerra, tal informação surge na notícia com o título “Oficial Condecorado”, na “Gazeta de Famalicão”, de 19 de Outubro de 1918: “O valente capitão sr. José Ribeiro Barbosa, natural da freguesia de Joane e irmão dos nossos amigos srs. Manuel e Lázaro Barbosa, estimados e importantes industriais, acaba de ser condecorado com a Cruz de Guerra, pelos seus valiosos e patrióticos serviços no Front. / Ao brioso militar, que tem sido louvado por vezes pela sua bravura, os nossos parabéns.”
Quando faleceu, em 1930, os jornais regionais “Diário do Minho” e “Correio do Minho”, assim como o famalicense “Estrela do Minho”, fazem-lhe os seguintes “In Memorian”:


I


 "Correio do Minho". Braga (13 Fev. 1930)



“Capitão José Ribeiro Barbosa. O seu falecimento”. Diário do Minho. Braga, Ano 11, n.º 3111 (13 Fev. 1930), p. 1.
Acaba de surpreender-nos a infausta notícia do falecimento do sr. Capitão José Ribeiro Barbosa que, pelo espaço de cerca de três anos., exerceu o cargo de Chefe do Distrito de Braga. / Embora o soubéssemos de há muito gravemente enfermo, alentava-nos ainda a esperança de que o brioso militar conseguiria resistir à violência da enfermidade que implacavelmente a caba de vibrar-lhe o derradeiro golpe. É que, por vezes, entre momentos de alarme e desalento, chegavam-nos informações de que o bom do Capitão Ribeiro Barbosa experimentava animadoras melhoras. E a esperança ia renascendo mesmo diante dos pessimistas que se recusavam a aceitá-la. Infelizmente tiveram razão os pessimistas. A débil compleição física do ilustre finado não pôde suportar o ataque cerrado duma complexidade de doenças que não perdoam e que foram adquiridas durante o seu estágio nos climas rudes de África. / Tendo lúcido conhecimento do seu estado, o Capitão José Ribeiro Barbosa mandou chamar o sacerdote, preparando-se cristãmente, para a viagem donde se não volta – a eternidade! Morreu na paz do Senhor. / Que ele o tenha recebido no seio da sua infinita misericórdia. / O «Diário do Minho» envia à sua ilustre família as mais sentidas condolências.

Algumas notas biográficas

O Capitão José Ribeiro Barbosa nasceu na freguesia de Joane, concelho de Famalicão, em 29 de Janeiro de 1887, sendo filho do sr. José Ribeiro Barbosa e de D. Francisca Ribeiro Barbosa. / Em Maio de 1926, o Capitão Barbosa, que fizera parte do «comité» donde saiu a situação actual, foi nomeado Governador Civil do Distrito de Braga, mantendo-se nesse cargo durante cerca de três anos. / Nesse lapso de tempo serviu a Ditadura com a maior lealdade, tendo dedicado a Braga e ao seu distrito todo o seu interesse e o melhor da sua actividade. / Os problemas que respeitavam à região mereceram-lhe, sempre, a maior solicitude e o mais desvelado carinho. Se não realizou uma obra de vulto, devido, talvez, a especiais circunstâncias que não favoreciam empreendimentos de folego, temos de reconhecer que trabalhou, quanto pôde e como pôde, no sentido de resolver, da melhor forma, os assuntos que se relacionavam com a função que desempenhou. / O ilustre finado era irmão dos srs. Lázaro e Manuel Barbosa, industriais em Famalicão, e cunhado dos srs. Engenheiro Cândido Braga Ramalhete, DR. Francisco Júlio Martins Sequeira, professor do ensino secundário, e Carlos Sousa Gomes. / Deixa viúva a Exm.ª Senhora D. Maria da Luz Ramalhete Barbosa e filhos menores. / O extinto pertencia à arma de infantaria e actualmente estava colocado no Batalhão de Caçadores 9 e era comissário do Governo junto da Companhia Hidro-Eléctrica do Varosa. / Prestou, durante anos, serviços no extinto 6.º batalhão da G. N. R. Tomou parte na Grande Guerra, na África e na França, pelo que possuía valiosas condecorações, entre as quais a Cruz de Guerra. Era Oficial da Ordem Militar de Aviz.




O Capitão José Ribeiro Barbosa quando pertencia ao extinto Batalhão n.º 6 da G. N. R.

II

“Capitão José Ribeiro Barbosa”. In Correio do Minho. Braga (13 Fev. 1930), p. 1.
A ciência tinha feito o seu prognóstico e a providência não o quis desmentir. / Morreu o capitão José Ribeiro Barbosa, ontem, pelas 6 horas da tarde. / Não se traçam a olhos enxutos estas linhas dolorosas, quando o visado era um homem de envergadura moral do bom e querido José Barbosa. / Na pujança da vida, com mais de 40 anos, desaparece um querido amigo, um bom soldado que nos campos da batalha da África Portuguesa e nas terras de França, soube afirmar mais uma vez a valentia e a heroicidade deste pequenino povo que durante séculos encheu o mundo com os seus gloriosos feitos. / No peito, constelado de medalhas com que os governos português e doutras nações premiaram as suas altíssimas qualidades, está escrita a sua brilhante história militar. / O 28 de Maio, por consenso unânime de toda a guarnição desta cidade, entregou-lhe a chefia do distrito e o que foi a sua acção nesse alto cargo, está bem expresso na simpatia que adquiriu, inclusive daqueles que mais irredutíveis se mostraram sempre com a ditadura. / É que o capitão Ribeiro Barbosa, sem se desviar da linha inflexível da sua missão de representante do Poder ditatorial, era um grande patriota e republicano de princípios, sabendo harmonizar o seu dever com a justiça e a bondade. / Na defesa dos interesses dos povos seus administrados, soube, como poucos, desenvolver uma inteligente e tenacíssima acção, e nos momentos mais críticos esquecia o seu lugar de destaque e prestígio para se lembrar somente de que era, acima de tudo, filho deste distrito, a quem ele tanto amava e queria. / Foi relativamente longa a sua administração distrital e quando entendeu que era tempo de a abandonar, porque a sua missão estava cumprida, foi o primeiro a oferecer a sua substituição, embora para procedimento contrário fosse insistentemente aconselhado. / Braga e todo o distrito muito lhe ficou devendo e, nesta hora de justiça, seria uma ingratidão inexplicável não o proclamando como um dos maiores amigos e propugnadores do engrandecimento da região.

[…]

O capitão José Ribeiro Barbosa nasceu em 29 de Janeiro de 1887, na freguesia de Joane, concelho de Famalicão, filho do industrial sr. José Ribeiro Barbosa, já falecido. / Alistado como voluntário no regimento de Infantaria n.º 8 em 11 de Agosto de 1907, frequentou a Escola Militar, sendo promovido a alferes em 11 de Novembro de 1911; a tenente em 1 de Dezembro de 1913 e a capitão em 29 de Outubro de 1917. / Exerceu uma comissão na província da Guiné desde Janeiro de 1914, regressando em 1916, sendo colocado em infantaria 29, com sede nesta cidade. / Seguiu depois para França em 22 de Abril de 1917, distinguindo-se como subalterno da 3.ª Companhia do 29, guarnecendo a 1.ª linha na defesa do sector em [Boutilier], em vários ataques dos alemães, que o seu batalhão repeliu e fez prisioneiros, tomando também parte no combate de 10 e 11 de Novembro de 1917 no sector de Ferme de Bois (Richebourg). / Colocado como comandante da 2.ª Companhia do Grupo, tomou parte muito notável na Batalha de La Lys, em 9 de Abril. / De regresso de França, foi colocado em Infantaria 29 donde transitou para a Guarda Nacional Republicana, exercendo oc argo de ajudante do Batalhão aquartelado nesta cidade, tendo-lhe sido confiada a chefia do distrito, no movimento de 28 de Maio, cargo que exerceu até 18 de Abril de 1919 com zelo, dedicação e patriotismo. / Foi louvado pelo desempenho das funções de Director da Escola do emprego da baioneta por demonstrar notável zelo, aptidão e competência profissional, conseguindo os melhores resultados; pela muita competência, zelo e sangue frio demonstrado nos vários ataques contra o inimigo, e pela forma como dirigia na 1.ª linha os seus subordinados, dando-lhes belos exemplos e incutindo-lhes a serenidade que estava possuído; por ter dado provas e pela inteligência que sempre revelou no desempenho dos cargos que exerceu na Grande Guerra. / Era condecorado com a Medalha de Prata de Comportamento Exemplar; Medalha da «Vitória»; distintivo a que se refere o Regulamento das Ordens Militares Portuguesas com as cores azul e branca; Cavaleiro da Ordem de Cristo; Oficial da Ordem Militar de Aviz; Cruz Vermelha de Dedicação (medalha comemorativa das campanhas do Exército Português, com a legenda «França»; Medalha de Agradecimento da Cruz Vermelha Portuguesa; Cruz de Guerra de 4.ª Classe e ainda condecorações dos governos inglês e francês. O ilustre era presidente da direcção do Clube Bracarense.




III

“Capitão José Ribeiro Barbosa”. In Estrela do Minho. V. N. de Famalicão, Ano 35, n.º 1788 (16 Fev. 1930), p. 1.

“Após prolongado e doloroso sofrimento, faleceu na noite de quarta-feira na sua residência de Braga, o capitão sr. José Ribeiro Barbosa, antigo Governador Civil do Distrito e irmão dos considerados industriais desta vila srs. Manuel e Lázaro Ferreira Barbosa. / O sr. Capitão Ribeiro Barbosa, que frequentou a Escola Militar, assentou praça voluntariamente no Regimento de Infantaria n.º 8, havendo exercido uma comissão na Guiné, partindo em 1917 para França, onde se distinguiu como subalterno da Companhia do regimento de Infantaria n.º 29. / Tomou parte na Batalha de La Lys em 9 de Abril e possuía várias condecorações entre as quais a Torre e espada, Cruz de Guerra, medalha da «Vitória» e de comportamento exemplar, Comenda de Cristo e algumas estrangeiras. / Como chefe do Distrito, a acção do extinto está por certo ainda – tão pouco tempo é decorrido sobre a sua gerência – na lembrança de todos. / Sempre solicito na defesa das justas reclamações do distrito, ele prestou serviços relevantíssimos, nunca se cansando de percorrer as secretarias do Governo instando pela satisfação de tudo quanto interessasse aos povos dos vários concelhos do distrito que para ele apelavam. / Mas como acima dizemos, a sua obra é de ontem e dela já a Estrela do Minho oportunamente se fez eco dando-lhe o merecido relevo. / Logo que em Famalicão foi conhecida a triste notícia, as Associações locais colocaram as suas bandeiras a meia haste, ao mesmo tempo que as pessoas mais íntimas se dirigiram para Braga apresentar as suas condolências.”



domingo, 25 de fevereiro de 2018

Expedicionários Famalicenses - Aníbal Carneiro de Oliveira ( -1917)

"Memorial dos Mortos da Grande Guerra"


OLIVEIRA, Aníbal Carneiro de

Placa de Identidade n.º 45513. Soldado n.º 414 da 2.ª Companhia. Solteiro. Filho de José Francisco Carneiro de Oliveira e de Ana Rosa. Natural da freguesia de Requião, concelho de V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo era seu pai, residente na freguesia de Requião. Teve baixa ao Hospital em 28 de Abril de 1917. Faleceu na 1.ª linha, por virtude de ferimentos recebidos em combate, em 1 de Novembro. No “Boletim Individual” do C. E. P. encontra-se sepultado no cemitério de Touret, Coval n.º 92. Contudo, o seu local de sepultura encontra-se em França, no Cemitério de Richebourg L`Avoué, Talhão D, Fila 13, Coval 11. 4.ª Brigada de Infantaria. 2.º Batalhão. 2.ª Companhia. Regimento de Infantaria n.º 8. Encontra-se inscrito no Monumento aos Mortos da Grande Guerra em V. N. de Famalicão, na Praça 9 de Abril. 

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Expedicionários Famalicenses - Alfredo Pereira ( -1918)



Fotografia do "Memorial dos Mortos das Grande Guerra"

Placa de Identidade n.º Série A-45650. Soldado n.º 483. Solteiro. Filho de Maria Rosa Pereira. Natural da freguesia de Requião, concelho de V. N. de Famalicão. Embarcou em Lisboa em 11 de Julho de 1917. Morto em combate na Batalha de La Lys, em 9 de Abril de 1918. 1.º Batalhão. 2.ª Companhia. Regimento de Infantaria n.º 8. Local de Sepultura: França, Cemitério de Richebourg L`Avoué, Talhão D, Fila 6, Coval 8. Encontra-se inscrito no Monumento aos Mortos da Grande Guerra em V. N. de Famalicão, na Praça 9 de Abril.



quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

António Rodrigues da Cunha Azevedo (1878-1956)






Hemeroteca Digital. 
"Ilustração Portuguesa" (13 Janeiro 1919), p. 32.


Nasceu em 10 de Dezembro de 1878, na freguesia de Lemenhe-São Salvador de Lemenhe-no lugar de Padroso, concelho de Vila Nova de Famalicão.
Foram seus pais: Clemente Rodrigues da Cunha Azevedo, natural da mesma freguesia de Lemenhe, e D. Júlia Arminda da Costa Araújo, natural da freguesia do Louro, do mesmo concelho de V. N. de Famalicão: ambos solteiros, com escritura, antes do seu casamento, feita em 13 de Outubro de 1877.
Foram seus avós paternos:
José Bento Rodrigues da Cunha e sua mulher Benta Gomes da Cunha, proprietários, moradores da rua casa do Padroso.
Foram seus avós maternos:
António da Costa Araújo e mulher D. maria da Conceição da Costa Araújo, proprietários, moradores na freguesia do Louro.
Fez, no Liceu de Braga, todos os exames dos preparatórios precisos para se matricular na Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, e matriculou-se nesta Faculdade, no 1.º ano, no ano de 1897.
Sendo 1.º Sargento-Cadete, matriculou-se na Escola do Exército com a idade de 22 anos completos na ocasião da primeira matrícula em 17 de Outubro de 1901, e concluiu, no dia 10 de Outubro de 1903, o curso de Infantaria estabelecido por Carta de Lei de 13 de Maio de 1896, tendo obtido onze e oito décimos (11, 8) valores nas diversas provas do seu curso e o número 27 de classificação. Apresentou certidões de habilitações mais do que as exigidas pelo artigo 1.º da Carta de Lei de 13 de Setembro de 1897, para a matrícula na Escola do Exército com destino às armas da Infantaria e Cavalaria.
Em 15 de Novembro de 1904 foi promovido a Alferes e as outras promoções constam do “Averbamento das Patentes” e da “Carta Patente”.
Fez parte das campanhas: do sul de Angola de 1914 a 1915; do Cuanhama de 1915, comandada pelo general Pereira de Eça; e do sul de Angola de 1915-1916.
Era possuidor das respectivas medalhas das campanhas do ultramar português, e da campanha da Flandres, e foi condecorado com o grau de comendador da Ordem Militar de Aviz em 5 de Junho de 1921 pelos serviços que prestou.
Depois do seu regresso da Flandres à metrópole serviu em vários regimentos e comandou o regimento dos Caçadores 9, de Braga, o de Lamego e o de Infantaria, de Braga. Quando passou para a reserva, fez vários serviços de inspecção.
Faleceu no dia 25 de Fevereiro de 1956, pelas 13h00, vitimado por miocardite, no Hospital da Trindade do Porto, para onde tinha entrado na véspera, dia 24 de Fevereiro, vindo da Messe dos oficiais do Porto, na Praça da Batalha, onde tinha a sua residência permanente. Foi transportado para o cemitério do Louro, concelho de Famalicão, onde jaz sepultado, desde o dia 27 de Fevereiro de 1956.
Para fazer a ocupação do Cuanhama e Baixo-Cumene. Em 4 do 9, atingida a N`Giva, foi dissolvido o Destacamento com um elogio às tropas e o General fez a organização militar do Baixo-Cunene, sendo nomeado comandante do território o major Pires Viegas, comandante do 3.º Batalhão de Infantaria.
26 de Janeiro de 1917. Foram os primeiros embargos de tropas para França, para onde seguiu a fazer parte na Primeira Divisão Portuguesa do C. E. P., comandada pelo coronel Gomes da Costa, promovido a general por distinção.




quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

António da Silva Marinho Pinto (1892-1918)


Fonte (imagem): Arquivo Histórico Militar
Lápide de António da Silva Marinho Pinto, no Cemitério de Richebourg L `Avoué



PINTO, António da Silva Marinho
(Jesufrei, V. N. de Famalicão (14/08/1892-Campo de Stendal (01/05/1918)
Placa de Identidade n.º 45405. 2.º Sargento miliciano n.º 631 da 2.ª Companhia. Solteiro. Filho de José da Silva Pinto e de Maria Alves Pinto Marinho. Natural da freguesia de Jesufrei, concelho de V. N. de Famalicão. O parente vivo mais próximo era seu pai, residente na freguesia de Jesufrei. Embarcou em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Louvado em Dezembro de 1917 “pelo muito cuidado, boa vontade, manifesta dedicação com que viva e zelosamente coadjuvou o comandante do pelotão na limpeza, conservação. Reparação e construção das várias trincheiras a cargo do respectivo pelotão.” Promovido a Aspirante Oficial Miliciano em 26 de Fevereiro de 1918, tendo sido colocado no Batalhão de Infantaria n.º 20. Promovido a Alferes miliciano por Decreto de 18 de Maio de 1918. Desaparecido no combate de 9 de Abril de 1918, tendo sido feito prisioneiro pelo inimigo. Faleceu a 1 de Maio no Hospital da cidade de Stendal (Alemanha), vitimado por ferimentos em combate. sepultado no cemitério da mesma cidade, estando a sua sepultura marcada com o seu nome, posto e nacionalidade. Efectivamente, este professor, é notícia na imprensa de V. N. de Famalicão por duas razões: a primeira, diz respeito à sua promoção para Alferes, no jornal “A Gazeta de Famalicão”, de 30 de Março de 1918 nos seguintes termos: “O inteligente professor da Árvores, Vila do Conde, sr. António da Silva Marinho Pinto, natural de Jesufrei, do nosso concelho, e que há tempos seguira para a frente francesa como Sargento, foi nitidamente promovido a Alferes por serviços prestados em Campanha.” Termina enviando os respectivos parabéns à família. A segunda, diz respeito ao pedido de uma madrinha de guerra, segundo notifica o “Estrela do Minho”, de 21 de Outubro de 1918: “Pede-nos o 2.º Sargento da 2.ª Companhia do 1.º Batalhão de Infantaria n.º 8, António da Silva Marinho Pinto, de Jesufrei, para lhe conseguirmos uma madrinha de guerra. Aí fica o nosso apelo às senhoras de Famalicão para que seja satisfeito o pedido do nosso conterrâneo. Que em Fraqnça está arriscando a vida em defesa da Pátria. / O Sargento Marinho é professor de instrução primária, lugar que teve de abandonar para cumprir o serviço militar. Encontra-se inscrito no Monumento aos Mortos da Grande Guerra em V. N. de Famalicão, na Praça 9 de Abril, assim como no de Braga e no de Guimarães. 4.º Brigada de Infantaria. 2.º Batalhão. Regimento de Infantaria n.º 8. Segundo o Boletim do C. E. P., lemos que se encontrava sepultado no cemitério da mesma cidade, estando a sua sepultura marcada com o seu nome, posto e nacionalidade. Contudo, encontra-se sepultado no Cemitério de Richebourg L `Avoué, Talhão D, Fila 15, Coval 26.

Projecto
"Dicionário dos Expedicionários Famalicenses"
por Amadeu Gonçalves 


 Agradece-se qualquer informação.



sábado, 30 de dezembro de 2017

As "Madrinhas de Guerra" e os Expedicionários Famalicenses (1914-1918)


As "Madrinhas de Guerra" e os Expedicionários Famalicenses (1914-1918)
Amadeu Gonçalves



“Entre 1914 e 1918, a importância das madrinhas de guerra foi tão grande em Portugal que mereceu uma entrada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que começou a ser publicada em 1936. Nela podia ler-se que uma “madrinha de guerra” era a “Protectora de um militar em campanha.” Recordava-se que “a designação” tinha aparecido “durante a Grande Guerra de 1914-1918” e que se aplicava “à criança, senhorinha ou senhora que assistia moralmente ou protegia um soldado em operações, às vezes sem conhecê-lo pessoalmente, escrevendo-lhe, enviando-lhe livros, tabaco, doces, víveres ou presentes”. E depois concluía: “Durante a nossa permanência na Flandres, senhoras de Portugal e do Brasil, francesas e inglesas, apadrinharam soldados nossos e tomaram a iniciativa de ofertas em comum para serem distribuídas pelos combatentes. A madrinha de guerra foi muitas vezes noiva ou esposa do afilhado”.
Fernando Martins, “Amor em Tempo de Guerra: as “Madrinhas de Guerra” no Contexto da Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974”, 2011.
“Aquele que não tem memória faz uma de papel.”
Gabriel Garcia Márquez, O Amor nos Tempos de Cólera.



Poucas são as referências sociológicas e históricas a propósito do fenómeno das “Madrinhas de Guerra” durante a I Grande Guerra. Mesmo a que temos em epígrafe, surge num contexto histórico da Guerra Colonial. A acrescentar à lista que Fernando Martins evoca, pode-se acrescentar as notícias de Portugal que os soldados tanto desejavam saber. É o caso do soldado Adolfo da Silva Pinto, de São Cosme do Vale, que embarcou para Flandres, de Lisboa, em 22 de Abril de 1917 e desembarcou na capital em 19 de Junho de 1918, do 4.º Batalhão de Infantaria, 2.º Batalhão, Regimento de Infantaria n.º 8. Veja-se a missiva publicada no “Estrela do Minho”, de 19 de Agosto de 1919:

 “Um soldado do nosso concelho escreve-nos a carta que a seguir transcrevemos da melhor vontade, na qual se pede uma madrinha. Secundamos o pedido nela feito, esperando que algumas das senhoras de Famalicão o defira. É esse um pequeno serviço prestado também à Pátria, pela qual o soldado Silva Pinto está arriscando a sua vida em França.

Em Campanha, 5 de Agosto de 1917
Exmo Sr.

Venho, por este meio, apresentar a V. Ex.ª os protestos de estima e consideração e desejando-lhe uma boa saúde. Ao mesmo tempo, venho também importunar V. Ex.ª com o seguinte: há muito que anseio por ter nessa querida pátria uma senhora que fosse minha madrinha de guerra para me dar notícias do nosso querido Portugal. A minha direcção é esta: Adolfo da Silva Pinto, da 4.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 8 – C. E. P. – França. / É por esse motivo que eu venho pedir a V. Ex.ª para no seu jornal apelar para o coração de qualquer dama famalicense que se queira encarregar deste meu pedido. Esperando ser atendido por S. Ex.ª renovo os meus cumprimentos. / Com a máxima consideração e subido respeito me subscrevo.”("Estrela do Minho", 19 de Agosto de 1917).

Um texto de Mário Salgueiro, com o título “Soldados de Portugal” e publicado na “Ilustração Portuguesa”, a propósito dos retratos que a mesma revista publicou sobre os soldados portugueses, para além das características psicológicas, afirmado que “os retratos que a Ilustração tem arquivado nas suas páginas pertencem a soldados de todos os regimentos e, por conseguinte, a filhos de todas as regiões: transmontanos bisonhos, de ombros largos e de olhar suave; algarvios de rosto enérgico, fitando-nos com firmeza, como se para além do horizonte perscrutassem ainda a chegada das caravelas; beirões sonhadores e minhotos alegres; os homens do Vouga e os homens do Tejo, de que os fala Garrett; os romeiros da Agonia e os do Senhor da Pedra, toda a gente nova de Portugal, de norte a sul e de leste a oeste”, mais à frente, diz-nos que nesses mesmos retratos aparece de vez em quando “um rosto feminino”, uma “portuguesinha gentil que vai iniciar o seu noivado, sendo madrinha de guerra”; e do papel das “Madrinhas de Guerra” continua afirmando que é as “horas de enervamento das trincheiras, quando a saudade evoca alegrias idas, é delas sempre que os soldados se lembram, porque só elas sabem traduzir nas suas cartas as expressões que alentam e acarinham.” ("Ilustração Portuguesa". Lisboa, n.º 616 (10 Dez. 1917), p. 468).
Neste contexto, o jornal “A Gazeta de Famalicão” surge com o seguinte apelo, em 8 de Setembro de 1917: “Não sabemos se já teve deferimento no coração das sempre generosas e sempre gentis senhoras da nossa terra algum dos requerimentos que, por nosso intermédio, lhes foram dirigidos por soldados famalicenses que sem França se batem pela Pátria. / Seria mais uma nota muito simpática a cruzada patriótica empreendida pelas beneméritas senhoras da «Venda da Flor» na nossa terra, que entre essas santas que operaram o milagre de transformar as flores da sua bondade no oiro abençoado de tantas esmolas, aparecesse a quem generosamente, escutasse e ouvisse os que pela Pátria fazem os maiores sacrifícios.” Veja-se estas duas situações, caso dos pedidos solicitados e da respectiva comissão.



“A sr.ª Viscondessa de Pindela colocando uma flor num aldeão.”; “As sr.as D. Maria Luísa de Carvalho e Cunha e D. Ermelinda Areias colocando flores nos srs. drs. Guilherme Costa e Ricardo Lemos, distinto sportman portuense.”


Na realidade, o texto em causa faz referência à “Comissão Promotora da Venda da Flor”, a qual teve um papel preponderante na atribuição de subsídios peculiares aos soldados chegados de França e de África. Aliás, as listas que a imprensa famalicense, particularmente o “Estrela do Minho” e a “Gazeta de Famalicão”, vai publicando, permitiu ampliar o inventário dos expedicionários famalicenses, nas quais aparece o nome do respectivo expedicionário, assim como a respectiva doação, a qual tanto podia ser monetária como em bens. Mas veja-se um pouco da sua constituição histórica e de como a respectiva comissão angariava os seus fundos.

a)      Venda da Flor
Quando Manuel Pinto de Sousa (a exemplo do que se passou em Lisboa, já que as “senhoras de Lisboa iniciando a venda de flores em todas as casas da capital, em favor dos nossos soldados feridos na guerra”, que “acabam de dar um exemplo nobilíssimo de solidariedade humana e ao mesmo tempo patriótico”, conseguindo juntar “num só dia mais de trinta mil escudos”) lança o apelo para que em V. N. de Famalicão se imite “essa grande obra pelas senhoras da nossa terra” (num texto de 15 de Abril), os textos de propaganda do então jovem publicista e jornalista Alexandrino Costa à volta da Venda da Flor (de 22 e de 29 de Abril), a sociedade feminina famalicense respondeu positivamente. Com a sede na Casa Bancária Brandão & C.ª, cedendo “o escritório e salas do primeiro andar”, a Comissão Promotora da Venda da Flor em V. N. de Famalicão, será constituída pelas seguintes senhoras: Presidente, Viscondessa de Pindela; Vice-Presidente, Amália L. de Macedo Chaves de Oliveira; Tesoureira, Mariana Folhadela de Macedo; Secretárias, Maria da Glória Ferreira Macedo Sampaio e Maria Bertila Garcia de Carvalho. Paralelamente, presidiram aos grupos então denominados de veindeuses, além das senhoras da comissão, Estela Nunes Sá Brandão, Mariana Macedo Simões, Albertina Machado, Elisa Veiga e Cunha, Silvina Gomes, Cândida Carneiro, Balbina Veloso Macedo, Maria da Glória Bouças, Júlia Carvalho e Rosalina Ilhão Peixoto. O texto de apresentação da referida comissão foi o seguinte, de 29 de Abril:

Mulheres e flores! Tudo o que a natureza criou de mais belo vai, em conjunto, alegrar a nossa terra, numa encantadora festa, da qual resultará o auxílio às vítimas da guerra. / Enquanto nos campos de batalha os homens pelejam encarniçadamente em defesa da liberdade, as mulheres, sempre dedicadas e previdentes, reúnem-se para angariar socorros para as vítimas dessa terrível hecatombe, que ameaça arrasar o mundo inteiro! Enquanto pais, filhos e irmãos arriscam a vida com o despreendimento e abnegação de verdadeiros heróis, as mães, filhas e irmãs, preparam o lar para receberem com alegria os que voltarem sãos, e com verdadeiro carinho, os que a fatalidade trouxer inválidos e doentes. As damas de Famalicão, mensageiras da cruzada do Bem, vão no dia 8 de Maio, angariar donativos para as vítimas da guerra. Quem lhes negará o seu óbolo? Em troca duma flor gentilmente oferecida, ninguém deixará de auxiliar a obra bendita do socorro aos nossos soldados.

O programa para a Festa da Venda da Flor, a qual se realizou a 8 de Maio, constou de nove zonas geográficas, distribuídas pela então Vila de Famalicão: Estação, Campo da Feira, Bandeirinha e Cruz Velha, Rua Adriano Pinto Basto, Campo Mouzinho de Albuquerque (lado direito e lado esquerdo), Rua Cinco de Outubro, Rua Direita e Praça Conde São Cosme do Vale. Para além de alguns donativos, e na crónica de 13 de Maio, com o título “A Festa da Flor”, os famalicenses souberam que a Venda da Flor foi um êxito, merecendo destaque na “Ilustração Portuguesa”, de 28 de Maio.

Anunciada já em Maio, tendo como objectivo a angariação de fundos para o cofre da Assistência às Vítimas da Guerra em Famalicão, e organizada pela Comissão Promotora da Venda da Flor, esta festa desportiva realizou-se no Clube de Caçadores em 10 de Junho com o seguinte programa, o qual se constituiu em duas partes: na primeira parte, as actividades então realizadas foram as seguintes: corrida de velocidade (100 metros), corrida de sacos, concurso hípico, saltos em altura, lançamento de peso e uma surpresa constituída pela realização de um número realizado por senhoras, durante o intervalo; por seu turno, a segunda parte teve actividades como match de box, corrida das batatas, salto em cumprimento, corrida três pernas, jogo da rosa (bicicleta) e corrida de obstáculos. Nos intervalos houve rifas, quermesses, tômbola e leilão dos objectos oferecidos pelas senhoras da comissão organizadora da Festa da Flor. Em 17 de Junho os famalicenses liam o seguinte:

Realizou-se no Domingo passado, como estava anunciado, a festa de jogos diversos e rifa de prendas na carreira de tiro do Clube de Caçadores, cujo produto reverteu em favor das vítimas da guerra. Apesar da concorrência não ser grande, talvez pelo calor que esteve nesse dia, o rendimento aproximou-se de novecentos escudos. Ficaram ainda algumas prendas por vender.



“Ilustração Portuguesa”. Lisboa, n.º 588 (28 Maio 1919), p. 440. [hemeroteca digital].
“Um grupo de senhoras encarregadas da “Venda da Flor” em Famalicão. No primeiro plano, da esquerda para a direita: Arminda Guimarães, Elzira Portela, Cacilda Marques, Maria Cândida Machado, Maria Antonieta Fernandes, Joana Pinto, Laura Pimentel, Corina Marques, Carmen Macedo, Maria Cândido Matos. 2.º plano: Laura do Nascimento Carvalho, Sara de Carvalho Cunha, Viscondessa de Pindela, Hermínia Loureiro, Carmen Guimarães, Ernestina Machado, Maria Medeiros, Irene Fernandes. 3.º plano: Maria Manuela Cerejeira, Cândida Carneiro, Maria Luísa de Carvalho e Cunha, Estela Brandão, Lúcia de Carvalho, Amélia Chaves de Oliveira, Rosalina Ilhão Peixoto, Maria de Jesus Barros, Maria Ermelinda Machado. 4.º plano: Balbina Veloso de Macedo.


a)      Sarau-Dramático-Musical A Favor das Vítimas da Guerra

Com a primeira referência em 3 de Junho, noticiando-se que “a ilustre comissão das damas desta Vila projecta realizar um sarau artístico, e apesar do programa ainda não estar devidamente organizado”, informa-se em 15 de Junho a comunidade famalicense que os ensaiadores serão Ester Brandão e Adolfo Lima na parte musical, enquanto que as comédias ficaram a cargo de Alípio Guimarães. O programa definitivo será conhecido a 22 de Julho, realizando-se o respectivo sarau em 28 de Julho no Salão Olímpia, relatando o “Estrela do Minho” o acontecimento em 5 de Agosto. Veja-se o programa:

O ex.mo sr. dr. Sebastião de Carvalho com a sua brilhante palavra, saudará as damas promotoras pela sua patriótica obra e ao público pela sua coadjuvação. Seguir-se-á pelo grupo composto das ex.mas sr.as D. Ester e D. Alzira Brandão, D. Maria Pinto de Sousa, D. Maria Cândida, D. Alice e D. Aurelina Correia, D. Fernanda Guimarães, D. Júlia e D. Cândida Silva, D. Maria J. Barros, D. Belmira Bezerra, D. Carminda Marques, D. Alice Garcia, D. Laura Carvalho, D. Carmen Guimarães, D. Laura Loureiro, D. Adestina Lima, D. Maria Lúcia Garcia Carvalho, D. Amélia Faria, D. Joana Pinto Areias, D. Alzira Portela, D. Fernanda Terroso e D. Rosa Manuela Gomes. 1.ª Parte. “Pescador” (canção portuguesa, T. Moutinho); “Menina dos Meus Olhos”, A. Viana; “Canção da Tarde”, J. Moutinho; “Quadras Soltas”, F. Moutinho; “As Lavadeiras” (Coro), A. Viana. 2.ª Parte. “Que Amigas. Comédia em 1 acto”. D. Violante-Júlia Silva; D. Ernestina-Cândida Silva; D. Eulália-Amélia Faria; Rosa, criada-Belmira Bezerra. Lisboa-Actualidade. “Romance”, Artur Napoleão; “Balada”, Chopin; “Rapsódia Húngara”, Lizst. Ao piano Ester Brandão Barbosa. ”Sapatinhos de Baile. Comédia em 1 acto”. Baronesa do Quental-Maria Cândida Correia; Viscondessa de Bela-Flor-Alzira Brandão. Lisboa-Actualidade. 3.ª Parte. “Margarida. Diálogo”, com Júlia e Cândida Silva, com acompanhamento de coros e música de F. Moutinho. “Ao Desafio”, A. Sarti; “Morena”, J. Moutinho; Fado por Maria Cândida Correia e coros, música de A. Coelho; “Ceifeiras” (coro), de A. Sarti.

Os bilhetes podiam ser adquiridos na “casa da promotora em Louredo ou no estabelecimento do sr. Luís Terroso ao Campo Mouzinho.” Do sarau-artístico, pode-se ler em 5 de Agosto que “todos os elogios que se façam, todos os louvores que se tributem, são poucos para manifestar o agrado e a admiração de que o público se sentiu empolgado!” (Amadeu Gonçalves – “A I Grande Guerra e as suas repercussões em V. N. de Famalicão. O Monumento aos Mortos da Grande Guerra”. In Boletim Cultural. V. N. de Famalicão, 4.ª série, n.º 1 (2014/2015), pp. 193-195).
Na realidade, não consta que algumas dessas senhoras que constituíram a respectiva “Comissão Promotora da Venda da Flor” tivessem sido “Madrinhas de Guerra”; e relativamente aos apelos que a “Gazeta de Famalicão” tinha publicado, a saber, dois soldados que tinham solicitado “Madrinhas de Guerra”, caso de Secundino Rodrigues Baptista (soldado n.º 51, da 4.ª Companhia de Infantaria n.º 8) e de Joaquim Ferreira de Carvalho (soldado n.º 43, da 4.ª Companhia do Regimento de Infantaria n.º 8), não tivessem obtido as tão desejadas “Madrinhas de Guerra”, o mesmo sucedendo a Manuel da Silva Pinto (soldado n.º 858, do Batalhão de Infantaria n.º 8), o mesmo acontecendo com João Simões Pereira, 1.º cabo-enfermeiro. Quem conseguiria a respectiva “Madrinha de Guerra” seria José Joaquim Ferreira, de São Cosme do Vale, da mesma freguesia, chamando-se Libânia Pereira Marques, a qual manifestou “os seus bons sentimentos de humanidade e patriotismo”, segundo a “Gazeta de Famalicão” de 3 de Novembro de 1917. Quem vai conseguir igualmente uma “Madrinha de Guerra” vai ser Ernesto Moreira, de Calendário, soldado n.º 289, do Regimento de Infantaria n.º8, indo ao encontro da citação que temos em epígrafe, nomeadamente, neste caso, a “Madrinha de Guerra” ser uma criança com sete anos de idade. Leia-se:

 “Mais um soldado nos escreve de França a pedir uma madrinha de guerra, com quem se corresponda e lhe vá ajudar a suportar as saudades, dando-lhes noticias da Pátria muito amada. / Segue-se a carta do nosso conterrâneo, cujos desejos esperamos ver atendidos por alguma senhora da nossa terra:

Sr. Director do Estrela do Minho, Famalicão
Vinha pedir a V…. para que por intermédio do seu conceituado jornal, que qualquer das gentis damas dessa encantadora vila, se queiram oferecer para minha madrinha de guerra. / As senhoras dessa vila, que são sempre generosas em tudo o que é para o bem e sendo eu Ernesto Moreira, soldado n.º 289, da 4.ª Companhia de Infantaria 8,, muito conhecido nessa vila, e encontrando-se presente em França a combater ao lado de todos os exércitos aliados, pela nossa querida pátria. / Espero ser atendido pelo que fico muito obrigado a V. Ex.ª pela publicação desta linha.” ("Estrela do Minho", 23 de Setembro de 1917).

 “Tendo lido no sue conceituado jornal, carta do soldado português pedindo uma madrinha de guerra, venho eu pois oferecer-me para este fim. Tenho apenas sete anos, mas o meu maior desejo é consolar e animar os nossos soldados, que tão valentemente derramem o seu sangue pelo dever e pela liberdade. Espero, autorizada pelos meus pais, cumprir bem a missão de que tomo encargo. Peço pois a V…. o favor de, caso este soldado não ter ainda madrinha, mandar-me a sua direcção e da sua família, assim como participar-lhe que já tem madrinha, podendo escrever- para Fernanda da Conceição Monteiro, Viatodos, Minho, que logo terá resposta e satisfeito qualquer pedido.” ("Estrela do Minho", de 7 de Outubro de 1917).

Garcia Márquez não deixa de ter a sua razão: quem não tem memória, faz uma de papel!