quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Bibliotecas Públicas - O Legado Humanista


Numa carta a Oliveira Martins (com a data de 3 de Outubro de 1886), Bernardino Machado distingue aquilo que é a instrução daquilo que é a educação. Para Machado, cito “a instrução é um capital, o único que está em nós indefinidamente”, desenvolvendo “as faculdades produtivas do homem, dota-o com conhecimentos, que são a matéria-prima sobre que operem.” Por seu turno, o que constitui a base da educação é, cito “as verdades morais, que o tempo acrescenta, porque a moral, como toda a ciência, está em perpétua elaboração”, estando assim consciente das mutações éticas. Acrescento à instrução e educação machadiana, aquilo que poderá ser a cultura. Ora, sendo o conjunto de traços distintivos, espirituais, intelectuais e afectivos que caracterizam uma sociedade, efectivamente, a cultura engloba além das artes e das letras, os modos de vida, as tradições e as crenças. Neste sentido, a cultura oferece-nos a capacidade de reflexão sobre nós próprios, na medida em que que nos faz seres humanos mais críticos e eticamente comprometidos. Para além disso, é na cultura que nos exprimimos, nos encontrámos, tomámos consciência de nós mesmos e dos outros, nos reconhecemos como um projecto inacabado, colocando assim em questão as nossas próprias realizações, buscando, ao mesmo tempo, novas significações.
Neste caminho, entre a instrução, a educação e a cultura, a Biblioteca será sempre a instituição, o equipamento cultural por excelência que promoverá essa dimensão mais rica e espontânea do ser humano, enquanto criador, cabendo a ela não só a configuração desse espaço mítico da leitura (enquanto formação humanista, instrutiva e educativa), mas como, ao mesmo tempo, o espaço multicultural de encontros perante os mais diversos suportes de conhecimento. Ao mesmo tempo, a Biblioteca, perante o legado humanista que em si comporta (com o Manifesto da Leitura Pública em Portugal, 1983, e com o Manifesto da Leitura Pública da UNESCO, 1985), enquanto espaço social aberto a TODOS, a Biblioteca surge igualmente como aquele lugar de memória para preservar a identidade cultural da comunidade na qual se encontra inserida, principalmente através do Fundo Local (porque não promover um encontro sobre Fundos Locais da Rede de Leitura Pública em Portugal). Temos, contudo, sinais preocupantes, num momento de tantas incertezas.
Se com D. António da Costa, na criação das Bibliotecas Populares “para todos” as Bibliotecas têm uma relação entre a instrução e a ética, aliando-se a instrução ao desenvolvimento ético; se com a “Bibliotheca Escolar de Villa Nova de Famalicão” de 1908 se encontra relacionada apenas com a instrução; se com Feio Terenas, no seu Projecto-Lei de 1909, se alia as Bibliotecas Populares à instrução enquanto conhecimento, os republicanos de 1911, para além do papel da instrução das Bibliotecas, evocam algo que, nos tempos de hoje tão esquecido tem andado, e que me importa para aqui trazer: as Bibliotecas surgem como espaços lúdicos de entretenimento, de fruição, de distração, de encantamento que será proporcionado pela leitura. Formação humana sim, conhecimento sim, mas a leitura não tem surgido como aquele lugar privilegiado enquanto prazer, de voos para mundos sonhados. Sintomático dos tempos que vivemos, é o mais recente relatório da Direcção-Geral da Educação e da Cultura da Comissão Europeia, no qual temos 85% de portugueses que não frequentaram Biblioteca Públicas durante o ano de 2013 e 60% de portugueses não leram um livro! Terá sido uma ilusão digital?! Também mais recentemente, surgiu uma “Declaração Escrita” no Parlamento Europeu sobre a importância das Bibliotecas Públicas nos países da Europa (ainda se encontrando em subscrição), principalmente ao nível dos serviços que prestam aos cidadãos, nomeadamente com os recursos digitais, permitindo aos mesmos, estando esta situação em primeiro lugar, a busca de trabalho, e encontrando-o, no uso da INTERNET. Uma outra situação da utilidade dos serviços das Bibliotecas Públicas nesta “Declaração” é o da inclusão social. O que é de estranhar é que um Plano para o Desenvolvimento da Leitura não aparece, num papel instrutivo, educativo e de fruição.
As Bibliotecas Públicas têm de surgir como a Casa Pública por excelência das comunidades, para todos os cidadãos, sem censura, não só para uso digital, mas igualmente para a promoção de actividades que evidenciem a dignidade humana, para, nas palavras de Gadamer, numa ampla fusão de horizontes, a cidadania ser plena; e ao falar na censura, tal como aconteceu entre nós no Estado Novo, o mesmo sucedeu aqui, em V. N. de Famalicão. À “incúria”, nas palavras de Aquilino, a que a BMCCB esteve votada, acrescenta-se o controlo da leitura (basta lembrar, por exemplo, o regulamento de 1961, no qual se estipulava que determinadas leituras só seriam autorizadas pelo Presidente da Câmara e pelo Vereador da Cultura), o empréstimo domiciliário teve os seus dias contados em 1961, com o P. Benjamim Salgado, os espólios de Vasco de Carvalho e de Nuno Simões nunca teriam tratamento técnico (andando encaixotados pela Biblioteca e por outras dependências camarárias), para além da falta de recursos técnicos e humanos. Não seria de estranhar que, em 1959, com a vinda da Biblioteca Itinerante n.º 8, e, em 1966, com a 114.ª Biblioteca Fixa da Gulbenkian, a leitura pública em V. N. de Famalicão tivesse um novo folgo, com sucesso. Sem actividades próprias, vindas de associações, caso do C. A. F. (Centro Académico Famalicense), na época da abertura marcelista, promovendo apenas em 1973 o I Concurso de Aproveitamento de Leitura, do qual não sabemos resultados, será em liberdade que a Leitura Pública em V. N. de Famalicão caminhará para a sua dignidade. Se não passou apenas de uma ténue ideia a construção de um edifício de raiz para a BMCCB durante o Estado Novo, tal só se concretizará em 1992, integrando na Rede de Leitura Pública. Com o desenvolvimento e o deslumbramento inicial (passados que estão 40 anos, hoje a Rede está composta por metade dos municípios portugueses), surge uma nova realidade, isso a que chamam de literacia digital. Para além desta literacia digital, importante sublinhar o analfabetismo leitoral (aquilo a que chamam de iliteracia); e ao lado destas duas realidades, as Bibliotecas Públicas, entre o seu papel social e a promoção da leitura (como fruição, entretenimento, encantamento), deverão ter em conta, cada vez mais, numa inter-relação, o papel da instrução, da educação e da cultura. Mas isto é uma visão de um leitor curioso, nas palavras de Henrique Barreto Nunes “um verdadeiro e generoso militante da causa do livro e um apaixonado pela história local”…

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Jorge Ramos do Ó


O próximo convidado do Ciclo de Conferências “Pedagogos e Pedagogia em Portugal” é o Prof. Jorge Ramos do Ó, que vai falar sobre “A Educação Nacionalista Sob o Salazarismo”. A conferência do Prof. Jorge Ramos do Ó realiza-se no Museu Bernardino Machado no próximo dia 6 de Dezembro, pelas 21h30, sendo a entrada livre e com a entrega de certificados de presença. Recorda-se que este Ciclo se encontra acreditado pelo Centro de Formação Científica/Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, para os professores de História, Filosofia e Sociologia.
Professor Associado do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e Professor Convidado da Universidade de São Paulo (Brasil), instituições nas quais lecciona temáticas relacionadas com a História da Educação, História da Cultura e Análise do Discurso, Jorge Ramos do Ó tem escrito sobre história política, história cultural e das mentalidades, especialmente sobre a fase histórica do Estado Novo. Tem também escrito sobre a História da Educação e da Pedagogia, num período mais longo e que se estende de meados do Século XIX a meados de novecentos. Além de outros trabalhos (colaboração em revistas científicas da especialidade e de monografias em co-autoria), o Prof. Jorge Ramos do Ó publicou, a t´titulo de exemplo, os seguintes títulos: “O Lugar de Salazar; estudo e antologia” (1999); “Os Anos de Ferro: o dispositivo cultural durante a política do espírito (1933-1949)” (1999); “O Governo de Si Mesmo: modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX-meados do Século XX)” (2203); “Ensino Liceal (1836-1975)” (2009); “Emergência e Circulação do Conhecimento Psicopedagógico Moderno (1880-1960)” (2009)” ou “Estudos Comparados Portugal-Brasil” (2004). É editor da “Sisyfus”, Journal of Education.

Encontros de Outono 13 - IV


Prof. Ernesto Castro Leal
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
“Militares e violência política em perspectiva comparada: a singularidade do 18 de Abril de 1925”

O Prof. Ernesto Castro Leal abordou quatro golpes, aos quais chamou os quatro golpes fortes, nomeadamente o de 14 de Maio de 1915, o de 5 de Dezembro de 1917, o de 19 de Outubro de 1921 e o de 18 de Abril de 1925., abarcando uma relação entre eles. Se no primeiro golpe estiveram presentes civis e militares, mais civis, o segundo foi caracterizado particularmente pela incidência forte da presença de militares, o mesmo acontecendo no golpe de 19 de Outubro de 1921. Por seu turno, no de 18 de Abril de 1925 estiveram inerentes dois grupos: o Centro Nacionalista Lusitano e a Acção Moralista Portuguesa., entrando os militares na esfera política. E ao caracterizar o golpe de 28 de Maio de 1926, o Prof. Castro leal que nele estiveram implicados republicanos-conservadores, monárquicos e proto-fascistas. Para comparar os quatro golpes, o Prof. Castro Leal analisou três pistas: a constituição da Junta Revolucionária, a doutrina e as suas ideias e quem ganhou as eleições após o referido golpe.

Prof.ª Irene Pimentel
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“A repressão salazarista: da institucionalização à acção”

Estabelecendo inicialmente ligações da fase da Ditadura Militar, esta com a sua Polícia Especial de Informação, com o Estado Novo (PVDE/PIDE), ambas as polícias com as suas actividades de vigilância e de repressão, passando pela classificação dos presos, a Prof.ª Irene Pimentel avançou três tópicos para discussão, nomeadamente: Foi a Polícia eficaz? Realizou detenções maciças ou relativas? O regime deveu a sua longevidade à PIDE? A PIDE como um estado dentro do Estado?



Prof. Luís Farinha
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“Ditadura militar e violência política: depuração e repressão da resistência republicana reviralhista (1926-1933)”

“Portugal é uma nação mais preparada do que a Itália e do que a Espanha para suportar um fascismo sem Mussolini e uma ditadura sem Rivera.”

Ramada Curto


O Prof. Luís Farinha propôs quatro temas reflexivos: reflexão sobre violência política, o que foi o período anterior anterior a 1926 a 1933, a fase inicial da ditadura militar (desmantelamento da oposição) e, finalmente, a análise às instâncias de violência que são instrumentalizadas. Desta forma, se a violência política ocorre em todos os estados (legalidade), dentro do quadro político constitucional, contudo, a criminalização da política não é aceite em democracia, mas sim em regimes ditatoriais. Apontou três tipologias inter-relacionadas: violência do Estado ditatorial, violência defensiva e violência revolucionária. Na fase inicial da ditadura militar, o Prof. Luís farinha apontou as seguintes características, ou campos de intervenção: estado de excepção inconstitucional, inutilização das instituições democráticas (Partidos Políticos, Congresso, Instituições), depuração, prisão deportação dos líderes políticos, ataques aos funcionários públicos, desmantelamento dos sindicatos livres e dificultação das greves, do associativismo cívico e cultural, controlo sobre a imprensa livre e incómoda (censura), controlo económico e social (salários, emprego, etc.). No campo das instâncias, surge a substituição das leis do Estado por leis avulsas sem bases constitucionais (administrativas, policiais, judiciais), analisando então as prisões políticas e as deportações, assim como os destinos, as revoltas, e as acções dos Tribunais Militares Especiais. Finalmente, analisou o advento da nova ordem nos seguintes tópicos: violência massificada, mas selectiva e preventiva, assim como punitiva; a degradação da democracia republicana, desmantelando, numa primeira fase, a ditadura o Estado de direito e constitucional republicano e, numa segunda fase, instrumentalizou a violência, impôs o medo e imobilizou a sociedade cívica pelo silenciamento das suas instituições e das vozes livres (republicanos, socialistas, maçónicos, sindicalistas, anarquistas, comunistas ou liberais).


Prof. João Madeira
Instituto de História Contemporânea
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
“Violência e repressão em meio operário durante o Estado Novo”

O Prof. João Medina analisou, num primeiro momento, o controlo e a punição da PIDE face aos grupos sociais, desmantelando as associações num sistema repressivo, não só para prevenir, mas também para punir os prevaricadores, contendo então organizações para-militares e policiais no terreno. Analisou o ciclo grevista dos anos de 1942 a 1944, salientando o modelo organizativo das organizações clandestinas, contendo comissões por fábricas (modelo organizativo ligado ao Partido Comunista), contendo o movimento operário uma vigilância apertadíssima. Contudo, o prof. João Madeira defendeu que o aperfeiçoamento, a complementariedade institucional não fez com que o regime obtivesse o controlo desejado das organizações clandestinas, já que esteve longe de ser eficaz e perfeito.


General Pezarat Correia
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
“A violência política: do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975”

Partindo da tese de que o 25 de Abril surgiu num contexto violento, tal contexto explica o processo violento seguinte, o General Pezarat Correia analisou alguns paradoxos do 25 de Abril, a saber: num plano estratégico, o 25 de Abril não foi violento; tacticamente, potencialmente violento e relativamente à conduta dos miliatres salientou que foi uma conduta não agressiva e não violenta no acto fundador do 25 de Abril. O segundo quadro que analisou, foi relativamente ao 25 de Abril em Portugal e nas colónias, nomeadamente em Portugal durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC) e nas colónias, que foram as questões do fim à guerra e as independências. Um outro quando a ser analisado pelo general Pezarat Correia foram os momentos que puseram em risco o 25 de Abril, nomeadamente com os tópicos da Fragata Gago Coutinho, a Ribeira das Naus, o Forte de Peniche, o Largo do Carmo, que considerou como o momento culminante, e os acontecimento na sede da D.G.S. Um outro tópico a ser analisado foi, precisamente, a consolidação do golpe de estado, face aos movimentos do 28 de Setembro (“A Maioria Silenciosa”), do golpe de estado à revolução, com o 11 de Março, e a agudização revolucionária com o 25 de Novembro (“Verão Quente”). Concluiu que a violência foi persistente, mas controlada; houve momentos sensíveis (caso do 11 de Março e do 25 de Novembro), violento nas colónias de Moçambique, Angola e Timor, estando nas duas primeiras o 25 de Abril em risco.





Sessão de Encerramento
Dr. Leonel Rocha
Vereador da Educação e Conhecimento

Terminámos mais um encontro que pelo agitar de conhecimentos daqui imanados, se chamam de Outono. Iniciámos por contextualizar a violência na História, indubitavelmente a violência faz parte de forma decorrente da História e marca os momentos mais significativos da mesma. Ficámos a saber, ou confirmámos, que a violência e os conflitos e os atritos se fundamentam em ideologias que combatem poderes instalados, ou conotados com o “status quo”, que impede diversas mudanças, que, no entanto, se vão implementando com mais ou menos violência. A própria liberdade é, muitas vezes, o motivo, ou a justificação para actos violentos. Revisitámos a violência de uma classe, que desde sempre se tem notabilizado por estar devidamente organizada, para lutar pelos seus direitos, recorrendo ou sendo objecto de violência, que é o operariado. As suas lutas são decorrentes independentemente dos regimes e das políticas vigentes, desde que sintam os seus direitos violados. Analisamos a violência durante toda a República e seus principais personagens, em momentos como a violência sidonista, como na década de 20, destacando ser a singularidade dos acontecimentos. Não podíamos deixar de abordar o período da ditadura militar de Oliveira Salazar, que acentuava os seus métodos organizativos na repressão e na violência. Terminámos os “Encontros de Outono” com análise da violência mais latente que evidente, e mais resultada da violência anterior, com o regime salazarista e ditatorial, acompanhada pela violência e não desejada e desgastante da Guerra Colonial, que foi a Revolução do 25 de Abril, curiosamente ocorrida e conhecida como primavera revolucionária. Porém, a partir das palavras de alguém que, para além, de estudar o assunto, também foi actor nesse momento histórico, aprofundamos conhecimentos acerca do período de consolidação e instauração da nossa democracia, que se dá precisamente no Outono de 1975. Mais uma vez, os “Encontros de Outono” cumpriram os desígnios a que se propõem: a reflexão e o contributo para os conhecimentos da História, de modo particular no período da República, ou das “Repúblicas”, sempre com o horizonte da excelência. Para além da pertinência académica que faz deste evento uma marca de excelência, estes “Encontros de Outono” tiveram o mérito de as suas reflexões serem pertinentes a nível social, para nos alertar para os momentos perturbados em que vivemos. Na História, a violência é recorrente. Cabe-nos conhecer e interpretar tais factos para evitarmos cair em circunstâncias similares que levem à violência, que quando surge nunca afecta só os envolvidos, há sempre danos colaterais

Encontros de Outono 13 - III



Prof. Miguel Dias Santos
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
“Ó Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome: violência política e contra-revolução na I República”

O Prof. Miguel Dias Santos apresentou a tese da violência dos republicanos sobre os monárquicos, e, ao mesmo tempo, nos processos contra-revolucionários, da violência dos monárquicos contra os republicanos. E se a ameaça contra-revolucionária se manifestou entre o real e a ficção, o papel teórico, e prático, da Revolução Francesa teve o seu momento evidente com os republicanos, perante os imperativos éticos da revolução, só o amor pela Pátria reforça o valor colectivo para o ideal da liberdade. A teoria jacobina francesa vai estar implicada nos primeiros tempos da I República, particularmente nos Batalhões de Voluntários ou nas Milícias Republicanas, grupos com elementos da Carbonárias, organizações dos patriotas portugueses para a defesa dos inimigos, mantendo um papel de vigilância, colaborando com o regime. Desta forma, a violência teve uma certa institucionalização por parte do regime, realizando esses grupos não só a vigilância, como igualmente faziam aprisionamentos de cidadãos, eram encarcerados, muitas vezes sem culpa formada. Tal situação teve eco na imprensa estrangeira, principalmente na inglesa. Na expressão monárquica, surgiu “a crise do medo”, com exílios forçados, numa debandada de famílias aristocratas entre 1911 a 1913. O mesmo iria surgir no papel contra-revolucionário dos monárquicos perante os republicanos, particularmente nos tribunais de excepção. E se com os republicanos, ao nível da imprensa, é feita a censura aos jornais monárquicos, o mesmo se passará com os monárquicos face à imprensa republicana. O Prof. Miguel Dias Santos terminou a sua conferência aludindo o contributo dos monárquicos no seu papel historiográfico, cujos historiadores vão dar origem à historiografia do Estado Novo.


Prof. Paulo Guimarães
Universidade de Évora
“A violência nas relações entre o operariado e o poder político republicano
(1910-1926)”

“A violência como resposta à força”
                                                                                                      Sorel

Para o Prof. Paulo Guimarães, a I República (1910-1926) não foi só o culminar dos processos conflituais complexos enquanto continuidade da Monarquia Constitucional, como teve a emergência de formas de violência de protesto público moderno, a partir de baixo, surgindo enquanto fenómeno social desestabilizador, que só seria resolvido politicamente no Estado Novo. Neste fenómeno social, aparecem não só as suas contrariedades específicas, como disciplina laboral perante a violência patronal, a acção colectiva que será a greve operária, e que vai gerar a violência organizada e espontânea, verbal e física, atentado à propriedade, a sabotagem. Esta violência organizada vai ser importante na estruturação da comunidade como colectivização. Por outro lado, este sentimento de violência resulta da propaganda que constrói as imagens simbólicas dos seus actores e actos. A violência resulta também do sentido de honra, buscando o operário a honra republicana. Por outro lado, a violência exercida pelo Estado surge como monopólio de coacção. A República surge assim não só como repressiva, mas como igualmente como ruptura com o movimento operário, sendo este o inimigo da República, pelos ataques bombistas, as greves, atentados às pessoas e às propriedades. O movimento operário surge assim como inimigo da ordem republicana.
  
Prof. Miguel Nunes Ramalho
Academia Militar e ISCTE/IUL
“A Violência Sidonista”

Defendendo a tese de um complemento, de um continuado do período de 1917 da violência vinda da I República, o Prof. Miguel Nunes Ramalho focou não só a figura emblemática e paradoxal, como igualmente mítica, dando uma resenha biográfica, de Sidónio Pais. Concentrando a violência no seu sentido prático, tal verificou-se com a crise de subsistências, na “Revolta da Batata”, no revestimento de formas de luta pelo movimento sindical em constantes convulsões sociais, principalmente no assalto às padarias. As greves (greve da construção civil, greve do pessoal dos correios, greve dos caixeiros, a greve geral, operários dos tabacos, ferroviários), acentuaram-se cada vez mais, vindo então o apoio de Sidónio dos grupos civis, os quais vinham da “República Velha” para a “República Nova”. Ao lado desta situação social, Sidónio Pais criava então a sua propaganda sidonista, nomeadamente com as suas viagens presidenciais, defendendo o presidencialismo face ao parlamentarismo, à multidisciplinariedade partidária.


Prof. António José Queirós
Centro de Estudos do pensamento Português
Universidade Católica Portuguesa (CEPP-UCO)
“A violência política na década de 20”

Propôs analisar as fases revolucionárias e contra-revolucionárias nos anos de 1920 e de 1921, partindo o Prof. António José Queirós do princípio que as ideias defendidas pelos pais fundadores da República praticamente tinham então desaparecido. Para além da instabilidade política, a sociedade surge contra o Estado e as instituições, surgindo a violência como uma espécie de contra-face (caso do “Grupo dos 13”. Apontando algumas características, caso do aparecimento dos militares que aparece agora com força governamental (caso do exército e da G.N.R.), foca o 21 de maio de 1921 como uma tentativa revolucionária sem vítimas: mais do que uma revolta, foi uma reclamação. Por outro lado, com o 19 de Outubro de 1921, a célebre “Noite Sangrenta”, nas palavras de Raúl Brandão “a noite infame”, o Prof. António José Queirós avançou que se a “República Nova” morreu com o assassinato de Sidónio Pais, o regime republicano terminou moralmente com a “Noite Sangrenta”.


Encontros de Outono 13 - II



Prof. Fernando Catroga
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
“Violência e História”



 “Hoje há uma abundante produção reflexiva sobre o tema, particularmente da violência, desde o campo da História, no campo da Sociologia, no campo da Antropologia, no campo da Filosofia (e até no campo da Biologia, basta lembrar os estudos de Konrad Lorenz). Isto para dizer que estamos perante uma temática, se nós quisermos ver, há cruzamentos necessários para compreendermos os objectos específicos das investigações, isto é, estamos perante uma questão transdisciplinar. Mas, por outro lado, como acontece nestes domínios das ciências sociais e humanas, há sempre uma dificuldade de conceptualizar, de encontrar uma definição que consiga um amplo consenso, ou, pelo menos, quando há esse consenso, não deixe janelas abertas, para se poder indicar que, afinal, essa definição nunca é totalizadora e abarca sempre lacunas. Claro que as dificuldades ficam mais acrescidas quando se procura relacionar a violência com a política; e, sobretudo, quando se quer uma definição de teor político: se a política se remete, afinal, para a velha definição de Polis, da ideia das sociedades pautadas por normas escritas, ou não, também de carácter jurídico, e que enfatizem os fins que se ultrapassam a simples materialidade da garantia da vida e da regulação da própria vida (como nos diz Ana Harendt, o homem passa a ser político, ou é político essencialmente quando fala, discute, permuta ideias e toma decisões), a dificuldade aumenta ainda muito mais, porque muitas vezes confundimos o político com o político propriamente dito, quando chamamos à discussão as formas mais orgânicas, ou que a um tempo as sociedades se foram realizando. As dificuldades aumentam ainda mais, se nós quisermos ler nos dicionários e ver as definições que nos são dadas sobre a violência, que é o tema que aqui vou propriamente definir. Para Littré, a violência é uma força que pode ser levada contra as leis, ou contra as liberdades públicas, ou como o constrangimento exercido por alguém para coagir ou obrigar esse alguém. Os dicionários portugueses do século XIX e XX, caso do Moraes, referem a ideia de força, grande impulso, força exercida contra o direito, coacção, constrangimento, ou ainda transgredir. Ora, todas estas acepções ligam a violência a qualquer coisa de físico, uma espécie de atentado a um “Eu” corporal, e onde o surgimento das caracterizações são altamente discutíveis no que diz respeito à sua aplicabilidade. De facto, a violência é um discurso ou uma acção agressiva, ou destrutiva, por parte de uma pessoa ou grupo, em relação a outra pessoa ou grupo? Ora, convém dizer que, por um lado, não há uma inteira coincidência entre força e violência. Embora convenha chamar a atenção que se formos à origem da palavra, o “vi” e o “vis, de força, dá violência, como dá violador e dá violação. Portanto, é indiscutível que há uma componente, digamos assim, energética da violência, por um lado, há uma fisicalidade e uma corporeidade inerente ao acto violento, portanto, uma relação de autoridade tensa, mas, por outro lado, é evidente que também há uma auto-violência da autoridade; e nem sempre a violência assume a forma de discurso ou de acção. Também pode ser exercida por omissão, pode ser exercida dobre as pessoas, mas também sobre o património, ou sobre a própria natureza. Por outro lado, a violência, se a levarmos para uma leitura simplificalista, ela pode sugerir que é algo que possui uma visibilidade inerente: ninguém vê, mas ela deixa vestígios suficientes (e depois o direito do monopólio da violência vai desenvolver os seus processos, ou o próprio historiador nas suas investigações vai descobrir), mas há também uma espécie de violência invisível, cujos efeitos foram sendo impossibilitados pela violência física, e há também uma violência simbólica, que pode ser perpetrada em termos físicos (na I República há uma violência iconoclasta, onde a violência directa é sobre os símbolos), e este tipo de violência simbólica pode ter uma expressão de invisibilidade. A análise fica mais complexa, quando nós usamos como conceito mais amplo de política, porque se reduzimos a questão da violência-política àquilo que podemos chamar o Estado, o monopólio da coacção jurídica activa, principalmente no Estado moderno, também podemos não perceber aquilo que, afinal, principalmente através do estudos de Michel Foucault, essa violência tanto pode vir de um macro político, como pode vir expressamente visível, como pode vir de uma experiência micro, não só numa escala político-administrativa, mas também uma violência infringida no próprio corpo; e mais, uma violência de que já não é propriamente violência, no sentido próprio do termo, ela está integrada, faz parte daquilo que podemos chamar o bio-poder, o recalcamento da violência.

Esta é a minha primeira inquietação que gostaria de para aqui trazer e verificarmos que estamos num quadro complexo; e que os historiadores, particularmente, devem ter em conta a complexidade deste quadro. Será útil frisar que toda a violência acaba por ser uma manifestação que remete para a ideia de força. De qualquer modo, já foi sublinhado, que nem toda a força é violenta. Há que não confundir força com violência, porque “a força obriga, enquanto a violência oprime”; ou ainda, “a violência é o grau extremo da força” (Julien Freund). Por isso, o uso da violência tende, nas nossas sociedades secularizadas, a uma sujeição instrumental à racionalidade e, sobretudo, à inferiorização, que caminha à parte, com a institucionalização das formas de revelar a violência de maneira a transformá-la em conflito, e convinha aqui não confundir violência com conflito: nós podemos dizer o que é comum associar-se à violência como uma espécie de algo que remete para a animalidade do homem, o que equivale a dizer é que tem algo a ver com a irracionalidade do que com a racionalidade, tem mais a ver com a insociabilidade do que com a sociabilidade, tem mais a ver com a harmonia social do que com a sociabilidade informal ou formal das sociedades (Durkheim). E quando a mediação passa a ser essencialmente político-jurídico, tem mais a ver com ilegalidade do que com a legalidade. Sim, isto é verdade, mas julgo que precisamos de ir um pouco mais longe. Tanto mais que a violência também pode legitimar-se com argumentos que os seus propagadores e defensores reivindicam com o estatuto da racionalidade, pretendendo conduzir à razão aqueles contidos por estarem ou no obscurantismo ou na menor razão. Isso é muito claro quando a violência é racionalmente integrada como perfil essencial do próprio dinamismo histórico e, portanto, a dicotomia entre racionalidade e irracionalidade também precisa de passar pelo criso da política, sobretudo naqueles que acham que tudo que deve ser racional precisa de ser aloeirado pelas dúvidas metódicas. A violência não pode ser eduzida há acção física, criminalizada, característica típica da fase em que o Estado tem o monopólio, ou procura ter o monopólio da violência, porque significava não levar em conta as dimensões conflituosas em emergência de violentas, que estão para além daquelas, que o próprio Estado de direito prevê, ou aquelas que o próprio Estado de direito repulsivamente pode actuar. Por isso, onde é que há violência? Há violência quando numa situação de inter-acção, a violência no seu dinamismo com um ou vários actores agem de maneira directa ou indirecta, numa acção concentrada ou dispersa, prejudicando um ou vários outros, tendo alvos variáveis na sua interioridade física ou moral, nos seus bens, participações simbólicas e culturais. A violência é, pois, e aqui entro noutro tema, uma orientação social. Diria mais: sem violência não há sociedade, assim como sem suicídio não há normalidade social. É tudo uma questão de grau. A violência é fundante do social, porque é fundante do sagrado. Aliás, como confirmam as grandes cosmogonias que nos chegaram através das narrações míticas (transversal a todas as religiões). Todo o ritual do sacrifício revive, mataforiza, representa a violência fundadora, conseguindo, assim, assegurar a paz no seio do mundo. A violência contra o ritual é a única violência que domestica a violência, que não suscita a obrigação da vingança e que sobre ela podem ser descarregadas as tensões sociais. E, por isso, é que, de facto, estes mecanismo de recalcamento real, que está sempre adormecido nas sociedades, poderemos dizer que nas religiões, e depois no Estado, que no fundo, é o sucedâneo do religioso. São fórmulas que tem mais semelhanças do que há primeira vista possa acentuar. Daí que também se discuta das razões da violência; e quais são elas? Há uma explicação que é mais contemporânea, que tende a não ir aos arcanos desta explicação e que essencialmente tenta explicar a violência como contradições de carácter social. Sem dúvida, é com as sociedades industriais que levaram isso mesmo até às últimas consequências, a secularização dessas sociedades puseram o social e o político como uma espécie de autosuficiência fundante daquilo que é dessas mesmas sociedades. Mas julgo que há algo mais de subterrâneo naquilo que é mais vulcânico nessas sociedades que são mais conflituosas e aí vamos ver, precisamente, a inclusão de todos os níveis de violência e talvez condensadas na socialização de velhos princípios que já vamos encontrar nos seus gérmens, quer nas grandes narrativas míticas, que nas visões do mundo ocidental que tentou explicar a motricidade das sociedades. Esta tese tende, no fundo, por um lado, a valorizar algo que é fundamental, e que julgo vai ser o tema fundamental destes Encontros, a violência política, a violência social, mas também a violência simbólica, sobretudo na violência social, e, para ser coerente, acho que apesar de tudo, essa realidade ganha, se nós recrutarmos um tema que tem de ser encarado, porque não há, não conheço uma sociedade que não tenha sido violenta: criar a ilusão de que se o Estado super-industrializado é violento, é não perceber quais são os seus limites, para, no fundo, desnaturalizar o fundo da violência, ou então qual é a capacidade que têm alguns dos seus prognósticos precisamente optimistas, segundo as quais uma vez que as suas responsabilizações sociais, sejam para que as sociedades não sejam violentas. isto é, saber se, afinal, estamos perante uma utopia, ou se há utopias realistas, no que diz respeito àquilo que, também se pode inferir, levando em conta, o “fundo pulsional” (Freud), o conflito entre o construir e o destruir, entre a natureza e a cultura, assim se consegue resolver naquela idealizada e esperançosa paz perpétua que Kant sonhou. Por causa disto, por todos aqueles que acham que sim, que esta explicação sociológica deve ser levada em conta, mas ela não pode escamotear, por um lado, o fundo natural que existe no homem (o homem continua a ser um animal), há sempre um fundo violento no ser humano na sua relação com o outro que, sem se cair na apologia do lobo do homem contra o homem, que uma certa teoria do contrato social da modernidade pretende proferir, e mesmo que seja para defender a ideia (como acontece mesmo no próprio Freud), segundo a qual, a animalidade de que o homem é, pode de facto trazer acréscimo de civilização, não para definitivamente anular essa besta que está em cada homem, mas precisamente para esse esforço permanente do homem vencer a natureza. Estamos aqui perante uma tese que não dá uma origem exclusivamente sociológica ou histórica à violência, mas que, ela, só por si, não vai cair numa visão pessimista. De qualquer modom confesso que não devemos confundir violência com o conflito, e vejamos Georg Simmel: “O conflito e a agressão desempenharam um papel positivo contribuíram para a construção do social.” Um sociedade sem conflito é impensável. E, portanto, a questão da violência é uma questão de grau (de quê?) do conflito. Esta é uma questão que se pretende quer com as sociedades abertas, quer com as sociedades fechadas, ou com as utopias irrealizadas, ou as chamadas utopias concretizadas. Em suma, já o velho Heraclito dizia que a guerra é a origem de todas as coisas. Diz isto, porque estava a passar para uma linguagem filosófica, estava a racionalizar uma longa tradição que vinha do pensamento mítico. E se formos agora analisar a estrutura fundamental dos grandes mitos, o que é que nós encontramos? Os grandes mitos serão sempres cosmogonias; e o que é que nesses grandes mitos (na Índia, na China, na tradição grega, pagã) encontramos é uma História (e agora vamos entrar na História) da génese do mundo, não digo na criação do mundo, como os filósofos dizem, o processamento do mundo, onde geralmente esta génese é uma narrativa que tem personagens antitéticas, onde geralmente uns representam o princípio do bem e o princípio do mal, o princípio da luz e o princípio das trevas, o princípio da forma e o princípio da disforma. No princípio era o caos é, em última análise, o ponto de partida, dessas grandes narrativas, que dá origem ao cosmos, que significa ordem, e é nesse cosmos que emerge o homem. Numa coabitação com as divindades. Outra ideia fundamental para a ideia de História, que é a imediata degradação trazida pelo tempo, isto é, a luta gera o mundo, mas o tempo corrompe. E, portanto, a teoria das idades nestas cosmogonias, os critérios de classificação foi feito pela qualidade dos metais (no Cristianismo a Idade do Ouro corresponde ao paraíso), mas inevitável e inexorável e necessariamente vai ser degradada até chegar à idade dos Homens, propriamente dita, que é a idade da penúria, que leva a que haja um conjunto de práticas rituais para anular o tempo e que para, nem que seja, para usufruirmos esse poder pleno da nostalgia que se tem das origens. Aqui, duas ideias: primeiro, é a luta, é do combate que nasce o tempo; em segundo lugar, o tempo corrompe. Não podemos dizer que o pensamento grego e romano tenha alterado substancialmente esta questão. É sabido, que a visão judaico-cristã vem trazer algo diferente. Ao lado da ideia da criação, Deus criou igualmente o espaço e o tempo, que passaram a ser finitos e passaram a os homens a ter expectativas, da espera, da esperança, da escatologia, ou da verdadeira salvação. E porque é que a História, na visão judaico-cristã. Continua a ser sofrimento? A História começa com o pecado de Adão e a luta entre Abel e Caim. Cá temos a luta que é uma espécie de peregrinação no tempo, no tempo finito, e a salvação possibilitada +ela audição da boa-nova trazida por Cristo. Também aqui não deixamos de ter a ideia de luta, a ideia de violência, senão o parricídio é pelo menos a luta entre irmãos, a ideia de sofrimento e a ideia de salvação, que já não é meramente ritual, ou a aparência de que o ciclo possa regressar ao ponto de partida. É uma visão escatológica. No Humanismo, cada vez mais a História vai ser entendida como um progresso, o crescente questionar da narrativa, mas num tempo finito, e a modernidade vai infinitizar o tempo e o espaço e vai substantivizar o homem, porque o homem passa a ser ele o motor da História, o demiurgo da própria História, o iluminismo vai consagrar isso mesmo. Mas a verdade é que, para explicar este dinamismo crescentemente distinguido das teses providencialistas de qualquer motor exterior à própria História, mas sendo inerente à própria História. A ideia da motricidade histórica, que vai ser típica da modernidade, e que vai ter na ideia da violência histórica, ou da guerra, ou da luta, a sua grande metáfora explicativa, essa ideia vai ser de facto inscrita nas grandes narrativas agora autossuficientes e secularizadas e crentes durante os atributos agora quase divinizados do ser humano, particularmente na capacidade perfectiva do homem, na ideia do progresso indefinido, ou infinito, na ideia de que o homem racionalmente pode compreender a razão da História e pode através da sua razão transformar a História, que vem acentuar a ideia da práxis, da acção, e que vai criar a figura do revolucionário, o qual só podia nascer do conceito da revolução. E o novo conceito de revolução só podia surgir num quadro de progresso indefinido e, simultaneamente, porque se não podia levar a um fatalismo, na crença de que, mesmo quando se acentua que a História tenha as suas tendências objectivas, através do conhecimento o homem pode acelerar a História e lutar para que o futuro chegue mais cedo. Ora, as revoluções modernas vão ser isso mesmo; e nos seus principais momentos, vai por no motor da História a contradição, a luta e como momento parturiante da História a ideia de sofrimento e a ideia de violência."



Encontros de Outono 13 - I

XVI
ENCONTROS DE OUTONO
2013
“VIOLÊNCIA E PODER POLÍTICO
(1910-1974)”



SESSÃO DE ABERTURA
Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão
Dr.º Paulo Cunha

“Bernardino Machado teve uma propensão para a investigação. Queremos que este incentivo à investigação seja uma imagem de marca do nosso município. Queremos criar bons hábitos para a investigação. Até porque, quem quiser fazer uma tese, um estudo sobre a I República tem que vir a Famalicão, ao Museu Bernardino Machado, conhecer a sua obra.”


Prof. Norberto Cunha
Coordenador Científico do Museu Bernardino Machado




“O tema deste ano dos “Encontros de Outono” é a “Violência e o Poder Político”. É um tema aparentemente trivial, não só pelo Estado ter o monopólio da violência legítima (como disse Max Weber), e mantém a coesão social, graças a uma violência potencial, ainda que limitada, mínima, mas porque esse monopólio não impede que surja numa sociedade focos de violência, gerada ou por movimentos terroristas, ou por grupos de massas descontentes que, frequentemente, têm o conflito como desenlace quando a sua acção ultrapassar determinados limites. Mas se a violência, que em sentido restrito, se caracteriza por modificações danosas, já a violência do poder político nos deixa muito mais apreensivos, pela magnitude e pelas consequências dos seus efeitos. O poder político, que detenha o monopólio da violência legítima, não se confunde com ela, nos comportamentos dos seus destinatários., A violência, de per si, muda o estado e o corpo ou das suas possibilidades ambientais ou instrumentais. Naturalmente que a intervenção física pode ser utilizada por um meio para exercer o poder político, isto é, intervindo sobre a vontade dos outros, pode-se obter hipoteticamente qualquer conduta externa, ou interna, tanto numa acção como numa omissão, tanto no querer, como no não querer, mas a violência só pela violência, isto é, pela intervenção sobre o corpo do outro, apenas se pode obter numa omissão: imobilizando ou encarcerando a vítima, podemos impedi-la de realizar qualquer acção socialmente relevante, alterando o seu estado físico, nem sequer podemos induzir a fazer algo socialmente relevante. Há que ter em conta a distinção entre a violência e o poder político; e ainda que se possam implicar, essa implicação, implica uma distinção entre a violência em acto e a ameaça da violência. Esta distinção é importante nas relações do poder coercitivo, a violência intervém sobre a forma de punição, apenas quando a ameaça não alcança o seu fim. A violência política não é, portanto, um fim, mas um meio. Não é, pois, a violência do poder político que aflige propriamente os cidadãos: essa violência é parte do poder político, não é o seu fundamento. A sua utilidade também advém de um amplo consenso, expectativas de valores; mas a violência do poder político tem o monopólio da violência: dizer que ela é o seu meio específico e literalmente exclusivo, se é verdade, não é afirmar que a violência é o fundamento exclusivo, nem o principal fundamento do poder político. E está longe de ser aceitável que o motor da violência seja o único motivo pelo qual os membros de uma comunidade obedeçam às ordens de um Governo. Quando se qualifica legitima a violência que o Governo monopoliza, indica-se apenas uma certa zona de consenso, e se a legitimidade da violência exercida dentro e certos limites, não é apenas uma pretensão dos governantes, é também, digamos assim, uma intenção dos governados, tendo a sua adesão. Por isso se pode dizer que o poder político se funda, em parte, sobre a violência e, em parte, sobre o consenso. O consenso baseia-se, em parte, na prossecução dos interesses próprios, mais ou menos estabelecidos entre os cidadãos, em parte sobre a crença em determinados valores. O conflito surge quando este consenso é desmoronado, e só resta ao poder político e aos cidadãos a violência. Então perguntamos: como se justifica esta violência, quando efectivamente os fins justificam os meios e se esboronou? A escola jus-naturalista justifica a violência como um meio ao serviço de determinados fins, sejam justos ou injustos, mas não regulamenta essa relação entre meios e fins. O mesmo não acontece, por exemplo, no direito positivo, onde efectivamente há uma regulamentação dos meios, dos quais há uma legalização a utilizar para a sua aplicabilidade. A questão que se põe é a seguinte: até que ponto, manobrando-se os fins e justificando-se a violência enquanto meio, ela continue dentro da esfera do direito. É uma questão, hoje, de uma enorme impertinência, levantada pela primeira vez, nos tempos mais recentes, por Walter benjamin, tendo sido já levantada igualmente por Sorel, que dizia que, afinal, esta legalidade e as condições da sua aplicabilidade, mesmo numa relação em que os fins se malogravam, acaba por ser um logro, acaba por ser uma patologia do poder, um expediente para o poder se autoconservar-se e, portanto, uma violência imoral; e isto põe em causa o monopólio da violência legítima do Estado. Esta questão da violência do poder político não é, pois, uma questão tão trivial: deparamo-nos com ela no dia a dia, estamos com ela permanentemente."




sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Os Cem Anos do "Olympia" (23 Nov. 1913)


O filme que no dia 30 de Novembro os famalicenses vão poder ver, “The Kid”, numa produção do Cine-Clube de Joane e da Casa das Artes, e com a música de “Bueno.Sair.Es”, é um momento histórico. Momento histórico não só por “The Kid” pertencer à filmografia de Chaplin, como também pelo facto de o mesmo filme ter sido apresentado aos famalicenses no Salão Olympia (o qual foi inaugurado em 23 de Novembro de 1913) no dia 2 de Março de 1924, com o título “O Pobre Miudinho” ou ainda “O Garoto de Charlot”. A aventura cinematográfica em V. N. de Famalicão começou em 1908, quando Duarte Aguiar & Guedes, patrões da Confeitaria com o mesmo nome, resolveram inaugurar no velho barracão do Campo da Feira em 28 de Maio de 1908 o “Cynematographo Pathé”. Segundo a imprensa da época, o “Pathé” teve várias inaugurações, sendo a oficial em 18 de Junho de 1908, com o filme “A Vida de Cristo”, entre outros. Na parte final da sua existência, o “Pathé” teria a explorá-lo a Empresa Quintela (Maio 1910) E António Augusto da Silva (Junho 1910), mas sem êxito. Os cinéfalos famalicenses ficariam sem ver as “projecções luminosas” apenas durante alguns meses, até porque em 24 de Novembro de 1910 seria inaugurado o “Anymatographo Avenida”, de Artur Garcia de Carvalho e António Dias Costa, no edifício da “Typographia Mynerva”, numa sala com capacidade para mil espectadores. Estes mesmos cavalheiros seriam os patrões do “Olympia”, o qual já funcionava em finais de Julho e princípios de Agosto de 1913, para em 23 de Novembro se efectivar a sua inauguração. Álvaro Carneiro Bezerra aparece como proprietário em 1916, tendo como sócio, segundo informação da imprensa famalicense da época, Luís Terroso, surgindo em Maio de 1919 a explorá-lo a Empresa Cine Doret, retomando novamente Bezerra a exploração económica do “Olympia” em finais do mesmo ano. Por seu turno, em Maio de 1935, o “Olympia” terá um novo proprietário, Manuel Caetano da Silva, ficando até ao final do ano, solicitando ainda a Armindo Pereira sociedade para a exploração cinematográfica. Será só em Outubro de 1936, não havendo cinema desde Janeiro, que V. N. de Famalicão terá de novo projecções cinematográficas, quando, uma vez mais, Álvaro Carneiro Bezerra e Vasco Simões ficarão com o Olympia até Abril de 1962. Inaugurando o sonoro em Janeiro de 1931, o “Olympia” teve a sua concorrência: a primeira, foi a do Cine-Teatro Pathé-Baby (1925-1927), da Associação Vinte Amigos Flor de Famalicão (Senra, Calendário) e a segunda com a inauguração do Teatro Narciso Ferreira (Riba de Ave), em 1943. Paralelamente, e timidamente, para além da época normal da actividade cinematográfica, a época de Inverno, foram surgindo as primeiras projecções fílmicas na época de Verão ao ar livre: em 1935, pelo Grupo de Amigos dos Bombeiros Voluntários, no Campo da Feira; em 1936, pelo mesmo Grupo, na Avenida da República (Parque de Diversões) e em 1937 também tivemos de novo cinema ao ar livre na esplanada do Barreiro. Sem polémica, o “Olympia” fecharia as suas portas, para logo de seguida, com pompa e circunstância, ser inaugurado o Cine-Teatro Augusto Correia. Mas isso é outra história, assim como é outra história o inventário, e o seu estudo, dos filmes que o “Salão Olympia” passou ao longo dos seus cem anos de existência, o comportamento do público, entre outros acidentes de percurso.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

"Cem (e mais alguns) Anos de Livros"


O livro “Cem (e mais alguns) Anos de Livros”, de Amadeu Gonçalves, numa edição das Edições Húmus com o patrocínio da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão e o apoio da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, será apresentado ao público no próximo dia 6 de Dezembro de 2013 na referida Biblioteca, pelas 10h15. Este livro, inserido no programa nas comemorações do Centenário da Biblioteca de V. N. de Famalicão (a qual foi fundada no dia 5 de Outubro de 2013 no âmbito do 3.º Aniversário da Implantação da República em Portugal) será apresentado por Henrique Barreto Nunes (o qual realiza uma introdução) no âmbito da actividade da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão com a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco (em parceria com o Centro de Formação da Associação de Escolas de V. N. de Famalicão e do Grupo de Trabalho das Bibliotecas de Famalicão), a qual se denomina Encontro de Serviços de Apoio às Bibliotecas Escolares. Este ano, que será a sexta realização do referido encontro, terá como temática “A Biblioteca e as Literacias do Século XXI”, realizando-se nos dias 5 e 6 de Dezembro próximos.
“Cem (e mais alguns) Anos de Livros tem cinco capítulos. O primeiro, “Da Intenção do Gabinete de Leitura Pública à Biblioteca Escolar (1898-1908), ao focar a polémica no jornal famalicense “Estrela do Minho” sobre a educação e a instrução, retrata as reivindicações de uma Biblioteca para V. N. de Famalicão desde 1902 e do caminho que a Biblioteca Escolar percorreu até à sua inauguração em 1908, nas antigas Escolas do Conde de S. Cosme do Vale. O segundo capítulo, “A Leitura Pública na I República (1911-1926)” é uma viagem por várias temáticas perante o Decreto republicano de 18 de Março de 1911: os doadores, o encanto e o desencanto do novo equipamento cultural, a camiliana (uma preocupação constante dos seus fundadores, destacando-se, inquestionavelmente, Sousa Fernandes) e o fundo inicial, o qual é invulgar a sua existências nas Bibliotecas. No terceiro capítulo, “O Ideologismo da Leitura (1926-1974), foca-se a ideia da Biblioteca-Museu nos primórdios do Estado Novo, a polémica entre 1942 a 1949 sobre as instalações, a falta de aquisição de documentação para enriquecimento do fundo inicial, etc., a Biblioteca Itinerante n.º 8 e a 114.ª Biblioteca Fixa da Gulbenkian (serviços que vieram revolucionar a leitura pública em V. N. de Famalicão face à apatia da Biblioteca Municipal), a inauguração do novo espaço físico em 1961, as doações de Nuno Simões e a de Vasco de Carvalho e o Ciclo do Luso-Brasileirismo. Ao fazer-se referência à Biblioteca da Fundação Cupertino de Miranda, tal deve-se ao facto do deslumbramento que esta então causou na comunidade famalicense, provocando, pela primeira vez, em 1972, a ideia de um edifício de raíz para a Biblioteca Municipal. Tal só iria acontecer no pós-25 de Abril, o que é contado no quarto capítulo, “A Leitura Pública em Liberdade”, reflectindo os primeiros anos de reorganização da Biblioteca, realça-se a importância do Fundo Local, focam-se as doações contemporâneas, as actividades para a promoção do livro e da leitura, retrata-se a Secção Infantil e Juvenil, a Rede de Bibliotecas Escolares do Concelho de V. N. de Famalicão (na qual somos pioneiros) e da Rede Municipal de Leitura Pública. Finalmente, o quinto e último capítulo, “Dicionário de Personalidades”, reflecte as personalidades que, de uma forma ou de outra, estiveram ligadas à Biblioteca ou sobre ela escreveram.
Notando-se ultimamente a dinâmica da Rede Municipal de Leitura Pública com a reinauguração do polo de Joane-Biblioteca Dr. Bernardino Machado (num esforço do município para o desenvolvimento das populações locais) em Setembro último, no Complexo Desportivo Municipal da Vila de Joane, a apresentação do projecto da ampliação arquitectónica do Arq.º João Marta, ou a inauguração da Livraria Municipal na Casa do Território-Parque da Devesa, têm sido actividades que, para além de outras, incorporadas no âmbito do Centenário da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, reforçam, cada vez mais, a importância do mesmo equipamento cultural no seu contexto social, educacional e cultural para o desenvolvimento da comunidade à qual pertence.

 

 

sábado, 9 de novembro de 2013

Bento de Jesus Caraça: "o último pedagogo como pedagogo"


No âmbito do Ciclo de Conferências “Pedagogia e Pedagogos em Portugal”, numa organização da Câmara Municipal de V. N, de Famalicão com o Museu Bernardino Machado, realizou-se na última Sexta-Feira, dia 8 de Novembro, no respectivo Museu, a conferência do Prof. Luís Crespo Andrade, com o título “Pedagogia e Emancipação nos Escritos e na Actividade de Bento de Jesus Caraça”. Defendendo a ideia que anda à volta de Bento de Jesus Caraça como sendo o “último pedagogo como pedagogo”, o Prof. Luís Crespo Andrade evocou dois mundos em que o autor de “A Cultura Integral do Indivíduo” andou situado: o primeiro mundo diz respeito ao mundo da oposição revolucionária, com laivos ainda de republicanismo e de libertanismo; e um segundo mundo, este já num contexto de afirmação marxista. Na conciliação intelectual e pedagógica de ambos estes mundos, Bento de Jesus Caraça promove a educação para a ordem civilizacional, para o exercício do bem comum e para a promoção do associativismo livre entre as pessoas, estando nestes princípios a emancipação da educação popular. A matriz pedagógica de Bento de Jesus Caraça será desenvolvida na Universidade Popular e na “Biblioteca Cosmos”, anunciando o Prof. Luís Crespo de Andrade o fundamento antropológico e teórico: o ser humano é aperfeiçoável através da cultura, na medida em que a cultura é um meio e um fim para o seu aperfeiçoamento. A cultura surge, desta forma, em Bento de Jesus Caraça como uma formação própria para a vida dos cidadãos, sendo um instrumento decisivo para a sua transformação. Tal visão, será encontrada precisamente perante o papel da Escola Única, na qual seja permitida uma ramificação de conhecimentos para uma cidadania mais plena.